sábado, 25 de junho de 2016

Crise nacional e ausência de políticas públicas tiram 215 milhões de passageiros por ano do transporte público


Ônibus de São Luís.


















Nos últimos tempos, o sistema de transporte coletivo urbano tem amargado quedas bruscas na demanda de passageiros em todas as capitais brasileiras. De acordo com dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), entre 2014 e 2015, houve redução de 687 mil usuários por dia, enquanto no período anterior (2013-2014), as empresas em todo o país registraram 300 mil passageiros a menos diariamente. São 215 milhões de passageiros transportados a menos por ano e R$ 680 milhões deixados de arrecadar.
Para o presidente executivo da NTU, Otávio Cunha, a diferença assusta. “O que estamos vivendo é um fenômeno. Em nosso setor, nem sempre que há dificuldade econômica ocorrem perdas. Ao contrário, costumamos ter até ganhos na demanda, já que algumas pessoas, em geral, migram do carro para o ônibus. Mas, dessa vez, o nível de atividade econômica caiu muito, com inflação altíssima e desemprego histórico. Esses fatores, somados aos problemas da mobilidade urbana, explicam essa queda”, destaca.
Além da crise econômica e política que abateu o país e diminuiu a produtividade, outras questões são apontadas por especialistas e profissionais da área como agravantes. Entre elas, a falta de subsídios para custeio da operação e de recursos para investimentos em infraestrutura, o que tem deixado muitas empresas em dificuldades financeiras, gerando não apenas insatisfação popular, mas também instabilidade nos negócios – com paralisações de funcionários, demissões, entraves judiciais e, em alguns casos mais graves, fechamento de portas.
"Faltam políticas públicas que valorizem o transporte público. A única forma de transformar a crise em oportunidade é olhar com mais atenção para o setor e pensar em um fundo nacional. Atualmente, todo o custo da operação é repassado ao preço da tarifa e isso tem provocado reações da sociedade, com manifestações de movimentos sociais e até ações públicas na Justiça. Acuados com essa lógica, prefeitos não fazem os reajustes necessários e as empresas não conseguem reagir. Temos de sair desse ciclo”, ressalta Cunha.
Foto - Ônibus São Luís.
Sistema nacional em colapso - As perspectivas nada animadoras da economia – com previsões de reação apenas a partir de 2018 – preocupam empresários em todos os cantos do país. De acordo com levantamento realizado pela NTU por meio de comparativos entre 2014 e 2015, as capitais que tiveram quedas mais expressivas na demanda de passageiros foram, respectivamente, Curitiba (-8%) e Goiânia (-7,9%).
Com um total de 32 empresas de transporte na capital e região metropolitana e cerca de 17 mil empregos diretos, Curitiba (PR) vive um cenário de dificuldades financeiras em todas as operadoras. A falta de subsídios estaduais e municipais, as gratuidades nas passagens para parcelas da população – como idosos e crianças – e os reajustes tarifários abaixo do necessário são algumas queixas. “Os custos são maiores que a receita, o que causa desequilíbrio nas empresas e, consequentemente, dificuldade em manter linhas e aumentar a qualidade para o cidadão”, explica o presidente do Sindicato das Empresas de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp), Maurício Gulin.
Não bastassem os sacrifícios para manter a operação, as empresas esbarram, ainda, na falta de recursos para investir em projetos considerados fundamentais para a melhoria do transporte público. “Curitiba é modelo no que diz respeito ao sistema de BRT [Transporte Rápido por Ônibus], por exemplo, mas é preciso investir sempre mais”, afirma Gulin. “Os empresários acabam absorvendo os impactos do custeio e não conseguem implantar melhorias para atrair o passageiro”, acrescenta o vice-presidente da Setransp, Lessandro Zen.
Mas as reclamações ultrapassam o campo financeiro. A falta de competitividade do transporte público em relação ao particular também figura entre os obstáculos, na avaliação do presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de Goiânia, Décio Caetano: “Até pouco tempo atrás, a economia estava bem ativa. Com as boas condições do crédito, as pessoas estavam deixando o ônibus e migrando para o carro. Com a crise, veio o desemprego e mais pessoas deixaram de usar o transporte público. No entanto, mesmo com o preço alto da gasolina, andar de carro ainda é considerado mais vantajoso, ao menos do ponto de vista financeiro”.
Formado por cinco empresas, 6 mil funcionários e 1,5 mil ônibus, o sistema de transporte da capital goiana passou por um reajuste tarifário de 12% - que não resolveu, entretanto, a situação financeira delicada que atinge todas as operadoras. “Não adianta, é preciso investir no sistema de transporte público para atrair mais passageiros. E está claro, pelas manifestações populares de 2013, que a população está no limite quanto ao preço da tarifa. Há um ciclo vicioso que não será resolvido apenas com a passagem”, sustenta Décio.
Situação ainda pior enfrenta o Rio de Janeiro. Com um sistema robusto composto atualmente por quatro consórcios, formado por 39 empresas, e 110 mil empregos diretos, o estado assistiu o fechamento de cinco empresas e demissão de dois mil profissionais de abril de 2015 para cá. Além dos já citados problemas da crise, que piorou, ainda, as condições de financiamento para novos projetos, o Rio enfrenta problemas gerados por questões que, à primeira vista, representam apenas desenvolvimento.
“As obras das Olimpíadas, apesar de serem um legado, provocaram congestionamentos que chegam a 4h30 em alguns trechos. Isso reduz a produtividade e faz com que as pessoas busquem outros meios de transporte, como o carro, o metrô e o trem. Da mesma forma, o modelo de integração, com bilhete único, que passou a durar 3 horas nos municípios e 3h30 no estado, diminuiu a receita das empresas com a venda de menos tíquetes. A integração é boa para a população, mas não pode ser feita às custas das operadoras”, defende o presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), Lélis Teixeira.
Como sair da crise - Para resolver os gargalos na equação “necessidade de investimentos versus falta de recursos”, duas propostas de emenda à Constituição tramitam na Câmara dos Deputados. Ambas sugerem a criação de fontes para esses recursos por meio da CIDE-Combustíveis (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de gasolina e outros combustíveis), mas com fins diferentes.
De autoria do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), a PEC 307/13 propõe a descentralização do imposto. Assim, a destinação seria de 20% da arrecadação da CIDE-Combustíveis para os estados, e 70% para os municípios, para investimentos e subsídios às tarifas do transporte, barateando, assim, as passagens. Segundo justificativa do parlamentar, as políticas públicas para o transporte são inadiáveis, visto que é uma demanda da população e um problema que tomou proporções nacionais.
Já o texto da PEC 179/07, do deputado federal e atual secretário municipal de Transportes de São Paulo, Jilmar Tatto (PT-SP), sugere mudanças na CIDE-Combustíveis, obrigando a União a destinar no mínimo 10% dos recursos arrecadados com ao subsídio de programas de transporte coletivo urbano para a população de baixa renda em cidades com mais de 50 mil habitantes.
Outra proposta defendida por Tatto é a criação de um novo imposto também para subsidiar o transporte coletivo. A ideia é permitir a criação de uma Cide municipal com repasse para o transporte público de parte da arrecadação do consumo de gasolina pelo transporte individual. Na prática, a cada vez que um motorista de veículo particular abastecer, parte do valor pago pelo combustível seria destinado aos custos de operação dos ônibus nas cidades.
De acordo com o secretário, a proposta justifica-se pela possibilidade de uma arrecadação maior para o setor. Argumento comprovado por pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) na capital paulista. Segundo o estudo, se houver aumento de 10 centavos na tarifa de ônibus, a arrecadação é de R$ 150 milhões por ano. Por outro lado, se houver aumento dos mesmos 10 centavos no valor da gasolina, a quantia recolhida é de R$ 600 milhões por ano, quatro vezes mais.
ESTUDO DA FGV: Se houver aumento de 10 centavos na tarifa de ônibus, a arrecadação é de R$ 150 milhões por ano. Por outro lado, se houver aumento dos mesmos 10 centavos no valor da gasolina, a quantia recolhida é de R$ 600 milhões por ano, quatro vezes mais.
“O automóvel ocupa, hoje, 75% do espaço viário nos grandes centros urbanos, e transporta apenas 20% da população. Já o ônibus ocupa pouco mais de 9% e carrega 75% das pessoas. A taxação dos veículos particulares por meio da gasolina democratiza, portanto, o uso do espaço público. É o modal individual financiando o público, o que beneficia a todos. Nossa expectativa é de que a proposta seja aprovada. A partir daí, cada município fará uma lei específica regulamentando a matéria”, explica Tatto.
Para ele, a medida, somada ao incentivo a financiamentos e recursos do Programa de Aceleração do Crescimento para projetos de infraestrutura, contribuiria para o tão sonhado transporte de primeiro mundo. E Tatto diz com conhecimento de causa. Com uma das menores quedas na demanda de passageiros do Brasil – cerca de 1% –, São Paulo passa por melhorias em pontos essenciais para uma mobilidade urbana sustentável, como BRT, faixas exclusivas, ciclovias e integração entre os modais de transporte. A capital paulista conta expressivos recursos da prefeitura para a subvenção dos custos.
O presidente executivo da NTU, Otávio Cunha, apoia a proposta e reforça a necessidade de investimentos realizados em cidades como São Paulo. “Ainda não fizemos os investimentos adequados em infraestrutura. Grandes obras estão paralisadas por falta de recursos. Hoje em dia, aumenta-se o preço da passagem apenas para que empresas possam cobrir prejuízos. Precisamos dar uma resposta, melhorando a qualidade do transporte sem que a população e as empresas tenham que sofrer por isso”, finaliza.

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