por João Peres
Será
no dia 2 de fevereiro. Após abrir a temporada 2012 de desocupações com a
operação na comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos, a 100
quilômetros da capital paulista, a Polícia Militar de São Paulo faz o debut no
centro da cidade com a remoção de ao menos 200 famílias que ocupam um
imóvel que abrigava um bingo até a proibição de funcionamento desse tipo
de estabelecimento.
A esquadra chega à nova operação confiante após elogios do governador Geraldo Alckmin, satisfeito com a expulsão de seis mil pessoas que
habitavam um terreno da massa falida de uma das empresas do especulador
Naji Nahas no interior paulista. O incentivo deve garantir a manutenção
do perfil agressivo da equipe encarregada da missão.
A atuação recebe o reforço dos integrantes da Guarda Civil Metropolitana, parceira estratégica ao longo de 2011 e narepressão a dependentes químicos no bairro da Luz, taxado de "cracolândia". O êxito é dado como certo porque o time atua em casa e conta com o auxílio da arbitragem.
Quis
o destino que o endereço da estreia fosse o famoso encontro das
avenidas Ipiranga e São João. Longe de alegrar o coração de quem passa
por ali, a esquina escolhida para a imortalidade por Caetano Veloso é
hoje um amontoado de imóveis velhos, desocupados e muita vezes
apodrecidos, à exceção de um bar que há décadas soube capitalizar o
atrativo.
Aos
46 anos, Jussamara Leonor Manuel prepara-se para encarar as ruas pela
quarta vez. Ela e os companheiros foram expulsos de um espigão na São
João em novembro de 2011 e agora, três meses depois, preparam-se para
serem novamente desalojados. Mãe de seis filhos, passou a lutar pelo
direito à moradia em 2004, ano em que José Serra (PSDB) foi eleito
prefeito de São Paulo. A partir dali, a situação complicou-se um pouco
mais. Rua do Bosque, avenida 9 de Julho (duas vezes), avenida Prestes
Maia e avenida São João: foram oito anos complexos. “Não tenho para onde
ir”, diz.
A
Afim Brasil Eventos e Promoções Ltda., que se apresenta como dona do
imóvel, ingressou com ação em novembro passado pedindo a reintegração de
posse. Alegou ter contrato de aluguel assinado no local, argumento
aceito pela 20ª Vara Cível da Justiça de São Paulo seis dias após o
registro do processo. “É cediço que a turbação, o esbulho ou a simples
ameaça de perturbação à posse de alguém, pela violência que caracteriza e
a consequente intranquilidade que provoca, deve ser reprimida”,
argumenta a decisão judicial, que permitia já em 12 de dezembro promover
a reintegração contra a Frente de Luta por Moradia, réu no caso.
“Ressalte-se que para a posse ser justa não pode ser violenta, nem
clandestina e nem precária, como a posse dos réus”, defende o Judiciário
paulista.
"Vou para rua"
À
medida que se abre a porta de ferro colocada na avenida Ipiranga,
revela-se uma série de barracões de madeira que servem como moradia.
Escoras de metal seguram o que seria o segundo piso, e as vigas que
deveriam sustentar o concreto estão à mostra e corroídas. O chão,
especialmente no andar de cima, está cheio de buracos, o que leva os
integrantes do movimento a questionarem a versão de que o prédio estava
alugado.
“Está
condenado”, diz Osmar Borges, coordenador da Frente de Luta, enquanto
ouve as queixas dos moradores, que temem que a estrutura desabe de uma
vez. “Nossa ideia não é morar aqui. Queremos que o proprietário receba
aquilo que é de direito dele, mas se o prédio está abandonado, a
prefeitura pode requisitar a propriedade para função social. Aí se
constroem unidades habitacionais pelas quais a gente possa pagar.”
As
famílias rejeitam a sugestão da administração Kassab de serem removidas
para um abrigo enquanto não conseguem ser atendidas por algum programa
de moradia. Nestas unidades existe a exigência de que homens e mulheres
fiquem separados, o que, na prática, significa que essas pessoas ficam
privadas do convívio familiar.
Jussamara
não acredita também na promessa de que os moradores serão cadastrados
nestes programas de habitação: ela já o foi uma vez, e nada ocorreu. A
militante puxa do fundo do peito a respiração quando questionada sobre o
que vai fazer no dia 2, quando estiver novamente sem teto. Deixa as
lágrimas verterem, e vaticina, meio sem coragem, aquilo que lhe cabe
nesta vida: “Já sei que a prefeitura não vai fazer nada. Vou para a
rua”. Jussamara fala com a experiência de quem sabe que joga no time
mais fraco.
Sugestão de Gustavo Costa.
Fonte: http://maureliomello.blogspot.com/2012/01/la-vem-eles.html#more
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