Laci (à direita) já foi expulso. Fernando responde a processo. Agora,
um terceiro militar está ameaçado de expulsão pela mesma história dos
sargentos gays.
No dia 28 de dezembro de 2006, o subtenente Davi Reis grava uma
conversa pessoal com o general Adhemar da Costa Machado Filho, então
comandante militar do Planalto. Na conversa, o general revela saudades
dos tempos da ditadura militar, ou do”velho Exército”, como chama, em
que se podia arrombar uma porta, dar “uma porrada” e pegar o desafeto “à
força”. Por conta dos novos tempos, em que tais expedientes não são
mais possíveis, o general Adhemar não pode então punir os sargentos Laci
Marinho e Fernando Alcântara, “dois canalhas”. Mas, mais do que isso,
na concepção do general, “um viado” e um “viado que come viado”.
A
gravação feita por Davi Reis é a principal prova que Laci e Fernando têm
da perseguição homofóbica que sofreram no Exército. Por conta dela,
Laci foi expulso por deserção. Ainda sargento, Fernando defende-se
também de um processo. E, agora, a história faz uma terceira vítima: por
ter gravado a conversa com o general, Davi Reis começou a responder
também a um processo, que pode resultar na sua expulsão do Exército,
após 26 anos de serviço.
Em 28 de novembro de 2011, foi aberto contra Davi um Conselho de
Disciplina, nomeado pelo atual comandante militar do Planalto, general
Araken de Albuquerque. Havia uma suspeita contra Davi, de que ele tinha
um padrão de vida incompatível com a sua atividade de subtenente.
Davi
iria responder a uma investigação sobre isso, e defendia-se argumentando
que, além de subtenente, ele tinha uma empresa de informática e sua
mulher tinha lojas. No meio do processo, Davi foi transferido para o
Batalhão de Polícia do Exército (BPE), e interpretou isso como uma
espécie de punição prévia. Ele procura o general Adhemar para reclamar, e
resolve gravar a conversa para a sua defesa.
A conversa descamba para a
história do casal gay, e Davi acaba registrando o desabafo homofóbico
do general. Na Justiça comum, é legítimo alguém gravar sua própria
conversa como instrumento de defesa. A gravação, inclusive, é prova
lícita. Na Justiça militar, porém, na concepção do Conselho de
Disciplina, o que Davi Reis fez foi uma grave insubordinação.
E, por
isso, ele merece ser expulso do Exército. Além da gravação, pesa contra
Davi Reis um outro episódio, em que ele, segundo consta do libelo
acusatório, teria se identificado falsamente como funcionário do
gabinete do Comandante do Exército, Enzo Peri.
Além de ter determinado a abertura do Conselho, é o general Araken
quem escolhe seus integrantes. Foram nomeados o major Geraldo de Barros
Cavalcante Júnior, como presidente, e dois capitães. No entanto, é o
próprio general quem analisa o recurso apresentado pelo advogado de
defesa, Daniel Henrique de Carvalho. “A gente já sabe o que vai
acontecer, porque quem mandou abrir o Conselho é quem vai julgar o
recurso. Ou seja, é óbvio que o comandante não vai aceitar o recurso”,
explica Davi Reis.
O Conselho de Disciplina apenas concluiu que o acusado no processo é
culpado. Cabe agora ao comandante militar do Planalto decidir se exclui o
militar ou arquiva o processo. A decisão é então remetida ao Comandante
do Exército que pode homologar a decisão. No entanto, Davi Reis acusa
Enzo Peri de ter exigido a sua expulsão, depois que as gravações
tornaram-se públicas.
De acordo com o advogado de defesa, Daniel Henrique de Carvalho, o
recurso contrário à decisão já foi entregue ao Comandante Militar do
Planalto, mas ele considera ser muito difícil haver uma reversão do que o
conselho definiu. “Pedimos a anulação da decisão e trabalhamos para
reverter o processo de investigação, que está cheio de fraudes”, afirma.
Motivos
Os casos de Davi Reis e do casal de sargentos gays Fernando e Laci se
esbarram por conta de uma denúncia feita por Fernando, e que é o início
dos seus problemas. Fernando e Davi trabalhavam no Fundo Social do
Exército (FUSEx), e Fernando percebeu irregularidades na compra de
medicamentos. Ele faz uma denúncia anônima, intitulando-se “cidadão
indignado”. As denúncias lançam suspeita contra Davi, pelo fato de ele
ter um padrão de vida que não seria compatível com seus vencimentos de
subtenente. Davi acaba saindo do FUSEx para o BPE, e é nesse processo
que ele grava a conversa com o general. Com o registro das declarações
do general Adhemar, ela acaba passando as gravações para Fernando e
Laci, e ela foi anexada ao processo que o casal gay move contra o
Exército.
No entanto, ao decidir gravar a conversa, realizada no gabinete do
general, a única intenção de Reis foi se proteger, segundo contou em
entrevista ao Congresso em Foco. Ele queria provar que estava sendo
transferido de forma ilegal, mas acabou gravando as declarações
polêmicas do general, e até, insinuações de violência que poderiam ser
cometidas contra os dois sargentos.
“Eu fui até o general e ele me atendeu. Só que nessa minha ida, eu já
fui preparado porque já estava sabendo que poderiam me usar de bode
expiatório, ou para dar satisfação para o Ministério Público. Então eu
já fui assim, para me proteger. Pensei: se ele falar que está me
transferindo porque existe indício, vou processá-lo. Ou, se me acusar de
alguma coisa, vou processá-lo. E segundo, você vai conversar com uma
pessoa já com o ânimo exaltado, se achando injustiçado. Imagina, estou
eu e o general no gabinete dele. Se ele falar: me desacatou, eu vou
falar o quê? Por isso eu fiz a gravação, escondido, obviamente”, revela
Reis.
Ao longo da conversa, o general Adhemar ressalta que é contra a
instalação de inquéritos para investigar denúncias de corrupção, “porque
fugiriam ao seu controle”. Ele também afirma sentir saudades dos tempos
da ditadura militar em que se podia empregar métodos nada ortodoxos,
como invadir o apartamento do casal, sem mandado judicial, “para dar uma
surra”. A conversa durou 1 hora.
Em janeiro, o ministro da Defesa, Celso Amorin, reuniu-se com Enzo
Peri para esclarecer as denúncias. Em nota, o ministro prometeu tomar
providências assim que esclarecesse a história, mas até agora nada foi
feito.
O Congresso em Foco procurou o Ministério da Defesa e o Centro de
Comunicação do Exército (Ceconsex) para que se manifestassem sobre o
processo de expulsão de Davi Reis e para possibilitar uma manifestação
dos generais Adhemar e Araken. O Ministério da Defesa informou que só o
Exército poderia se manifestar sobre o caso. E o Ceconcex enviou nota ao
site, em que diz apenas que o processo está “de acordo” com o “previsto
no (…) Estatuto dos Militares”.
Leia a íntegra da nota do Centro de Comunicação do Exército
Segundo a nota, Davi Reis cometeu o crime de violar o direito ao recato pessoal
“Prezada Jornalista Mariana Haubert.
Atendendo à sua solicitação, formulada por meio de mensagem
eletrônica de 14 de fevereiro de 2012, a respeito de Conselho de
Disciplina a que foi submetido o Subtenente Davi Reis Vieira de Azevedo,
o Centro de Comunicação Social do Exército informa o seguinte:
1. De acordo com o que está previsto no artigo 49 da Lei Nº 6.880, de
09 de dezembro de 1980 (Estatuto dos Militares), as praças com
estabilidade assegurada, presumivelmente incapazes de permanecerem como
militares da ativa, serão submetidos a Conselho de Disciplina e
afastados das atividades que estiverem exercendo, na forma da legislação
específica.
2. O Subtenente Davi Reis Vieira de Azevedo respondeu a processo
criminal e foi definitivamente condenado pelo crime de violar, mediante
processo técnico, o direito ao recato pessoal. Responde a processo
criminal por ter emitido guia de encaminhamento de pacientes, com
suspeita de favorecimento de terceiros e, também, a processo
administrativo de caráter ético (Conselho de Disciplina) que ainda não
foi concluído.
3. Não será possível a realização de entrevista com o Presidente do Conselho conforme solicitado em sua mensagem.
4. Finalmente, cumpre ressaltar que a Força Terrestre cumpre
rigorosamente os instrumentos legais, observando o que estabelece a
Constituição Federal, assegurando a seus integrantes os direitos
previstos em lei.
–Atenciosamente,
CENTRO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO EXÉRCITO
EXÉRCITO BRASILEIRO
BRAÇO FORTE – MÃO AMIGA”
Conheça o Congresso em Foco (www.congressoemfoco.uol.com.br)
FONTE:http://correiodobrasil.com.br/militar-pode-ser-expulso-por-homofobia-de-general-2/388026/