quarta-feira, 23 de agosto de 2017

STJ acompanha parecer do MPF e concede guarda de criança a casal homossexual.

STJ acompanha parecer do MPF e concede guarda de criança a casal homossexual

Subprocurador-geral da República argumentou que é preciso levar em conta o princípio da prevalência do melhor interesse do menor.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu por unanimidade, nessa terça-feira (22), conceder a guarda de uma criança a um casal homossexual residente no Ceará. Em liminar, o ministro relator Ricardo Villas Bôas Cueva já havia reconhecido o pleito, agora confirmado pelo colegiado. O acórdão, que também afasta a possibilidade de abrigamento em orfanato, segue o entendimento defendido pelo Ministério Público Federal (MPF) de que é preciso observar o princípio do melhor interesse do menor, que já se encontrava sob os cuidados do casal desde seu nascimento, com autorização da mãe biológica.
A decisão põe fim a um processo iniciado no ano passado. Na época, o bebê, com apenas 17 dias de vida, fora deixado em uma caixa de papelão em frente à residência de um familiar do casal, que procurou a Justiça do Ceará para pedir a guarda da criança. A 3ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza negou o pedido, argumentando que os dois não figuravam no cadastro de adotantes, determinando ainda a busca da criança para acolhimento em orfanato. Inconformados, os cônjuges entraram com um recurso no Tribunal de Justiça do Ceará, obtendo liminar favorável. Após a derrubada da liminar, o caso foi parar no STJ, que agora reconheceu o direito da guarda.
Em seu parecer, o subprocurador-geral da República Antonio Carlos Alpino Bigonha cita decisão monocrática do relator, Ricardo Villas Bôas Cueva. Segundo o documento, uma recente visita feita por uma psicóloga atestou a boa estrutura do lar. “O relacionamento do casal é estável, estão juntos há 12 anos, ambos estão empregados e explicitam o desejo genuíno na adoção”, detalha o magistrado.
Afeto – O ministro Villas Bôas Cueva faz menção à jurisprudência do próprio STJ no sentido de reconhecer o valor jurídico do afeto nesses casos. “A dimensão socioafetiva da família ganha espaço na doutrina e na jurisprudência em detrimento das relações de consanguinidade”, prossegue. “Afere-se dos autos que o menor foi recebido em ambiente familiar amoroso e acolhedor, quando então recém-nascido, não havendo riscos físicos ou psíquicos ao menor neste período, quando se solidificaram laços afetivos”. Além disso, na opinião do magistrado, a permanência em orfanato acarretaria risco de trauma psicológico.
Nesse sentido, a Terceira Turma da Corte Superior já fixou o entendimento de que, na ausência de perigo de violência física ou psicológica contra a criança, a busca e apreensão com acolhimento institucional representa afronta ao melhor interesse do menor.
Entenda o caso – Segundo dados do processo, após terem recebido o bebê, os dois envolvidos informaram o fato à Polícia Civil e contrataram um investigador particular para saber a origem genética e o histórico familiar da criança. Após encontrar a mãe biológica, o casal descobriu ter sido eleito por ela para cuidar da criança em virtude da falta de condições financeiras dela. Por isso, segundo afirmam, buscaram formalizar a situação de guarda da criança.
Desde então o menor vem recebendo afeto e todos os cuidados necessários para seu bem-estar psíquico e físico, havendo interesse concreto na adoção da criança que acolheram imediatamente. Por tal motivo, ingressaram com o pedido formal de adoção”, relata Villas Bôas.
*O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
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A lei corrompida, por Chris Hedges.

Harlan Fiske Stone, juiz da Suprema Corte dos EUA de 1925 a 1946 - Ilustração Blog do Alok.
Blog do Alok. 
no Truthdig
Tradução do Coletivo Vila Vudu
ISLE AU HAUT, Maine – Tomo café da manhã numa mesa de carvalho esculpida, que pertenceu a Harlan Fiske Stone, juiz da Suprema Corte dos EUA de 1925 a 1946 e Juiz Presidente durante os últimos cinco daqueles anos. Stone e sua família passavam os verões nessa ilha remota e ventosa, a dez quilômetros da costa do Maine.
 
Stone, Republicano e amigo próximo de Calvin Coolidge e Herbert Hoover, corporificou uma era perdida da política dos EUA. O seu conservadorismo, fundado na crença de que a lei é feita para proteger os pobres contra os ataques dos poderosos, em nada se assemelha ao daqueles autoproclamados "constitucionalistas estritos" na Federalist Society, que acumularam tremendo poder no judiciário. 

Uma Federalist Society, por ordens do presidente Trump, está encarregada de aprovar os 108 candidatos à suprema magistratura do país a serem indicados pelo atual governo. O juiz recentemente nomeado por Trump, Neil Gorsuch, é membro da Federalist Society, como também o são os juízes Clarence Thomas, John Roberts e Samuel Alito.
 
Os autoproclamados "liberais" no judiciário, embora progressistas em questões sociais como aborto e ação afirmativa, servem a interesses empresariais com o mesmo empenho e a mesma assiduidade que os ideólogos de direita da Federalist Society. O website Alliance for Justice lembra que 85% dos juízes nomeados por Barack Obama – 280, um terço do judiciário federal – ou foram advogados de grandes empresas ou foram Procuradores do Estado. Os egressos de grandes escritórios de advocacia são 71% dos nomeados, com apenas 4% egressos de grupos que defendem interesses públicos, e a mesma percentagem corresponde a advogados que representam trabalhadores em disputas trabalhistas.
 
Stone repetidas vezes alertou que o poder das empresas, aplicado sem qualquer verificação implicaria fatalmente a tirania das grandes empresas sobre o judiciário e a morte da democracia. Como ele, também se manifestava Louis D. Brandeis, juiz aliado de Stone na Suprema Corte, que disse que "Podemos ter democracia nesse país, como podemos ter só riqueza concentrada nas mãos de poucos. Não podemos ter as duas coisas ao mesmo tempo." 
 
O suposto confronto entre juízes liberais e conservadores sempre foi mais ficção que realidade. O judiciário, apesar da retumbante retórica da Federalist Society, sobre a santidade da liberdade individual, é nua e crua ferramenta da opressão das empresas sobre o país e a justiça. Os direitos constitucionais mais básicos – privacidade, julgamento, eleições justas,habeas corpus, exigência de causa provável, devido processo legal e proteção contra a exploração – já foram cancelados para muitos, especialmente para os 2,3 milhões de pessoas que vivem nas prisões nos EUA, a maioria das quais lá estão sem terem sido julgadas.

 Declarações que a Constituição deve proteger, bem como crenças e direito de associação, são criminalizadas. Nosso sistema judicial, como disse Ralph Nader, legalizou a lei secreta, as cortes secretas, a prova secreta, os orçamentos secretos e prisões secretas, tudo em nome da segurança nacional.
 
Nossos direitos constitucionais nos foram consistentemente roubados por uma espécie de fiat constitucional. A 4ª Emenda diz que o "Direito do povo à segurança da própria pessoa, da casa, dos documentos e dos bens, contra revistas e confiscos não razoáveis não será violado sem causa provável, apoiado por Juramento ou afirmação, e que descreva em detalhe o lugar a ser revistado, e as pessoas ou coisas a serem confiscadas." Pois apesar disso, nossos telefonemas e textos, e-mails e registros judiciais e médicos, além de cada website que visitemos e nossos deslocamentos físicos, tudo pode ser rastreado, gravado, fotografado e armazenado em bancos de dados do governo.
 
O Executivo pode ordenar o assassinato de cidadãos norte-americanos sem julgamento. Pode dispor os militares nas ruas para conter agitação civil, nos termos da Seção 1021 da Lei de Autorização de Defesa Nacional [ing. National Defense Authorization Act (NDAA)] e sequestrar cidadãos – sequestros como são, essencialmente, os atos de entrega extraordinária [ing. extraordinary rendition] de prisioneiros, para serem interrogados sob tortura em 'pontos especiais' do planeta – e manter aqueles prisioneiros em centros militares de detenção, negando-lhes qualquer tipo de devido julgamento legal.
 
As doações de empresas para campanhas eleitorasi, que em larga medida decidem que é eleito, são vistas pelas cortes como formas protegidas de livre manifestação, nos termos da 1ª Emenda. Os lobbys corporativos, que determinam a maior parte de nossa legislação, são interpretados como direito do povo a se fazer representar diante do governo. 

As empresas são tratadas legalmente como pessoas de direito, exceto no caso de fraude e outros crimes; os presidentes de grandes empresas são poupados rotineiramente de qualquer acusação ou de cumprir pena de prisão, substituídas por multas, quase sempre simbólicas e pagas pela empresa, e jamais são obrigados a confessar qualquer crime. E as empresas reescreveram a lei, para orquestrar um boicote massivo contra todos os tipos de impostos.
 
Muitos dentre o 1 milhão de advogados nos EUA, os reitores das Faculdades de Direito e os juízes de nossas cortes, sejam autoproclamados liberais ou membros ou apoiadores da Federalist Society, recusam-se a levar o poder empresarial também às barras dos tribunais. Todos esses traíram o povo norte-americano. 
 
Só eles têm a formação e a capacidade para aplicar a lei de modo que proteja os cidadãos. Só eles sabem usar as cortes para que produzam e distribuam justiça, mais do que injustiça. Quando se escrever a história desse período da vida nos EUA [e quanto ao Brasil-2017-do-Golpe, então, nem se fala! (NTs)], a profissão de advogados e magistrados será descrita como responsável pelo fracasso da nação norte-americana [e quanto ao Brasil-2017-do-Golpe, então, nem se fala! (NTs)], desertada pela lei e deixada decair na mais violenta tirania empresarial e corporativa. Advogados devem ser "servidores da corte". Devem operar como sentinelas e guardiães da lei. Devem trabalhar sempre para aumentar o acesso do cidadão à justiça. Devem defender a lei, não subvertê-la e deformá-la. Esse fracasso moral da profissão de todos que ganham a vida no universo da administração e da distribuição do direito capou todos os direitos dos cidadãos.
 
Os libertaristas radicais na Federalist Society, hoje em ascensão dentro do sistema judiciário, defendem uma doutrina legal que, na essência, é pré-industrial. É centrada exclusivamente nos direitos do indivíduo e existe para limitar o poder do governo/do Estado. Vez ou outra, isso até pode levar a votos que visem a proteger a liberdade pessoal. Seguidores dessa doutrina na Suprema Corte, por exemplo, votaram contra a proposta de lei que estuprava uma área de bairro operário em New London para fazer lugar para uma fábrica de produtos farmacêuticos. Os liberais, que eram maioria na corte, aprovaram a tomada da área pelo laboratório farmacêutico.
 
Outro exemplo de libertarismo radical na corte aconteceu quando os advogados Bruce Afran e Carl Mayer e eu processamos o presidente Obama nos termos da Seção 1.021 da NDAA, que derrubara a lei de 1878 que proibia o governo de usar os militares como força policial doméstica. Contamos com o apoio de alguns membros conhecidos da Federalist Society. A tendência na Federalist Society de defender a primazia dos direitos individuais foi especialmente importante quando, depois que a injunção temporária, a Seção 1.021 lançada pela Corte Distrital dos EUA para o Distrito Sul de New York foi derrubada pela corte de apelação, nós tivemos de encaminhar uma petição para que o caso Hedges v. Obama, fosse lido perante a Suprema Corte.
 
"Por pior que [Antonin] Scalia fosse em questões culturais, ele foi o juiz moderno mais forte, em termos de garantir proteção ao discurso dos direitos da 1ª Emenda, de manifestação, imprensa e reunião. Nenhum liberal chegou sequer perto dele, nessas áreas" – disse-me Afran sobre o falecido juiz Scalia. "De fato, ele foi quem mais simpatizou com nossa petição no caso NDAA case. [A juíza Ruth Bader] Ginsburg negou nosso pedido, e não falou de comentar o voto com outros juízes. Quando fomos falar com Scalia, ele imediatamente pediu mais material para fazer o assunto circular entre os outros juízes. Na nossa petição, nos baseamos na divergência de Scalia nos casos de Guantánamo. Ele se posicionou muito claramente, no sentido de que os prisioneiros da prisão de Guantánamo e outros aprisionados no Afeganistão deveriam ter respeitados todos os seus direitos civis em qualquer processo criminal. Scalia foi muito além do que fez a maioria dos juízes nesses casos e condenou toda e qualquer detenção de civis por militares."
 
Mas, embora a Federalist Society pretenda que se posicione sempre contra qualquer limitação das liberdades civis, com alguns de seus membros abraçando posições que tradicionalmente são dos liberais, como as leis sobre drogas e liberdades sexuais, a organização também apoia a posição judicial do sistema, segundo a qual as empresas têm direitos individuais. São hostis a quase qualquer regulação governamental e agências de regulação, incluídas a Agência de Proteção Ambiental e a Comissão de Seguros e Câmbio. Opõem-se aos direitos dos sindicatos, aos direitos de voto, às leis de igualdade de gênero e à separação entre igreja e estado. Querem tornar ilegal o aborto, e reverter a sentença em Roe v. Wade. A autoproclamada filosofia do "originalismo" ou "textualismo" da Federalist Society impede que o sistema legal aja em massa em ações de classe contra entidades empresariais corruptas. E, apesar de toda a retórica sobre defesa da liberdade individual, como Mayer destacou, "eles jamais fizeram qualquer coisa contra qualquer dos ataques contra a 1ª Emenda, que resultadas da legislação aprovada depois do 11/9." A Suprema Corte não acolheu nossa petição, e a Seção 1.021 permanece como lei.
 
A Federalist Society diz que busca interpretações da lei que sejam fieis às que se fariam ao tempo em que a Constituição foi escrita, no final do século 18. Essa fossilização da lei é um subterfúgio retórico bem claro, para promover os interesses das empresas e dos oligarcas que financiavam a Federalist Society – a Mercer Foundation, o falecido John Olin, o falecidoRichard Scaife, a Lynde and Harry Bradley Foundation, os irmãos Koch e a indústria do combustível fóssil. A Federalist Society tem laços próximos com o American Legislative Exchange Council (ALEC), cujos lobbyistas redigem e promovem leis patrocinadas por empresas em todas as legislaturas estaduais e no Congresso.
 
Stone sabia que a lei logo seria moribunda, se ficasse congelada no tempo. Leis são entidades vivas, que têm de se adaptar à realidade sempre mutante da vida social, econômica e política. Abraçou o que Oliver Wendell Holmes chamou de "realismo legal". A lei não era só lógica, mas também sobre a experiência de uma sociedade humana vivida. Se os juízes não pudessem ler e interpretar a sociedade, se se deixassem prender ao dogma rígido ou a algum fundamentalismo legal autoimposto, nesse caso a lei seria convertida num constitucionalismo estéril. Stone queria que os juízes mostrassem "menos reverência ante o modo como uma doutrina velha era aplicada a uma situação velha." A lei tinha de ser flexível. Juízes, para emitir sentenças que fizessem pleno sentido social e legal, teriam de estudar a política contemporânea, economia, assuntos e práticas comerciais domésticas e globais e cultura, e parar de tentar adivinhar o que pretendiam os Pais Fundadores.
 
Stone sempre desconfiou de radicais e de socialistas. Podia ser cético sobre programas do New Deal, embora acreditasse que a corte não tinha o direito de reverter leis do New Deal. Mas entendia que a lei era a instituição primária cuja tarefa seria proteger o cidadão contra o capitalismo predatório e os abusos do poder. Votou consistentemente com Holmes e Brandeis, dois dos juristas mais brilhantes e inovadores da Corte Suprema. Os três se posicionavam contra a maioria conservadora com tanta frequência, que foram apelidados de "Os Três Mosqueteiros".
 
A lei, disse Stone, jamais pode "tornar-se monopólio de alguma classe social ou econômica". Sempre condenou seus colegas conservadores por lerem no texto das leis só as próprias preferências econômicas "e também na Constituição". Ao fazer isso, disse Stone, aqueles juízes "punham em perigo uma instituição de governo que é grande e útil."
 
Stone abraçou a doutrina "das liberdades preferidas" – pela qual as liberdades da 1ª Emenda têm proeminência na hierarquia dos direitos constitucionais, permitindo que os juízes se oponham a qualquer legislação que vise a subjugar aquelas liberdades. Essa passou a ser a base a partir da qual brotaram as decisões da Suprema Corte para derrubar leis que perseguiam e calavam afro-norte-americanos, radicais em geral – incluindo comunistas, anarquistas e socialistas – e ativistas pró-trabalho e religiosos em geral.
 
Stone, como reitor da Faculdade de Direito de Columbia antes de ser nomeado advogado geral dos EUA em 1924 e assumir seu lugar na Suprema Corte no ano seguinte, disse que a missão da escola era "devotada a ensinar alunos a viver, muito do mais do que apenas a ganhar a vida". Denunciou os Palmer Raids e as deportações em massa de radicais que terminaram em 1920. Apoiou cinco membros socialistas da Assembleia Estadual de New York que foram expulsos pelos próprios colegas de legislatura em 1920 por causa de suas opiniões políticas. E disse que todos, inclusive terceiros [orig. aliens] – pessoas que não fossem cidadãos, mas vivessem nos EUA – têm direito ao devido processo legal.
 
"Qualquer sistema que confira poder a funcionários do governo para restringir a liberdade de indivíduos, sem salvaguardas substancialmente semelhantes às que existem na justiça criminal, e sem autoridade adequada para revisão judicial das ações daqueles funcionários, resultará em abuso de poder e em intoleráveis injustiça e crueldade contra indivíduos" – escreveu ele sobre leis que privassem de direitos constitucionais aqueles mesmos terceiros [aliens].
 
Como advogado geral, demitiu funcionários corruptos e cuidou atentamente de fazer valer as leis antitruste, com o que rapidamente fez inimigos entre industriais milionários, como Andrew Mellon. Foi também que, vergonhosamente, indicou J. Edgar Hoover para dirigir o FBI. Suas campanhas agressivas antitrustes, levou líderes da comunidade empresarial a pedir a demissão dele do cargo de Advogado Geral. Foi quando, em 1925, foi nomeado à Suprema Corte, movimento que, como o jornal New York Globe and Commercial Advertiser observou, "protege o empresariado contra perseguições incômodas, processos ou ameaça de processos [e] salva o governo [Coolidge] da acusação de que teria traído os empresários. (...)"
 
Os anos 1920s foram, como escreveu Alpheus Thomas Mason na biografia que escreveu em 1956, "Harlan Fiske Stone: Pillar of the Law," "uma década importante para os empreendimentos de exploração em larga escala; seus líderes pregavam o 'Evangelho dos Bens'. A 'canonização do caixeiro viajante' foi vista como a 'mais luminosa esperança dos EUA.’ A ambição que a todos absorvia era de fazer brotar dois dólares onde já tivesse brotado um dólar antes, engenharia para, como o magnata imobiliário Samuel Insull disse, 'arrancar tudo que fosse possível, de cada dólar' – vale dizer, tirar do nada, alguma coisa."
 
O trabalho organizado, que antes da 1ª Guerra Mundial havia sido força política e social potente, fora esmagada pela repressão estatal, inclusive com recurso às leis de Espionagem e Sedição. Regulações e controles oficiais foram enfraquecidos ou abolidos. Foi um tempo, como disse Sinclair Lewis, de Babbittry [aprox. "de babbitices"] – em referência ao comportamento filisteu do protagonista de seu romance Babbit de 1922, sobre a vacuidade da cultura norte-americana e seu objetivo de vida: virar "rico, gordo, arrogante e metido a superior". A desigualdade alcançara níveis assustadores. Ao tempo do crash de 1929, 60% das famílias norte-americanas viviam pouco acima da linha da miséria. O deus norte-americano era o lucro. Os que não tivessem recebido a bênção de ser ricos e poderosos foram sacrificados nos altares do mercado.
 
Stone, nascido em New Hampshire e criado no conservadorismo da Nova Inglaterra rural acrescido da frugalidade ianque, horrorizou-se com a orgia de ganância e de desigualdade construída pelas elites das quais ele também fazia parte. Denunciou uma cultura hedonista dominada por oligarcas sem moral e corporações/empresas em tudo muito assemelhadas às que há hoje.
 
"Riqueza, poder, a luta pelo mais efêmero prestígio social e político, que assim absorvem toda nossa atenção e energia, são apenas fase transitória de todos os tempos; maravilhas de 90 dias que passam pela memória dos homens mais ou menos como os atores que tanto padeceram para obtê-las passam pelo palco" – escreveu ele. – "O que é significativo no registro do desenvolvimento humano não é nada disso. São, isso sim, aquelas forças da sociedade e na vida daqueles indivíduos que, em cada geração, acrescentaram alguma coisa à realização intelectual e moral da humanidade, que se mantêm vivas na imaginação, e em cada geração seguinte serão admiradas e reverenciadas."
 
crash de Wall Street em 1929 e o vasto sofrimento causado pela Depressão confirmaram os medos de Stone ante um capitalismo sem freios. Herbert Spencer, escritor da era vitoriana, que cunhou a expressão "sobrevivência do mais apto" e cuja filosofia libertarista foi amplamente difundida nos anos 1920s, dizia que a liberdade mede-se pela "ausência relativa de restrições" que o governo aplique ao indivíduo. Stone anotou essa crença, e aplicou-a na ideologia do neoliberalismo, como uma receita para a exploração e a opressão pelas empresas.
 
Se a lei permanecesse presa na sociedade agrária, branca, machista e escravocrata na qual viveram os autores da Constituição, se fosse usada exclusivamente para defender o "individualismo," não haveria ferramenta legal capaz de conter o abuso do poder das empresas e empresários. A ascensão de mercados modernos, a industrialização, a tecnologia, a expansão imperial e o capitalismo global exigiam um sistema legal que compreendesse e respondesse à modernidade. Stone atacou duramente o conceito de lei natural e direitos naturais, usado para justificar a ganância das elites governantes, que passam a tentar pôr as transações econômicas fora do alcance das cortes de justiça. A economia do laissez faire não era, dizia ele, prenunciadora de progresso. O objetivo da lei não era maximizar os lucros da empresa. Na concepção de Stone, sempre seria inevitável um confronto entre as cortes e os senhores do comércio.
 
Stone criticava a profissão dos juízes, que se revelara incapaz de dobrar a avareza das "gigantescas forças econômicas que nosso mundo industrial e financeiro criou." Os advogados não existem para zelar pelo poder das empresas e dos empresários. Perguntou por que "a ordem dos advogados, que tanto fez para desenvolver e refinar as técnicas da organização comercial, para prover métodos cuidadosamente pensados para a indústria financeira, que soube guiar uma expansão comercial realmente planetária, fez relativamente tão menos, para remediar os males e vícios do mercado de investimentos; tão menos, para adaptar o princípio fiduciário do capital do século 19 às práticas comerciais do século 20; tão menos, para melhorar o funcionamento dos mecanismos de administração que os governos modernos criaram para impedir abusos; tão menos para tornar a lei mais rapidamente acessível ao homem comum como instrumento de justiça." 
 
A lei, disse Stone, só tem a ver com "a promoção do interesse público". Atacou duramente as elites letradas, especialmente advogados e juízes, que usam suas capacidades para se converter em "servos obsequiosos de empresas e empresários e dobusiness" e os quais, no processo, se deixaram "contaminar pela moral e modos que se veem nas manifestações mais antissociais do mercado." 
 
E alertou as escolas de formação de advogados de que o foco exclusivo na "proficiência" descuidava do "grave perigo que se cria para a face pública da sociedade se essa proficiência acaba direcionada exclusivamente para finalidades privadas, sem qualquer consideração às consequências sociais dos procedimentos." Também criticou duramente a mentalidade do advogado esperto, ao qual os interesses dos próprios empregadores acabariam por proibir qualquer dignidade e liberdade intelectuais." Disse que a profissão dos que devem servir à lei, mas só servem aos interesses das respectivas empresas-patrão nunca passaria de "espetáculo lamentável". E que advogados que vendessem a própria alma às empresas seriam para sempre "advogados criminosos".
 
Foi furiosamente atacado. William D. Guthrie, advogado de Wall Street respondeu-lhe, nas páginas da Fordham Law Review, alertando os leitores contra Stone, que estaria pregando "doutrinas subversivas" divulgadas por "falsos profetas" cujo objetivo era o "socialismo nacional, o repúdio aos padrões e obrigações que até hoje todos respeitamos, a igualdade de classes, a destruição da propriedade privada, e a derrubada de nosso sistema federal construído para ser composto de estados soberanos e indestrutíveis."
 
Mas Stone compreendeu um fato seminal que escapa até hoje à Federalista Society e às lideranças dos partidos Republicano e Democrata: que não se pode dar poder social e político a empresas comerciais. Stone sabia que a lei deve ser uma barreira contra a sede insaciável de lucro que acomete a empresa comercial, por sua própria natureza. Se e onde a lei fracassar nessa tarefa, o despotismo empresarial-corporativo é consequência inevitável.
 
Stone escreveu, sobre os excessos do capitalismo que levaram à Depressão:
 
"Arrisco-me a afirmar que, quando a história da era 'das finanças' que acaba de chegar ao fim vier a ser escrita, muitos de seus erros e suas principais falhas serão explicados por não se ter observado o princípio fiduciário, preceito tão antigo quanto a própria humanidade, que ensina que "ninguém pode servir a dois senhores". Há mais de um século o capital acolhia bem esse princípio e a lei comum não demorava tanto a acompanhá-lo nessa percepção. Nenhum ser racional poderá jamais acreditar que uma economia construída sobre uma fundação negocial possa jamais prosperar sem alguma lealdade a esse princípio. A separação entre a propriedade e a gestão, o desenvolvimento da estrutura da organização, que dá a pequenos grupos o controle total sobre os recursos de grande número de pequenos e grandes investidores mal informados, torna imperativo que se reative a devoção àquele princípio, se o mundo moderno quer de fato fazer o que diz que faz. 
Ainda assim, os que servem nominalmente como depositários fiéis, mas são liberados por espertos instrumentos legais, de qualquer obrigação de proteger todos cujos interesses eles dizem representar, funcionários e diretores de grandes empresas que se autoconferem bônus gigantescos extraídos dos fundos da empresa sem a concordância e sem sequer o conhecimento dos demais acionistas, comissões de reestruturação criados para servir a interesses em tudo diferentes daqueles cujos papéis eles controlam; instituições financeiras as quais, na variedade infinita de suas operações, só consideram – quando consideram alguma coisa – os interesses daqueles cujos fundos eles mesmos comandam, tudo isso sugere o quanto estamos adiantados no processo de ignorar as implicações necessárias daquele princípio. As perdas e o sofrimento infligidos aos indivíduos; o mal que se pratica a favor de uma ordem social fundada no empreendedorismo e que dispense qualquer exigência de integridade, são incalculáveis."
 
O golpe de Estado corporativo que Stone tentou conter agora está completo. Seus piores medos são hoje nosso pesadelo.
 
Mas Stone também cometeu erros. Recusou-se a adiar a execução de Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, e os dois anarquistas foram enforcados em agosto de 1927. (Alguém mandou um barco de pesca buscar a sentença fatídica que Stone escreveu quando estava em férias aqui onde estou hoje, em Isle au Haut. Provavelmente assinou a sentença nessa mesa onde me sento todas as manhãs.) Algumas vezes sentenciou contra os direitos de sindicatos. Aprovou o internamento de cidadãos japoneses-norte-americanos durante a 2ª Guerra Mundial. Nunca foi simpático aos que se recusavam a combater e alegavam objeção de consciência, a menos que fosse objeção de caráter religioso. Nem sempre protegeu devidamente os direitos constitucionais de comunistas. Usou a lei para impedir o que lhe pareceu que fosse a consolidação do poder de Franklin Roosevelt no executivo.
 
Mas Stone teve a integridade e a coragem de lançar bombas de demolição contra o establishment. Atacou por exemplo os Tribunais de Nuremberg que julgavam os líderes nazistas depois da 2ª Guerra Mundial, chamando-os de "partido do linchamento em grau superior".
 
"Pouco me importa o que [o procurador chefe em Nuremberg, Juiz da Suprema Corte Robert H. Jackson] faça com os nazistas, mas odeio a ideia de que ele estaria regendo a corte e os procedimentos segundo a lei comum" – escreveu ele. "É fraude excessivamente rocambolesca, que jamais satisfará minhas ideias antiquadas." Observou acidamente que os Tribunais de Nuremberg estavam sendo usados para justificar a proposição segundo a qual "os líderes dos vencidos devem ser executados pelos vencedores."
 
Stone passava os verões num chalé pingado de cinza com janelas verde-azul adas que abriam sobre um pequeno porto na ilha. Ele e a esposa construíram o chalé, que existe até hoje, em 1916. Costumava andar pela ilha vestindo roupas velhas. Um dia, no porto, uma mulher confundiu o juiz da Suprema Corte com o carregador. Pediu-lhe que levasse as malas dela. Stone, homenzarrão que jogara futebol no colégio, levantou as malas sem dificuldades e seguiu a mulher, sem dizer uma palavra.
 
Stone não tinha o brilho emersoniano nem fazia os floreios retóricos de Holmes ou as análises sociais agudas cortantes de um Brandeis, mas era intelectual astuto. Não haveria lugar para ele hoje, nem nos partidos Republicano ou Democrata, nem no Judiciário, tomados já pelos interesses empresariais contra os quais Stone tanto combateu. A Federalist Society, com lobbyistas de empresas montaram campanha gigantesca para impedir que assumisse como Advogado-geral e juiz da Suprema Corte. A fidelidade obsessiva ao estado de direito com certeza o lançaria, como Ralph Nader, no coração da selva política e judicial.
 
Stone opunha-se ao socialismo porque, como disse a seu amigo Harold Laski, filósofo político britânico socialista, acreditava que o próprio sistema judicial poderia ser reformado e empoderado para proteger os valores públicos contra a tirania das empresas e suas elites corporativas. Mas também disse a Laski que, se o sistema judicial falhasse na missão de salvaguardar a democracia, nesse caso, só restaria, como possibilidade, o socialismo.*****

STF. 1ª Turma rejeita queixa-crime de Alexandre Frota contra deputado Jean Wyllys.

Foto - Jean Willis.

Por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou queixa-crime na Petição (PET) 5735, promovida pelo ator Alexandre Frota contra o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) a quem acusa dos delitos de calúnia e difamação. 

No entendimento dos ministros, ao criticar a conduta do ator, que afirmou em programa de televisão ter tido relações sexuais com uma mulher desacordada, o parlamentar apenas expressou sua indignação contra o relato, sem qualquer intenção de ofender. A queixa foi rejeitada por ausência de justa causa, conforme o artigo 395, inciso III do Código de Processo Penal.
De acordo com os autos, em 2014 Frota afirmou em programa de TV que em determinada ocasião teria mantido relações sexuais com uma “mãe de santo” que teria desmaiado durante o ato. Ainda segundo os autos, ao tomar conhecimento dos fatos, o parlamentar postou em sua página no Facebook o vídeo da entrevista e escreveu um texto classificando a conduta como caracterizadora de crime de estupro e também condenando atitudes desrespeitosas e preconceituosas contra religiões de matriz africana.
Na queixa-crime, Frota alega que, a partir da manifestação do deputado, passou a ser alvo de manifestações de ódio e repulsa. Afirma que as declarações ocorreram fora do ambiente parlamentar e que, além de caluniosas e difamatórias, representariam abuso da liberdade de manifestação. Posteriormente ele se desmentiu, afirmando que o caso era apenas uma piada, que contou de forma jocosa unicamente com o intuito de promover uma peça de teatro que estrearia em breve.
Da tribuna, a defesa do parlamentar argumentou que não houve intenção de praticar crime contra honra. Salientou que os fatos criticados foram relatados pelo próprio ator e que, por sua potencial gravidade, foram objeto de procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público. Afirmou, também, que sua manifestação se deu porque, no exercício do mandato, tem como um dos objetivos a defesa de causas sociais.
Em seu voto, o ministro Fux ressaltou que os crimes contra a honra pressupõem que as palavras atribuídas ao agente, além de se revelarem aptas a ofender, tenham sido proferidas exclusivamente ou principalmente com esta finalidade, sob pena de se criminalizar o exercício da crítica, que classificou como uma manifestação fundamental do direito de expressão. Ressaltou que a jurisprudência do STF é no sentido de que, no caso dos delitos de calúnia, injúria e difamação, a mera narrativa de um determinado fato (animus narrandi) não configura o dolo imprescindível à configuração dos delitos.
Para o relator, o parlamentar apenas criticou o paradigma cultural da sociedade em conformidade com a ideologia política pela qual milita. Segundo ele, apesar de o texto conter expressão que pode ter conteúdo negativo, não é possível, por este motivo, inferir o propósito direto de ofender a honra. O ministro destacou que o parecer da Procuradoria Geral da República, também pela rejeição da queixa, aponta que o parlamentar unicamente expressou repúdio às declarações do ator.
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator com fundamentação diversa, pois entendeu haver a imputação de crime por parte do deputado, mas dentro do exercício do mandato, aplicando-se a inviolabilidade parlamentar que exclui a responsabilidade penal.
PR/CR
Processos relacionados - Pet 5735.
Link: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=353297

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Justiça Federal condena Sama a pagar R$ 500 milhões para tratamento de contaminados com amianto.

Justiça Federal condena Sama a pagar R$ 500 milhões para tratamento de contaminados com amianto
Imagem ilustrativa: Istock photo.
Em ação conjunta do MPF e do MP/BA, União, estado da Bahia e municípios de Bom Jesus da Serra, Caetanos e Poções foram condenados a executar medidas voltadas a garantir tratamento às vítimas.
Em ação conjunta do Ministério Público Federal (MPF) em Vitória da Conquista (BA) e do Ministério Público do estado da Bahia (MP/BA), a Sama S.A. - Minerações Associadas foi condenada pela Justiça Federal ao pagamento de R$ 500 milhões por danos morais coletivos. A decisão, de 18 de agosto, aponta que o valor deve ser destinado aos municípios baianos de Bom Jesus da Serra, Poções, Caetanos e Vitória da Conquista, e deve ser utilizado para aquisição de equipamentos e construção de unidades para tratamento de doenças associadas à exposição do amianto.
De acordo com os MPs, a Sama explorou amianto na jazida São Félix do Amianto, localizada em Bom Jesus da Serra (BA), a 464 km de Salvador, entre os anos de 1940 e 1967. Porém, no encerramento das atividades de extração não foram adotadas medidas satisfatórias para mitigação dos efeitos do mineral nos habitantes da região, deixando resíduos que teriam contaminado um número indeterminado de pessoas – entre trabalhadores da mina, seus familiares e moradores do entorno.
Segundo a ação, a falta de informações sobre um número exato de vítimas decorre da omissão de todos os réus – Sama, União, estado da Bahia e municípios de Bom Jesus da Serra, Caetanos e Poções – na prestação de serviços médicos e de vigilância sanitária aos ex-empregados e moradores da região.
A Justiça determinou também a indisponibilidade de bens do ativo não circulante da Sama e o bloqueio de seus lucros. A mineradora deverá, ainda, em relação a 11 vítimas descriminadas na ação: pagar, a cada uma delas, R$ 150 mil a título de danos morais individuais, além de um salário mínimo e meio, a ser pago mensal e vitaliciamente; incluí-las em plano de saúde; e fornecer medicamentos e equipamentos necessários aos seus tratamentos, dentre outros.
A respeito dos outros réus – União, estado da Bahia e municípios de Bom Jesus da Serra, Caetanos e Poções –, a sentença determinou que deverão manter a junta médica – criada em acordo anterior, no curso da ação – que será responsável por todos os exames e procedimentos necessários à investigação de doenças associadas à exposição do amianto; e garantir a prioridade de atendimento (após crianças, adolescentes, idosos, gestantes e deficientes físicos) e de tratamento às vítimas de amianto.
Número para consulta processual na Justiça Federal: 2009.33.07. 000988-3 — Subseção Judiciária de Vitória da Conquista.
Assessoria de Comunicação - Ministério Público Federal na Bahia - Tel.: (71) 3617-2295/2294/2296/2200 - E-mail: prba-ascom@mpf.mp.br - www.twitter.com/mpf_ba

Deputado Wellington convida população para audiência que discutirá a Saúde da Pessoa Idosa no Maranhão.

Foto - Deputado Wellington do Curso.

Enquanto presidente da Comissão de Seguridade Social, o deputado estadual Wellington do Curso (PP) utilizou a tribuna da Assembleia Legislativa, na manhã desta terça-feira (22), para convidar toda a população para uma audiência pública que discutirá sobre o Centro de Referência Especializado Regionalizado de Atenção Integral à Saúde da Pessoa Idosa do Maranhão. 

A audiência acontecerá nesta quarta-feira (23), às 08h, no auditório Neiva Moreira da Assembleia Legislativa do Maranhão. 

O evento é uma inciativa da 1º Promotoria de Justiça na Defesa do Idoso, na pessoa do promotor titular, Dr.º José Augusto Cutrim Gomes.

“A instalação do Centro de Referência Especializado Regionalizado de Atenção Integral à Saúde da Pessoa Idosa do Maranhão vem como cumprimento ao comando constitucional e, em especial, à proteção integral ao idoso previsto na Lei 10741/03 - Estatuto do Idoso. Estarão presentes todas as instituições que prestam serviço na proteção ao idoso, seja no controle, na saúde, e na área social. O objetivo principal é que haja o compromisso legal e moral das autoridades públicas responsáveis pela implantação do projeto com a comunidade e com as instituições responsáveis pela proteção ao idoso, apresentando o Projeto Executivo, recursos e cronograma de obras”, esclareceu Augusto Cutrim, que já desenvolve atividades na Promotoria Especializada em defesa dos idosos desde julho de 2016. 

Sobre a criação do Centro, o deputado Wellington destacou o seu compromisso com o cumprimento dos direitos da pessoa idosa e colocou a Assembleia à disposição.

“Enquanto deputado estadual, temos um mandato à disposição dos anseios da população e um deles é, certamente, a defesa dos direitos do idoso. Já apresentamos projetos que beneficiam nossos idosos, a exemplo do Projeto de Lei 32/2017 que combate os acidentes domésticos com o Idoso. 


A implantação do Centro de Referência será uma conquista para todos e, por isso, parabenizo à Promotoria do Idoso por essa louvável iniciativa de discutir a efetividade do Projeto por parte do Executivo, os recursos e o cronograma das obras. Isso é lutar pelos direitos e garantir a defesa e proteção dos idosos do Maranhão”, afirmou Wellington.

Ascom/Prom. do Idoso.

Destrinchando a maconha paraguaia.

As famosas folhas serrilhadas da canábis são por onde a planta respira e não tem propriedades psicoativas, o que é fumado são as flores que crescem nos topos e extremidades dos galhos.
Foto: Matias Maxx/Agência Pública


Por Matias Maxx da Agência Pública.

Nosso repórter passou 15 dias em uma plantação ilegal de maconha no Paraguai; miséria e corrupção marcam o cotidiano de um “Estado paralelo”, longe das agências policiais e facções criminosas.
A pouquíssimos quilômetros da fronteira entre o Paraguai e o Brasil, pequenas comunidades trabalham duro em gigantescas plantações escondidas para garantir a maconha fumada por milhões de brasileiros.
Enquanto turistas e negociantes cruzam a Ponte da Amizade atrás de ofertas de eletrônicos, roupas, bebidas e outros produtos, mais ao norte, na fronteira entre Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, e Pedro Juan Caballero, no Paraguai, o clima não é tão amigo. Há turistas, sacoleiros e estudantes de medicina, mas também há narcotraficantes que de lá despacham cocaína boliviana e a maconha paraguaia para todo o país.
Só nos seis primeiros meses deste ano, a Polícia Federal apreendeu mais de 126 toneladas de maconha, a maior parte oriunda do Paraguai. Trata-se do “prensado paraguaio”, que chega ao país em blocos rígidos de 1 kg e, no varejo, são fracionados em pedaços menores. É a maconha que está na boca dos brasileiros: segundo estudo do IBGE, 4,1% dos alunos do 9º ano fazem uso da erva. Oito milhões de brasileiros, 7% da população adulta, já experimentaram maconha alguma vez na vida, segundo o II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo. Usuários frequentes equivalem a 3% da população adulta do país, ou 3 milhões de pessoas.
Iniciada na década de 1960 no distrito de Amambay, fronteiriço ao Brasil, a área de cultivo de cannabis no Paraguai vem se expandindo para o norte e centro do país. O governo paraguaio estima que hoje tais cultivos ocupam de 6 a 7 mil hectares. Segundo dados da Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai (Senad), 80% da produção de cannabis paraguaia é contrabandeada para o Brasil. Mas, diferentemente de outros países produtores, como o Marrocos e a Colômbia, onde o cultivo – não o comércio – é permitido, a maconha paraguaia é ilegal e de péssima qualidade.
Para conhecer a realidade dessas plantações, fui a campo e passei 15 dias visitando roças de maconha no país vizinho. Conversei com indivíduos e famílias que há gerações sujam a mão de terra para cultivar cannabis, para entender suas técnicas, perfil etnográfico e, sobretudo, como a proibição impacta suas vidas. Sem em nenhum momento esconder minha condição de jornalista, conversei com patrões, gerentes, roceiros e peões para entender como entraram no negócio, suas perspectivas de vida e os valores pagos pelo trabalho na roça. Surpreendeu-me a naturalidade com que falam do trabalho e o sentimento de impunidade, garantido por uma rede de policiais e autoridades corruptas.
Minha primeira parada foi a cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, com 140 mil habitantes. Lá se cruza a fronteira com a cidade brasileira de Ponta Porã (88 mil habitantes) literalmente atravessando uma rua. Por essa cidade passam as principais rotas de tráfico da maconha, assim como armas, cocaína boliviana e outros contrabandos. Atualmente o controle dessas rotas é disputado entre as facções criminosas brasileiras Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC). 
Em junho de 2016, o chefão Jorge Rafaat, filho de paraguaia com brasileiro de origem libanesa, foi assassinado em Pedro Juan Caballero dentro de sua Hummer blindada, alvejado por 16 tiros vindos de uma rajada de mais de 200, disparada por uma metralhadora .50 montada dentro de uma picape Hilux. A execução do crime, atribuído ao PCC, teria custado R$ 1 milhão, segundo o serviço de inteligência da Senad. 
Estrada paraguaia que leva até a região das roças. Foto: Matias Maxx/Agência Pública.
Assim como no negócio da cocaína, a maior concentração de capital gerado pelo tráfico do prensado paraguaio está nos intermediários, enquanto nas pontas (quem planta e quem vende ao consumidor) o volume de capital é pulverizado em pequenos grupos e indivíduos. 
Chamam atenção as insalubres condições de trabalho e as péssimas relações trabalhistas – que replicam o que acontece também em outros ramos do agronegócio. Afinal de contas, é disso que se trata, um agronegócio extremamente lucrativo, em grande parte devido justamente à sua ilegalidade.

Patrões, propinas e pistolas

Chapéus de vaqueiro, botas, cuias de tereré adornadas com estampas imitando pele de onças e cobras, tabaco e toda sorte de quinquilharia chinesa estão à venda no camelódromo de Pedro Juan Caballero, situado numa avenida de pista dupla; do outro lado já é Brasil. Não muito longe de lá, cassinos, motéis e puteiros fazem lembrar as imagens estereotipadas de outras notáveis cidades fronteiriças dominadas pelo crime, como a mexicana Tijuana, embora aqui não existam muros ou controle alfandegário de qualquer espécie. A “fronteira seca” do Paraguai com o Brasil é de fato uma linha imaginária.
Encontro Adriano*, um brasileiro de 25 anos, fluente em português e espanhol, além do guarani, idioma nativo, falado por 80% da população paraguaia, que também batiza a moeda local. Mas o guarani de Adriano é um segredo que ele guarda bem guardado. Prefere se fazer de bobo e fingir que não entende o idioma, deixando os paraguaios à vontade para falar. 
Atenção e cautela são fundamentais para sobrevivência nesse negócio. Dentro de sua organização, Adriano é um gerente, um homem de confiança do “dono” da roça, que fica a maior parte do ano acampado nas roças com os trabalhadores rurais, intermediando qualquer assunto entre eles e o patrão.
Ainda em Pedro Juan, sou levado a conhecer Gérson*, o patrão de Adriano. É um cara de uns 50 anos, também brasileiro, “dono” de duas roças de maconha e nascido numa família que sempre explorou o ramo na região. Ele não é de fato o dono legítimo das terras onde é cultivada a maconha, que geralmente são áreas públicas invadidas ou um pedaço arrendado em um latifúndio. Também me apresentam um paraguaio conhecido como Roque*, um “roceiro”. Responsável por uma das roças do patrão, da semeadura à colheita, ele literalmente coloca a mão na terra, escolhe as sementes, fertilizantes e técnicas que serão usadas nos cultivos, além de dar ordens aos trabalhadores que são trazidos para o serviço braçal, principalmente na época da colheita. Roque raramente vem à cidade, tendo permanecido os seis meses anteriores à minha visita acampado na selva cuidando de uma roça de 5 hectares, naquele momento em processo de colheita.
Ajudo a carregar uma picape Hilux 4×4 com alimentos e produtos de limpeza, e pegamos a estrada. Assim como a avenida central da cidade, a estrada brasileira e a paraguaia correm lado a lado; a única diferença é que, se o asfalto do lado brasileiro é ruim, o do paraguaio é péssimo ou inexistente. Durante o caminho, mudamos de lado – e de país – diversas vezes, buscando contornar postos policiais. Em vários trechos, um pequeno barranco separa as duas estradas, um obstáculo facilmente vencido com a picape, muitas vezes sem nem sequer precisar diminuir a velocidade.
Os policiais paraguaios não causam grandes problemas, dizem meus cicerones. De fato, em uma única blitz em que fomos parados no caminho, todo mundo manteve a calma. O policial se aproximou do veículo, sem abrir a boca; o patrão, ao volante, abriu o compartimento entre os bancos da frente, sacou de um bolo de dinheiro quatro notas de 100 mil guaranis (cerca de R$ 50) e entregou ao policial, que liberou o caminho e mais nada disse. Segundo eles, a polícia brasileira não é muito diferente, com exceção do Departamento de Operações de Fronteira (DOF), órgão da PF no Mato Grosso do Sul, a única que realmente assusta os traficantes. “Com eles não tem jogo: é cadeia ou caixão”, diz Gérson.
O trecho final da viagem passava por uma estrada com crateras lunares. Era época de chuvas e boa parte estava alagada ou enlameada. Vi alguns veículos atolados pelo caminho. O sonho de consumo de todo mundo é ostentar uma picape cara, uma ferramenta de trabalho em regiões rurais – e não seria diferente numa região produtora de maconha. Antes de chegar à base de operações de Gérson, atravessamos, com os vidros fumês fechados, uma pequena cidade de menos de mil habitantes. Eles não podem correr o risco de que alguém os veja.
Do punhado de brasileiros envolvidos na operação de Gérson, apenas dois iam até essa cidade em busca de suprimentos, sobretudo gasolina. Os demais não podiam correr o risco de serem vistos, frequentando apenas a “base” e as roças. A base, ou “fazenda”, ficava numa casa dentro de uma enorme propriedade rural. Uma casa simples, com um quarto cheio de beliches, um banheiro com água quente e uma TV com antena parabólica. Adriano me explica que em cinco anos no negócio é a primeira vez que tem tal conforto; normalmente ele passa meses acampado nas plantações. Outros brasileiros vivem na casa, fazem parte da operação de Gérson e se comunicam usando celulares antigos, com botões, cujo maior recurso é o “jogo da cobrinha”. Por não terem GPS, seriam supostamente mais difíceis de ter sua localização rastreada.
Adriano, Gérson e os demais brasileiros andam constantemente armados com pistolas Glock tinindo de novas. O porte e o comércio de armas são quase banais no Paraguai, dizem. “Você chega na loja e compra; se apresentar a identidade, ganha até desconto”, brinca Adriano. Vou compreendendo que estamos numa zona de exclusão, um narco-Estado paralelo, distante dos domínios das facções e agências policiais. Diferentemente da fronteira, na roça as disputas entre grupos quase inexistem, e as operações policiais costumam ser anunciadas e negociadas. Ninguém quer trazer muito barulho ou chamar atenção para a região. Segundo Gérson, políticos receberiam dinheiro para atrasar o avanço do asfaltamento das estradas que conectam às regiões produtoras, ajudando a complicar qualquer operação policial. A desculpa para o armamento constante seria defender-se de outros grupos, policiais ou ladrões, além de eventuais ataques de animais selvagens.
Alojamento dos peões na roça de Roque. Foto: Matias Maxx/Agência Pública
Nos acampamentos na selva, onde existe alguma possibilidade de ataque da onça- pintada – “jaguareté” em guarani –, peões e roceiros possuem apenas um par de espingardas .22, sempre largadas em algum canto. Eles contam que confrontos são raros, mas, na iminência de uma operação policial, algum gerente dispararia tiros de alerta ao alto para que todos pudessem fugir.
Outras vezes, a arma na cintura é sinal de status, a forma mais clara de diferenciar os patrões e traficantes brasileiros dos roceiros e trabalhadores rurais paraguaios.
Numa noite, chegou a notícia de que um carregamento de 1 tonelada que havia sido despachado pelo grupo havia “encostado” em São Paulo; Gérson colocou o carregador de 32 munições em sua pistola automática e disparou todas para o alto, numa rajada que durou menos de três segundos, num barulho de explosão que fez pular quem já estava na cama. No dia seguinte, ordenou que matassem um boi. Roque o descarnou, jogou a picanha imediatamente na grelha, separou as costelas e demais carnes nobres no congelador e salvou os ossos e restinhos de carne para enviar aos peões na roça. A postura dos chefes dentro de casa era praticamente num clima de família, com muitas risadas, brincadeiras, fofocas – e baseados grossos, que eles chamavam de “dedo de gorila”. Na roça, agiam bem diferente: muito mais secos, contidos, tratando de cultivar uma imagem autoritária e agressiva.
Muitos cachorros, galinhas e outros animais habitavam a casa e proporcionam os momentos lúdicos do dia a dia. Todo mundo acordava bem cedo, tomava café e dividia as tarefas domésticas. Depois eu saía com Adriano para visitar as duas roças do patrão, passando de moto por 40 a 60 minutos em trilhas fechadas e cheias de barro. Cheguei a ficar quatro noites acampado numa das roças, acompanhando o processo de colheita e prensagem.