EFEMÉRIDE ESQUECIDA - A punição do teólogo brasileiro.
Por Deonísio da Silva em 18/10/2011 na edição 664.
A Inquisição mudou de nome e preferiu chamar-se Santo Ofício, que inclusive dá nome ao palácio, em Roma, onde está instalada.
Museus e iconografias ainda registram o uso de ferros e correntes para
extrair declarações e confissões. E depois, a execução no garrote vil ou
na fogueira, ou nos dois, pois eram opções queimar a vítima viva,
queimá-la depois de recém-executada ou queimar-lhe os ossos,
desenterrados para serem levados ao fogo. E, quando não eram
encontrados, queimava-se uma tábua na qual era desenhada a figura do
condenado quando vivo.
Mas o significado inicial da palavra inquisição era o de perguntar,
interrogar, investigar. Depois que passou a designar o tribunal
eclesiástico instituído para investigar e punir crimes contra a fé
católica, a palavra cobriu-se de trevas apavorantes.
No Brasil do século 18, a Inquisição condenou 1.074 pessoas e executou o
dramaturgo brasileiro Antônio José da Silva, garroteado e queimado em
Lisboa, a poucas quadras de onde era representada uma peça de sua
autoria, como comprovam Alberto Dines em sua obra referencial sobre o
tema, Os vínculos do fogo, e as pesquisas da professora da USP
Anita Novinsky, transformadas em livros e ensaios de indispensável
consulta quando o assunto é a Inquisição no Brasil nos tempos coloniais.
“A Inquisição não perdoa”
Antônio José foi interrogado em Lisboa no século 18. Outros dois casos
emblemáticos o precederam: Giordano Bruno, condenado à morte na
fogueira, entre o fim do século 16 e o alvorecer do século 17, e o de
Galileu Galilei, punido com prisão domiciliar na primeira metade do
século 17.
Há um outro caso ainda, do qual pouco se fala. E a vítima está viva
porque contra ela foram aplicadas outras punições. É o do frade e
teólogo catarinense Leonardo Boff, castigado com o “silêncio obsequioso”
em 1985. Inconformado, ele deixou a ordem em 1992. Porque a alternativa
que lhe foi dada era mudar-se para as Filipinas ou para a Coreia do
Sul.
Leonardo Boff sentou-se e foi interrogado no mesmo banquinho do Palácio
do Santo Ofício onde se sentaram e foram igualmente interrogados os
outros dois. Os três fizeram declarações que se tornaram célebres.
Galilei disse, em italiano: Eppur si muove (ela ainda se move), reiterando que é a Terra que gira ao redor do Sol. Bruno disse, em latim: “Maiori forsan cum timore sententiam in me fertis quam ego accipiam”
(“Talvez sintam maior temor ao pronunciar esta sentença do que eu ao
ouvi-la”). Boff disse, em português: “A Inquisição não esquece nada, não
perdoa nada, cobra tudo.”
A mídia deixou passar essa importante efeméride. No ano passado, em
01/05/2010, se completaram 25 anos da condenação de Leonardo Boff. Em
2012 completam-se 20 anos de outra efeméride: em 1992, sendo vãos os
imensos apoios que recebeu, inclusive de cardeais como Dom Paulo
Evaristo Arns, ele deixou a ordem, único modo de livrar-se das garras de
um inquisidor que puniu, não apenas a ele, mas outros 140 teólogos. O
inquisidor, o cardeal Joseph Ratzinger, tornou-se papa com o nome de
Bento 16.
***
[Deonísio da Silva é escritor, doutor em Letras pela Universidade de
São Paulo, professor e um dos vice-reitores da Universidade Estácio de
Sá, do Rio de Janeiro; autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa)]
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_a_punicao_do_teologo_brasileiro
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