Em artigo exclusivo para o 247, o jornalista Breno Altman argumenta
que os ministros do Supremo Tribunal Federal ignoraram a prova dos autos
e dobraram-se à ditadura midiática; enquantos alguns ministros
transbordavam de revanchismo, outros se acovardavam; ele lembra que, na
compra de votos para a reeleição de FHC, havia um deputado, réu
confesso, que admitia ter recebido R$ 200 mil, mas o caso jamais foi
julgado.
247 – A Ação Penal 470 foi um julgamento político e
de exceção? O jornalista Breno Altman, diretor do site Opera Mundi e da
revista Samuel, argumenta que sim. Em artigo exclusivo para o 247, ele
argumenta que o Supremo Tribunal Federal se prestou a ser o teatro onde
se encena a reinvenção da direita no Brasil. Leia:
O STF escreve página de vergonha e arbítrio
Breno Altman
Poucas vezes, no registro das decisões judiciais, assistiu-se a cenas
tão nefastas como as do julgamento da ação penal 470, o chamado
“mensalão”. A maioria dos ministros da corte suprema, ao contrário do
que se passou em outros momentos de nossa história, dessa vez embarcou
na violação constitucional sem estar sob a mira das armas. Simplesmente
dobrou-se à ditadura da mídia.
A bem da verdade, alguns dos magistrados foram coerentes com sua
trajetória. Atiraram-se avidamente à chance de criminalizar dirigentes
de esquerda e prestar bons serviços aos setores que representam.
O voto de Gilmar Mendes, por exemplo, transbordava de revanchismo
contra o Partido dos Trabalhadores. O ministro Marco Aurélio de Mello, o
mesmo que já havia dito, em entrevista, que considerava o golpe de 1964
como um “mal necessário”, seguiu pelo mesmo caminho.
Mandaram às favas a
análise concreta das provas e testemunhos. Apegaram-se às declarações
de Roberto Jefferson para fabricar discurso de rancor ideológico, ainda
que disfarçado por filigranas jurídicas.
Outros juizes, porém, simplesmente abaixaram a cabeça, acovardados.
Balbuciavam convicções sem fatos ou argumentos dignos. A ministra Carmen
Lúcia não listou uma única evidência firme contra José Dirceu ou
Genoíno, contentando-se com ilações que invertem o ônus da prova. Foi
pelo mesmo caminho de Rosa Weber, sempre pontificando sobre a
“elasticidade das provas” em julgamentos desse naipe.
O papel nobre e honroso de resistência à chacina judicial coube ao
ministro Lewandovski, o único a se ater com rigor aos autos, esmiuçando
tanto os elementos acusatórios quanto as contraposições da defesa. Teve a
companhia claudicante de Dias Toffoli, sempre apresentado pela velha
midia como “ex-advogado do PT”, sem que o mesmo tratamento fosse
conferido a Mendes, notório aúlico tucano.
Assistimos a um julgamento político e de exceção. Um aleijão que fere
os princípios constitucionais e contamina as instituições democráticas.
O processo está sendo presidido por teorias que possam levar ao
objetivo pré-concebido, em marcha batida na qual são atropeladas
seculares garantias civis.
A existência da compra de votos dos parlamentares é reconhecida sem
que haja qualquer prova factual ou testemunhal. A transferência de
recursos financeiros entre partidos passa automaticamente a ser
considerada corrupção passiva, mesmo que não haja ato de ofício ou
compromisso ilícito, renegando a jurisprudência da corte e abrindo as
portas para toda sorte de subjetivismo.
Quadros de partido e governo são condenados porque a função que
exercem traz em seu bojo a responsabilidade penal por supostos atos de
seus subordinados ou até por aqueles sobre os quais teriam ascendência
não-funcional. Em nome dessa doutrina, denominada “domínio do fato”, a
presunção de inocência é fuzilada. Cabe ao réu comprovar que não teria
como desconhecer o fato eventualmente delituoso.
Essa coleção de barbaridades e ofensas à Constituição ontem levou à
condenação, por corrupção ativa, de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio
Soares. Dos três, apenas o ex-tesoureiro petista esteva vinculado a
situações materiais, mas sem que houvesse qualquer elemento
comprobatório de ação corruptora. Arrecadou e transferiu irregularmente
fundos para os partidos, e desse procedimento é réu confesso, mas não
houve registro fático que ele algo tivesse comprado que tivesse sido
posto à venda pelos parlamentares denunciados.
Quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conseguiu a emenda
da reeleição, o deputado Ronivon Santiago, então no PFL do Acre,
confessou ter recebido 200 mil reais para dar seu voto a favor dessa
medida. Aqui temos valor, fato e prova mediante confissão – aliás, de um
crime que o STF jamais se dispos a julgar. Nada disso, no entanto,
apareceu na ação penal 470. Apenas ilações e conjecturas a partir de
mecanismos anormais de financiamento partidário ou eleitoral.
Mas o caso de Dirceu e Genoíno é ainda pior. Não aparecem na cena de
qualquer crime, delito ou contravenção. A suposta prova contra o
ex-guerrilheiro do Araguaia é um contrato de empréstimo contabilizado e
quitado, cujas verbas não constam das transações interpartidárias, como
bem demonstrou o ministro Lewandovski. Foi condenado porque a ele se
aplicou a lógica de exceção: se era presidente do PT, não tinha como ser
inocente das denúncias formuladas.
A condenação do ex-chefe da Casa Civil, por sua vez, apresenta-se
como a maior das brutalidades legais cometidas. Salvo acusações do
condenado Roberto Jefferson, não há contra si qualquer testemunho ou
evidência.
Ao contrário: dezenas de depoimentos juramentados corroboram
sua inocência, formando verdadeira contra-prova. Mas a maioria dos
ministros sequer se deu ao trabalho de citá-los ou analisá-los.
Ambos, Dirceu e Genoíno, tiveram seus direitos degolados para que os
interesses mobilizadores do processo se consumassem. Há sete anos as
forças conservadoras e seu partido midiático fizeram do chamado
“mensalão” o centro da estratégia para enfrentar a liderança crescente
do PT e do presidente Lula, de vitalidade reconfirmada em seguidas
eleições, incluindo a do último domingo. Condenar os dois dirigentes era
marco imprescindível dessa escalada.
O STF, acossado pela midia corporativa, além de aviltado pelo
reacionarismo e a covardia, prestou-se a um triste papel, escrevendo
página de vergonha e arbítrio em sua história. De instituição
responsável pela salvaguarda constitucional, abriu-se para ser o teatro
onde se encena a reinvenção da direita. Quem viver, verá.
FONTE:http://www.brasil247.com/pt/247/brasilia247/82717/O-teatro-onde-se-encena-a-reinvenção-da-direita.htm
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