Por Estevão Cruz*
No
último dia 26 de junho, sob forte pressão popular, a Comissão Especial
do PL 8.035/2010, que trata do novo Plano Nacional de Educação (PNE),
aprovou o novo plano. A aprovação na Câmara dos Deputados é o estágio
mais denso da tramitação do PNE, mas é apenas o primeiro. Agora, o plano
seguirá para o Senado, poderá voltar à Câmara e depois seguirá para
sanção presidencial.
Vale
destacar em primeiro lugar a importância da aprovação de um plano de
Estado para a educação. Esse plano é resultado de uma ampla discussão
democrática, realizada na Conferência Nacional de Educação (CONAE).
Mesmo que o projeto original, enviado pelo governo Lula ainda em 2010,
tenha sido bastante tímido, frágil tecnicamente e em muitos casos
distante dos anseios e das deliberações dessa conferência, a mobilização
popular acompanhou o processo de tramitação e garantiu os ajustes
necessários.
De
modo geral, a disputa travada pelo movimento educacional nesses quase
dois anos em que o projeto tramitou na Câmara dos Deputados promoveu
alterações com resultados positivos. A partir do novo PNE, o controle
social sobre a educação poderá ser ampliado; os/as professores poderão
ser mais valorizados e melhor remunerados; coloca-se o compromisso com a
erradicação do analfabetismo, com a ampliação da educação infantil, com
a universalização do ensino médio e com a ampliação da educação
superior pública, entre outros avanços importantes.
Esses
avanços estão longe de esgotar as nossas lutas, mas erram profundamente
aqueles que rejeitam o novo PNE. Erram como erraram durante os últimos
anos ao não disputar concretamente os rumos da educação brasileira. O
novo PNE certamente alterará o patamar da nossa luta e nos colocará em
melhores condições para defender a educação pública como estratégica
para a disputa de hegemonia que fazemos. E uma vitória, em especial,
representa isso: a aprovação de nova redação na meta 20, que garante
“ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir,
no mínimo, o patamar de sete por cento do Produto Interno Bruto (PIB) do
País no quinto ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a
dez por cento do PIB ao final do decênio" (PL 8.035/2010).
A
aprovação dos 10% do PIB para educação pública pode ser vista como a
maior vitória do movimento educacional nos últimos anos, ao lado da
criação do FUNDEB e do fim da DRU, e certamente como a maior vitória
política da sociedade brasileira no ano de 2012. A seguir, destacamos 10
pontos que organizam nossa opinião:
1)
Representa a força da mobilização popular e dos movimentos
educacionais. Essa pauta, debatida pelos lutadores da educação desde os
anos 90, ganhou força nas últimas conferências de educação, mobilizando
milhões de pessoas. Durante a tramitação do PNE, inúmeros atos e
passeatas das mais diversas entidades pautaram com muita força essa
luta. No dia 26, o poder das mobilizações foi evidenciado quando o
movimento estudantil, sob a bandeira da UNE, tomou conta do plenário 8
da Câmara dos Deputados e não deu margens às manobras para adiar a
votação ou derrotar a proposta. Para quem acompanhou, ficou a certeza de
que a mobilização popular foi a grande responsável por essa vitória.
2)
Representa a materialização da bandeira que unificou os diversos
movimentos populares nos últimos 20 anos. Dos movimentos do campo aos
movimentos urbanos, das entidades de representação dos trabalhadores da
educação às entidades de pesquisa, do movimento estudantil ao movimento
sindical, toda a sociedade civil organizada defende a aplicação de 10%
do PIB na educação e agora vê a sua luta se concretizando.
3)
Representa o papel estratégico da UNE. O papel jogado pelo movimento
estudantil, unificado sob a bandeira da UNE, foi decisivo para a
aprovação dessa meta. Por meio da UNE, o conjunto dos estudantes
brasileiros construíram com as próprias mãos mais esse capítulo da
história de conquistas do nosso povo. A energia militante, a
pluralidade, a amplitude da política da nossa União Nacional dos
Estudantes reforça o sentido estratégico da entidade e relega ao
isolamento, ao esquecimento, todo o sectarismo.
4)
Representa a possibilidade de ampliar a qualidade da educação. Nos
últimos anos o país foi capaz de promover uma forte ampliação do acesso à
educação. No entanto as limitações no orçamento da educação, ainda que
os investimentos tenham sido retomados, não permitiram avançar como
desejamos na melhoria da qualidade. A aprovação da meta cria condições
para um padrão de qualidade da educação à altura dos desafios do país.
5)
Representa a possibilidade de uma reforma estrutural da educação. A
ampliação de recursos é condição primeira para a possibilidade de
reestruturarmos a educação brasileira, no sentido da afirmação do seu
caráter universal e republicano. Apenas do ponto de vista do ensino
superior, é possível começar a reverter o atual cenário em que apenas ¼
das vagas são públicas, garantir o atendimento da demanda por
assistência estudantil, reforçar a produção e ciência e tecnologia, etc.
6)
Representa a ampliação da esfera pública contra a hegemonia mercantil. O
baixo financiamento público da educação pública ainda leva a um cenário
de mercantilização, seja por meio de parcerias público-privado, de
investimento de grandes corporações através das fundações de apoio ou
simplesmente do avanço do setor privado da educação. A proposta aprovada
garante a ampliação de investimento público em educação pública - ao
contrário do se lê em alguns lugares - e com isso coloca-se a chance de
consolidar a retomada do sentido público da educação, já iniciada com as
políticas educacionais em curso nos últimos anos.
7)
Representa um avanço para a ampliação dos investimentos em outras áreas
sociais. Ao contrário da sinalização negativa dada pelo governo após a
aprovação dessa meta, ela reforça a luta pela ampliação dos
investimentos em setores como a saúde. Os avanços nas políticas sociais
do último período precisam ser consolidados em Leis Sociais, como
políticas de Estado. Certamente a vitória que conquistamos abre espaço
para uma frente em defesa da duplicação dos recursos para as áreas
sociais.
8)
Representa um avanço na luta contra a hegemonia do capital financeiro.
Durante os últimos governos populares convivemos com as contradições
impostas pela hegemonia neoliberal na política econômica. A conquista
dos 10% por meio da mobilização popular foi uma resposta da sociedade
contra essa política econômica conservadora. Uma das marcas mais
simbólicas das mobilizações foi a lavagem no Banco Central, conduzida
pela UNE, em agosto passado. Essa conquista reforça a luta por uma
alteração nas prioridades do orçamento.
9)
Representa o reforço da luta democrática no país. A democracia no
Brasil é fruto da luta e resistência dos trabalhadores. Desde o fim do
Regime Militar, novos atores sociais entraram em cena e experimentaram
as possibilidades de conquistas democráticas. No último dia 26, vivemos a
experiência ímpar do movimento popular protagonizar a aprovação de uma
de suas bandeiras. Foi nítida a percepção da porosidade da democracia.
Sem dúvidas, a nossa consciência democrática da necessidade de
radicalizar os instrumentos de participação popular se aprofundou depois
desse processo.
10)
Demonstra o caminho das relações com os governos populares. A
consciência do papel dos atuais governos populares para o avanço da luta
socialista no país tem se expandido. A nossa vitória demonstrou que os
governos, sob a democracia burguesa e um Estado de hegemonia
capitalista, podem no máximo inverter prioridades. No caso da luta pelos
10%, o poder da agenda financeira se mostrou tão forte que nem essa
inversão era sinalizada. A proposta defendida por nós de aprofundar a
Revolução Democrática aproveita o potencial decisivo dos governos
populares para o acumulo de forças, mas considera insubstituível a força
das ruas para a construção de um novo Estado.
* Estevão Cruz é militante da Kizomba e diretor de Políticas Educacionais da UNE.
Fonte:http://www.democraciasocialista.org.br/democraciasocialista/artigos/item?item_id=302969
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