quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Mecanismo antitortura na Paraíba apresenta peritos à imprensa e sociedade.

A imagem tem a seguinte frase: Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura
Imagem: Ascom MPF/PB.
Nesta quarta-feira (6) serão apresentados à imprensa e à sociedade os peritos do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura na Paraíba (MEPCT/PB). 

O evento será realizado na sede da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Paraíba (OAB-PB), em João Pessoa, a partir das 9h30. Na ocasião, os peritos apresentarão atribuições, planejamento e metas do MEPCT para o primeiro mandato, que será de três anos. O mecanismo é órgão do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura da Paraíba (CEPCT/PB). Atualmente, o comitê é coordenado por representantes da OAB e do Ministério Público Federal.

Formado pelos três peritos Olímpio Rocha, Breno Marques e Olívia Almeida, o mecanismo antitortura na Paraíba tem como principal função a prevenção e combate à tortura, a partir de visitas regulares a locais de privação de liberdade e da missão de recomendações a órgãos competentes. Possui diversas atribuições, como: requisitar instauração imediata de investigação quando houver indícios de prática de tortura ou tratamento cruel, desumano e degradante; elaborar relatórios e emitir recomendações às autoridades públicas para garantir às pessoas privadas de liberdade os direitos previstos na legislação nacional e internacional.

Sobre o convite para a solenidade de apresentação, o coordenador-geral do mecanismo antitortura, Olímpio de Moraes Rocha, declarou que se sente honrado ao "estender o convite a todos e todas que militam na luta pelo fim de qualquer forma de tortura e outros tratamentos e penas cruéis, desumanos ou degradantes e por uma sociedade que, acima de tudo, respeite a dignidade da pessoa humana e os Direitos Humanos, conforme preconiza nossa Constituição e os Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil".

Sistema nacional antitortura - O mecanismo e o comitê antitortura fazem parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT), de acordo com a Lei 12.847/2013, sancionada em decorrência do compromisso assumido pelo Brasil em 2007, quando aderiu ao Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes da Organização das Nações Unidas (ONU). O protocolo internacional foi promulgado no país pelo Decreto 6.085/2007.

Conforme a Lei 12.847/2013, o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura é composto pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen), Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).

SERVIÇO:

Evento: Apresentação dos peritos do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura na Paraíba à imprensa e à sociedade.
Data: 6/2/2019
Horário: 9h30
Local: sede da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Paraíba (OAB-PB), na capital
Endereço: R. Rodrigues de Aquino, 37 - Centro, João Pessoa (PB)

Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República na Paraíba
Fone Fixo: (83) 3044-6258
Celular1: (83) 99132-6751
Celular2: (83) 99116-0433
No Twitter: @MPF_PB.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

CIDH expressa sua profunda preocupação frente à alarmante prevalência de assassinatos de mulheres em razão de estereótipo de gênero no Brasil.

Da OEAS

Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expressa a sua preocupação pela prevalência alarmante de assassinatos de mulheres por motivo de estereótipo de gênero no Brasil, uma vez que pelo menos 126 mulheres foram mortas no país desde o início do ano. A Comissão insta o Estado a implementar estratégias abrangentes para prevenir tais eventos e cumprir sua obrigação de investigar, julgar e punir os responsáveis; bem como oferecer proteção e reparação integral a todas as vítimas.
De acordo com informações de público conhecimento, desde o inicio de 2019, foram reportados 126 assassinatos de mulheres em razão de seu gênero e 67 tentativas. Esses relatórios referem-se a casos registrados em 159 cidades do país, distribuídos em 26 diferentes estados do Brasil. Segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), da Organização das Nações Unidas, 40% de todos os assassinatos de mulheres registrados no Caribe e na América Latina ocorrem no Brasil. Segundo informações divulgadas pela imprensa, no estado do Rio de Janeiro, em média, 300 mulheres são assassinadas por ano e, no estado de São Paulo, de janeiro a novembro do ano passado, foram registrados 377 assassinatos de mulheres.
A Comissão observa com preocupação que, na maioria dos casos, as mulheres assassinadas já haviam apresentado denúncias prévias contra seus agressores, enfrentado sérios atos de violência doméstica ou mesmo sido vítimas de ataques ou tentativas de homicídio. A CIDH observa ainda que, em muitos desses casos, os agressores tiveram ou mantinham uma relação amorosa com as vítimas, que quase a metade dos assassinatos de mulheres no Brasil são cometidos por meio de armas de fogo e que, na maioria dos casos, eles acontecem dentro de suas próprias casas.
“Os assassinatos de mulheres são a forma mais extrema de violência e discriminação contra elas e representam uma violação flagrante de seus direitos humanos”, disse a comissária Antonia Urrejola, relatora para o Brasil da CIDH. “Estamos preocupados com a prevalência de mortes de mulheres e as consequências trágicas que as tentativas de assassinato têm para as vítimas e suas famílias, com profundos impactos psicológicos, emocionais e físicos que referentes a esses atos de violência significam”, acrescentou a Comissária.
A CIDH enfatiza que os assassinatos de mulheres não se tratam de um problema isolado e são sintomas de um padrão de violência de gênero contra elas em todo o país, resultado de valores machistas profundamente arraigados na sociedade brasileira. Da mesma forma, a Comissão alerta para o aumento dos riscos enfrentados por mulheres em situação de particular vulnerabilidade por conta de sua origem étnico-racial, sua orientação sexual, sua identidade de gênero – real ou percebida -, em situação de mobilidade humana, aquelas que vivem em situação de pobreza, as mulheres na política, periodistas e mulheres defensoras dos direitos humanos. Durante a visita in loco ao país, em novembro de 2018, a CIDH observou, em particular, a existência de interseções entre violência, racismo e machismo, refletidas no aumento generalizado de homicídios de mulheres negras. Ademais, a Comissão vê com preocupação a tolerância social que perdura diante dessa forma de violência, bem como a impunidade que continua caracterizando esses graves casos.
“A aprovação da lei que tipifica o feminicídio no Brasil representou um passo fundamental para tornar visível a natureza discriminatória dos assassinatos de mulheres em razão de seu gênero. No entanto, agora é essencial que se reforce as medidas de prevenção e proteção”, disse a Comissária Margarette May Macaulay, Presidenta da CIDH e Relatora sobre os Direitos das Mulheres. “É inadmissível que mulheres com medidas protetivas sejam mortas, que não contem com espaços seguros, ou que suas queixas não sejam devidamente tomadas em consideração. A violência de gênero contra as mulheres é uma questão de gravidade real e as autoridades, do mais alto nível, devem enfrentá-la com a maior seriedade e urgência”, concluiu a presidenta.
A Comissão enfatiza que a impunidade que caracteriza os assassinatos de mulheres em razão de seu gênero transmite a mensagem de que essa violência é tolerada, o que favorece a sua perpetuação. A este respeito, a Comissão recorda que nestes casos, como parte de sua obrigação de agir com a devida diligência e de acordo com as obrigações decorrentes das disposições da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de “Belém do Pará”), as autoridades do Estado devem realizar investigações sérias, imparciais e eficazes dentro de um período de tempo razoável. Além disso, a Comissão reitera que, frente ao assassinato de uma mulher cometido no âmbito de um contexto geral de violência baseada em estereótipos de género, os Estados têm a obrigação de investigar de ofício possíveis conotações discriminatórias cometidas em qualquer local, seja público ou privado.
A Comissão urge ao Estado brasileiro a fortalecer os mecanismos de prevenção e proteção com vistas a erradicar a violência e a discriminação contra as mulheres em nível nacional, de forma coordenada e contando com recursos institucionais e financeiros adequados. Isso implica a adoção de medidas abrangentes, elaboradas com uma perspectiva de gênero e de natureza interdisciplinar, incluindo componentes voltados para a eliminação de estereótipos discriminatórios de gênero. A Comissão ressalta, também, a necessidade de se reforçar a formação de agentes públicos e pessoas que prestam serviço para o Estado – profissionais das força policiais, das autoridades de investigação, assim como das autoridades judiciais – com a perspectiva de gênero, de forma a que possam prestar os devidos cuidados às mulheres vítimas das tentativas de homicídios, bem como aos parentes de mulheres assassinadas, e identificar efetivamente a natureza discriminatória destes crimes; proteger as vítimas e suas famílias contra a revitimização, além de tipificar tais casos com feminicídio, quando apropriado.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Após governo de SP vetar lei que cria órgão antitortura, ONU pede ao Brasil que cumpra obrigações legais.


Arte retangular com fundo e a expressão "Prevenção e combate à tortura" escrita em letras claras

Manifestação das Nações Unidas cita declaração feita pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão em defesa da lei que criou o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Especialistas em direitos humanos das Nações Unidas estão preocupados com o recente veto, pelo governador de São Paulo, à lei 1257/2014, que estabelece um mecanismo anti-tortura no estado. 
declaração foi feita nesta terça-feira (5) pelo Subcomitê de Prevenção e Combate à Tortura da ONU, em conjunto com Relator Especial sobre a Tortura e o Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária, também das Nações Unidas.

“Esperamos que o Brasil continue cumprindo as suas obrigações internacionais, reverta essa decisão e permaneça comprometido em favor da luta contra a tortura”, declarou Sir Malcolm Evans, presidente do Subcomitê para a Prevenção da Tortura.

No texto, o órgão da ONU destaca que o Brasil tem a obrigação legal internacional de estabelecer Mecanismos Nacionais de Prevenção para combater a tortura e os maus-tratos, em razão do país ter ratificado, em 2007, o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura (OPCAT).

“Congratulamo-nos com a declaração feita na semana passada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão ao rejeitar esse veto, convidando o Estado a cumprir com as suas obrigações no âmbito do OPCAT”, aponta a manifestação, ao citar a nota técnica que a PFDC encaminhou à Assembleia Legislativa de São Paulo com um conjunto de argumentos em apoio à criação do Comitê e do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura no estado.

Entre os motivos para impugnar a criação dos colegiados, o governador de São Paulo argumentou suposta extrapolação de limites constitucionais para a atuação dos membros do Comitê e do Mecanismo estadual. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, destacou, no entanto, que a preocupação em impedir e prevenir a prática de tortura se traduz tanto na Constituição Federal brasileira quanto em inúmeros atos do direito internacional – tais como o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotado pelo Brasil em 2007.

“O estabelecimento de mecanismos independentes de prevenção da tortura é um dos meios mais eficazes para proteger todos os que estão detidos contra maus-tratos. É uma forma de lhes garantir o direito a um processo justo, bem como de assegurar o estado de direito no país. O governo federal do Brasil está sob obrigação legal internacional de garantir que isso aconteça. Os especialistas instam a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a reverter esse veto, porquanto tem esse direito segundo as disposições da Constituição”, aponta o comunicado das Nações Unidas.

Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura – Em 2015, o Brasil introduziu uma lei federal criando um Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que se baseia no estabelecimento de uma rede de mecanismos preventivos em nível estadual. Tais mecanismos já foram estabelecidos nos estados do Rio de Janeiro, Pernambuco, Roraima e no Distrito Federal. Este veto vem inverter essa tendência positiva.

O Subcomitê visitou o Brasil em 2011 e em 2015, assim como outros mecanismos da ONU, incluindo o Relator Especial sobre Tortura que o visitou em 2000. Durante essas visitas, os especialistas reforçaram que o Brasil deve tomar medidas para prevenir a tortura e os maus-tratos, inclusive pelo estabelecimento de mecanismos nacionais de prevenção. Além disso, o Brasil aceitou as recomendações feitas no âmbito da Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos da ONU para estabelecer Mecanismos independentes, a nível federal e estadual, para a prevenção da tortura.

Saiba mais – O Subcomitê para a Prevenção da Tortura monitora a adesão dos Estados ao Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura, que até o momento foi ratificado por 88 países. O Comitê é formado por 25 membros, especialistas independentes em direitos humanos vindos de todo o mundo, que agem em caráter pessoal e não como representantes dos Estados Partes. O SPT tem um mandato para realizar visitas aos Estados Partes, no decorrer das quais pode visitar qualquer lugar onde pessoas possam estar privadas de sua liberdade, bem como para aconselhar e fazer recomendações aos Estados partes.
Assessoria de Comunicação e Informação - Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) - Ministério Público Federal - (61) 3105 6083.
http://pfdc.pgr.mpf.mp.br - twitter.com/pfdc_mpf.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Governo deve enfrentar desafio de financiar o SUS.


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Governo deve enfrentar desafio de financiar o SUS – O Sistema Único de Saúde (SUS) completou 30 anos em 2018 com a estatura de um gigante. 
Criado pela Constituição de 1988 para transformar em realidade uma de seus grandes avanços — o direito de todos os brasileiros à saúde —, o SUS hoje cobre mais de 200 milhões de pessoas, 80% delas dependentes exclusivamente do sistema para qualquer atendimento médico.
Mas essa cobertura universal, que dá ao SUS o título de uma das maiores redes de saúde pública do mundo, também representa um enorme desafio para o novo governo: financiar e gerir esse colosso. O Orçamento da União deste ano destina ao setor R$ 132,8 bilhões. Em 2018, foram autorizados R$ 130 bilhões, dos quais apenas R$ 108 bilhões acabaram efetivamente executados.
Parece muito dinheiro, mas o valor cobre apenas as despesas básicas de manutenção do sistema, sem margem para investimento.

Essa situação é percebida pelos pacientes, que reclamam de demora nos atendimentos, dificuldades nas marcações de consultas e cirurgias, falta de médicos e de medicamentos.
Para especialistas em gestão de saúde, são necessárias mais verbas e uma melhor administração dos recursos. É o que destaca Carlos Vital, presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM):
— Nos últimos oito anos, tivemos 34 mil leitos fechados no país. Do orçamento da saúde, que já não é suficiente, deixaram de ser utilizados R$ 174 bilhões [desde 2003]. É mais que o orçamento de um ano. Então falta orçamento adequado, falta infraestrutura. E falta competência administrativa para se utilizar bem o pouco de que se dispõe.
Em novembro, o CFM divulgou um estudo que mostra que o investimento público brasileiro em saúde é baixo em comparação ao de países com sistemas semelhantes de cobertura universal. De acordo com o levantamento, o gasto governamental médio por habitante em 2017 foi de R$ 1.271,65 (cerca de US$ 340), somando-se todas as esferas — União, estados e municípios. No Reino Unido, considerado modelo de sistema universal, por exemplo, o gasto per capita foi dez vezes maior: US$ 3,5 mil, valor semelhante aos aplicados por França e Canadá, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Mesmo a Argentina, com US$ 713, investiu mais do que o dobro. Governo deve enfrentar desafio de financiar o SUS
Além do baixo investimento per capita, a participação pública no total de gastos em saúde é insuficiente, dizem especialistas. No Brasil, os cofres governamentais custeiam 43% dos gastos totais no setor. O restante é arcado pelas famílias com serviços de saúde privados, como planos de saúde e compra de medicamentos. No Reino Unido, a participação estatal no gasto total chega a 80%.
— Nenhum país do mundo que se propõe a fazer um sistema único de saúde tem um financiamento por parte do governo central de menos de 65%. Consequentemente, o primeiro problema é falta de financiamento adequado, seguido de perto pela questão da falta de gestão adequada, de políticas adequadas. Só que até para contratar gestores qualificados nós precisamos ter financiamento adequado — avalia o presidente da Associação Médica Brasileira, Lincoln Lopes Ferreira.

Ao mesmo tempo em que sofre com subfinanciamento, o SUS vê crescer a demanda por seus serviços, motivada por mudanças nos perfis socioeconômico e epidemiológico dos brasileiros. Entre elas, o envelhecimento da população, o aumento dos acidentes de trânsito e da violência e o crescimento do desemprego — que fez com que quase 3 milhões de pessoas abandonassem os planos de saúde nos últimos anos, aumentando a procura pela rede pública.
Em seu plano de governo, no entanto, o presidente da República, Jair Bolsonaro, indicou que não pretende aumentar o percentual destinado à saúde, afirmando que “é possível fazer muito mais só com os atuais recursos”.  O novo ministro da Saúde, o ex-deputado federal e médico ortopedista Luiz Henrique Mandetta, sustenta que a saída é melhorar a gestão e o controle do dinheiro. Em seu discurso de posse, Mandetta afirmou que o Ministério deve caminhar para a redução de custos, com maior eficiência nos gastos. Ele prometeu, porém, que não haverá retrocessos.
— Vamos cumprir os desafios constitucionais. Saúde é direito de todos e dever do Estado.

Teto de gastos agravará subfinanciamento, temem especialistas

O dinheiro que pode ajudar a melhorar o sistema anda cada vez mais raro.  Com a entrada em vigor da Emenda Constitucional 95, que determina um teto para os gastos públicos, a situação tende a piorar, temem especialistas.
Pela lei, cada ente federativo deve investir na saúde percentuais mínimos dos recursos arrecadados. Estados e o Distrito Federal precisam destinar pelo menos 12% do total de seus orçamentos. No caso dos municípios, o índice é de 15%. Para a União, a regra determina a aplicação mínima de 15% da receita corrente líquida. Com a EC 95, que vale por 20 anos, o aumento de despesas do governo em relação a esse valor mínimo fica limitado à inflação do ano anterior — e pode até ficar abaixo da variação inflacionária, como ocorreu neste ano.
Com esse risco de queda de investimento, o SUS, que ainda é referência em sistema de saúde para muitos países, pode se transformar em pesadelo para usuários e gestores. Segundo Luiz Fachinni, da Associação de Medicina Coletiva, a saída seria suspender a emenda que determinou o teto de gastos.
Adicionar legenda
— Que o próximo governante, na sua relação com o Congresso e com a sociedade, suspenda o efeito da Emenda Constitucional 95 e passe a ter maior liberdade, evidentemente que com equilíbrio fiscal e controle das contas públicas, de fazer investimento maior no Sistema Único de Saúde sem o impedimento dessa norma.

Leia também: Negado pedido para restabelecer repasse do Ministério da Saúde a município que não tem médico.

Assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a especialista em orçamento público Grazziele David também avalia que um primeiro passo para melhorar o custeio do setor seria revogar a emenda do teto de gastos. Para ela, o teto cria uma barreira para o financiamento não só na saúde, mas nas demais políticas públicas. Para garantir a responsabilidade fiscal sem comprometer o direito ao atendimento, ela sugere medidas para aumentar a arrecadação governamental.
— Uma delas seria uma reforma tributária progressiva, que permitiria promover justiça fiscal e social, redistribuir a carga e melhorar a arrecadação. Com maior valor arrecadado, daria para direcionar ao financiamento de muitas políticas, e passaria-se a investir mais em investimentos sociais, que estão muito baixos. Por exemplo, saneamento básico, que emprega muita gente, melhora a economia, gera receita e diminui muito o custo na saúde — disse Grazziele em entrevista ao programa Cidadania, da TV Senado. Governo deve enfrentar desafio de financiar o SUS
A especialista também defendeu maior participação de recursos públicos no sistema.
— Temos sempre que lembrar que o SUS sofre de subfinanciamento. Apesar de termos um valor mínimo que deve ser aplicado, esse valor mínimo é muito baixo. As porcentagens que são aplicadas do PIB e despesas correntes são inferiores às de outros países em que há sistemas universais de saúde.

Em 30 anos, sistema melhorou indicadores do país

Apesar das dificuldades, o SUS tem bons resultados para mostrar. Um exemplo é a redução da mortalidade infantil. Nos anos 80, o IBGE registrava uma taxa semelhante à que hoje exibe a Somália. Eram 82,8 mortes por cada mil nascimentos. Em 1994, a taxa brasileira já tinha caído para 37,2 e em 2015 o número era de 13,3.

Esses índices tornam o Brasil uma referência em saúde pública para muitos países, segundo Armando Baggio, ex-diretor do Hospital Universitário de Brasília.
— Em 30 anos, a gente reduziu em 70% a mortalidade infantil. O exemplo do calendário de vacinas do Brasil é reconhecido mundialmente e isso foi possível por meio do SUS.
Hoje os brasileiros também envelhecem com mais qualidade e morrem mais tarde. Nos anos 1980, a expectativa de vida era de 69 anos.  Em 2018, de 76 anos. Segundo especialistas, esses méritos são do SUS, reconhecido internacionalmente como modelo de sistema de saúde, segundo o pesquisador Luiz Augusto Facchini, coordenador da Rede de Pesquisas em Atenção Primária à Saúde e integrante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva.
— Atualmente a Estratégia Saúde da Família do SUS cobre mais de 130 milhões de brasileiros com cerca de 40 mil equipes de Saúde da Família organizadas em todo o território nacional. Outro elemento muito importante de avanço do SUS nesses 30 anos foi a universalização da alta complexidade, que são aqueles procedimentos mais caros, mais especializados, realizados em lugares de ponta para o atendimento, por exemplo, do tratamento de câncer ou transplantes.
Para o Conselho Nacional de Saúde, o diferencial do SUS é que ele não visa ao lucro, mas sim à redução da mortalidade e à cura de doenças, explica o ex-presidente da entidade Ronald dos Santos.
— O diferencial do SUS é que ele coloca no centro da atividade a vida das pessoas, e não o negócio. O centro do sistema é fazer com que as pessoas não sofram, vivam mais e melhor. É o centro do que o Brasil colocou em sua Constituição — conclui Santos.

domingo, 20 de janeiro de 2019

Após extinguir Ministério, governo Bolsonaro mira a Justiça do Trabalho.

Foto: Portal CTB.
Segunda (21) haverá Atos nas principais cidades em defesa da Justiça do Trabalho.

Por Míriam Santini de Abreu.

Em 1930, Gandhi e seus seguidores caminharam 400 quilômetros em 25 dias contra o domínio do Império Britânico na Índia. 
Ao chegar ao litoral, Gandhi apanhou um punhado do sal, produto que os indianos eram proibidos de extrair de seu próprio país. Um gesto simbólico contra a opressão. Naquele mesmo ano, no Brasil, o então governo de Getúlio Vargas criava o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio para fazer o estado gerir a relação capital-trabalho. Passadas quase nove décadas, o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro abre 2019 com outro gesto simbólico: a retirada do letreiro que indicava o prédio do Ministério, extinto e dividido em outros três por uma Medida Provisória assinada no dia 1º de janeiro. E outra possível extinção se avizinha: a da Justiça do Trabalho.
Na segunda-feira (21), haverá Atos Unificados em Defesa da Justiça do Trabalho em todos os Estados. Em Florianópolis, a atividade será às 13 horas, na frente do TRT-SC (rua Esteves Júnior, 395). Participam a Associação dos Magistrados (Amatra), o Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal no Estado de Santa Catarina (SINTRAJUSC), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Catarinense dos Advogados Trabalhistas (ACAT), o Instituto dos Advogados de Santa Catarina (IASC), a Associação dos Servidores na Justiça do Trabalho (AJUT) e a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT). Também estão confirmadas atividades em Chapecó, Xanxerê, Imbituba e Itajaí. No dia 5 de fevereiro, haverá Ato Nacional Unificado no auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados, a partir das 14 horas.
 
Ataques nos anos 1990
 
Não são de hoje os ataques à Justiça do Trabalho. Em 1999, estavam no Congresso Nacional projetos de lei e Propostas de Emenda Constitucional (PEC), entre elas a PEC 43/97, que dispunham sobre a extinção da Justiça e do Ministério Público do Trabalho. Pela PEC 43, existiria apenas uma lei regulamentando a conciliação e o julgamento dos dissídios individuais e coletivos, que seriam remetidos à Justiça comum.
 
Passados 20 anos, a pauta voltou à tona. Entidades de todo o país estão se manifestando em relação às falas do presidente Jair Bolsonaro no SBT, em entrevista concedida no dia 3 de janeiro. Nelas, ele afirmou que é preciso “facilitar a vida de quem produz no Brasil” e que o objetivo é aprofundar mais ainda a reforma da legislação trabalhista.  À pergunta sobre se a Justiça do Trabalho deveria “acabar”, ele criticou o excesso de processos trabalhistas, afirmou que o Brasil teria mais ações “que o mundo todo junto” e disse ainda que a ideia de extinguir a Justiça do Trabalho estaria sendo estudada. Bolsonaro vai encontrar parlamentares receptivos à proposta. Ainda em 2017, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao defender a mudança da legislação trabalhista, reclamou do excesso de regras para a relação entre patrão e empregado e sugeriu que a Justiça do Trabalho “não deveria nem existir”.
 
Além dos Atos já marcados, as entidades envolvidas estão fazendo campanha virtual porque muitas mentiras e desinformação estão circulando nas redes sociais sobre a Justiça do Trabalho. O Coleprecor (Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho) está à frente da campanha “8 Fake News sobre a Justiça do Trabalho”. Uma das mentiras mais difundidas é que Justiça do Trabalho não existe em países desenvolvidos. Mas Inglaterra, Nova Zelândia, Alemanha, Austrália e Suécia são exemplos de países que têm tribunais especializados em Direito do Trabalho. Na Alemanha, há uma Justiça do Trabalho com plena autonomia e um corpo próprio de magistrados, do 1º grau ao tribunal superior, tal qual no Brasil.
 
Clichês e senso comum
 
Os discursos que atacam a Justiça do Trabalho, especialmente na mídia e por parte de políticos, se baseiam em clichês e no senso comum, sem dados concretos, e deixam de lado, por exemplo, o fato de ela existir por previsão constitucional, não podendo simplesmente “acabar”, como afirmam os grandes meios de comunicação. Mas é possível afirmar que há formas mais sutis de “acabar” com a Justiça do Trabalho, minar sua capacidade de atuação.
 
A juíza do trabalho Ângela Konrath, do Fórum Trabalhista de Florianópolis, aponta, neste sentido, os cortes orçamentários que essa justiça especializada vem sofrendo ao longo do tempo, a não renovação do quadro de servidores, com a supressão de vagas dos que se aposentam, o aprofundamento da terceirização de serviços como os de tecnologia da informação. A JT, afirma ela, está atuando com metas quantitativas que aceleram o ritmo do trabalho, mas necessariamente não alcançam o primor na qualidade das decisões.
 
Na realidade, diz Konrath, não é um ato que extingue um ramo do poder ou um ministério. Isso é arquitetado gradativamente até a chancela final, como ocorreu com o Ministério do Trabalho: “A extinção do Ministério vem num desfecho de não aparelhamento deste órgão: sem concurso desde 2013 e com déficit de 1.300 vagas para auditores, sem falar no número absurdo de déficit de servidores”.
 
Nos últimos 20 anos, diz a juíza, a JT sempre teve um papel importante nas relações entre capital e trabalho, seja numa perspectiva progressista, de afirmação dos direitos sociais trabalhistas, primando pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores, seja no sentido conservador, de legitimar política e culturalmente a manutenção do sistema, do status quode um modelo de gestão em que o lucro de alguns vem da apropriação do resultado do trabalho de muitos e em que predomina o velho jargão de que “manda quem pode e obedece quem tem juízo”.
 
Mas, avalia Konrath, a Emenda Constitucional 45, de 2004, trouxe alterações importantes que impactaram de forma positiva a afirmação de direitos civis e políticos ao trabalhador inserido numa relação básica de trabalho. Com a ampliação da competência da JT, temas antes esquecidos começaram a despontar nos processos, como as questões atinentes à vida privada e intimidade dos trabalhadores, as lides acidentárias na busca de reparação de lesões sofridas no trabalho, as não discriminações. “Isso tudo passou a fazer parte do cotidiano juslaboral, possibilitando que o trabalhador acessasse ao Judiciário Trabalhista temas pertinentes à sua condição de pessoa e não apenas restritos aos direitos sociais básicos como são jornada e férias”, afirma a juíza.
 
Além disso, o reconhecimento jurídico da substituição processual plena pelos Sindicatos viabilizou o acesso do trabalhador à JT via “ação sem rosto”, ajuizada pelas entidades sindicais em prol de toda a categoria. A jurisprudência da JT também conseguiu afirmar alguns ícones, como a estabilidade da gestante, que relaciona os direitos do nascituro com o trabalho da mulher. “Por ser uma Justiça em que o acesso era indiscutivelmente facilitado pela gratuidade alcançada aos que não pudessem arcar com os custos do processo, as causas traziam os temas suscitados pelos trabalhadores, possibilitando a abertura de discussão sobre uma vasta temática e, assim, corrigindo eventuais lesões, inclusive em sentido inibitório pela coletivização das demandas”, afirma Konrath. Se as causas não chegam à JT, acrescenta ela, não há chance de discuti-las e as relações ficam oprimidas, não são arejadas pelo novo.
 
Isso mudou com a reforma trabalhista, que afeta a Justiça do Trabalho, a fragiliza e prepara o cenário para os recentes ataques. Konrath afirma que a reforma feriu de morte a estrutura dos direitos sociais trabalhistas e implicou verdadeiro cerceio ao direito de ação ao impor ao trabalhador o chamado ônus da sucumbência. Se validada esta alteração pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o acesso à Justiça será impedido, pois quem sequer tem dinheiro para as custas (2% do valor da causa) não poderá arcar com o ônus da sucumbência (2% de custas + até 15% de honorários do advogado + honorários periciais). “Considero esta a pior alteração, junto com a tarifação do dano moral”, diz a juíza.
 
A servidora aposentada do Sintrajusc e ex-coordenadora do Sintrajusc Denise Zavarize afirma que os ataques à JT ocorrem em contexto de precarização e transformação das relações de trabalho, como a reforma trabalhista e a adoção de novas tecnologias como o Uber. “O Uber é um exemplo de como a pessoa pode ficar isolada, crer que não está na condição de trabalhadora, e sim na de patrão de si própria, mas continuar sendo explorada”, explica.
 
Ela avalia que a JT não é nem será revolucionária, porque seu papel tem a ver com colocar “panos quentes” na luta de classe. Ainda assim, no atual cenário, essa justiça especializada atua no sentido de criar condições mínimas nas relações de trabalho, dar um freio na exploração sem limites, abrindo possibilidades para as pessoas terem o necessário para buscar outras perspectivas, se organizar, avançar na construção de outro modo de viver e constituir relações.
 
Desinformação nas redes sociais
 
Entre as muitas informações distorcidas que circulam nas redes sociais, aparece a afirmação de que a Justiça do Trabalho custa muito. Segundo o relatório Justiça em Números do CNJ, a JT custa cerca de R$ 88,00 por ano por habitante, menos da metade do que custa a justiça comum, cuja extinção ninguém está propondo. “O valor é significativamente baixo, sobretudo se considerarmos os direitos que são por meio dela garantidos e o fato de que a Justiça do Trabalho arrecadou para os cofres públicos quase três milhões e setecentos mil reais em 2017”, responde a Associação Juízes para a Democracia (AJD), em dossiê feito para esclarecer a população.
 
O dossiê mostra que a redução de direitos trabalhistas e o impedimento de acesso dos trabalhadores à JT não beneficiou a economia, não diminuiu o desemprego, ampliou a informalidade, majorou o sofrimento no trabalho e o número de acidentes, provocando maior custo social, e, com isso, reduziu a arrecadação tributária e previdenciária, ampliou o déficit da Previdência e o déficit público em geral. O juiz Jorge Luiz Souto Maior, em artigo sobre a possibilidade de extinção da JT, alerta que, mesmo inexistindo, por enquanto, uma proposta concreta nesse sentido, não deve ter sido mera coincidência o aparecimento do tema logo na primeira entrevista, em rede nacional aberta, do Presidente da República.
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Míriam Santini de Abreu é jornalista em Florianópolis.

sábado, 19 de janeiro de 2019

Economia indígena não é ingresso de zoológico.


Economia indígena não é ingresso de zoológico. 30269.jpeg

Foto: Julia Luíza Pascoal Baniwa, co-gerente da Casa da Pimenta Tsitsiado, na Terra Indígena Médio Rio Negro I (AM).

16.01.2019 | Fonte de informações: 

Pravda.ru


Parcerias bem sucedidas entre índios e empresas elevam os produtos indígenas a um novo patamar que garante acesso a mercados sofisticados. Mas a economia da floresta que se traduz em cuidado com o patrimônio nacional é tratada com desprezo nas redomas governamentais
Artigo publicado originalmente em 14/01/2019 no jornal Valor Econômico com o título Comunidades indígenas têm planos de gestão.
O presidente Jair Bolsonaro fala muito dos índios, mas de índios que ele imagina viverem em reservas que são redomas e se assemelham a zoológicos. E acha que induzi-los a se associar a frentes econômicas predatórias seria um melhor caminho. Ele bem que poderia visitar aldeias, conhecer projetos econômicos que estão gerando bons resultados mesmo na ausência de Estado. Poderia, assim, acessar informações que não estão disponíveis na sua redoma de político e que, infelizmente, os seus assessores ainda não foram capazes de lhe fornecer.
Para começar, existem 721 terras indígenas no Brasil e 486 concluíram a sua demarcação. Em boa parte delas, as comunidades já construíram ou estão construindo planos de gestão ambiental, que definem formas sustentáveis de uso dos recursos desses territórios. Nelas, os povos indígenas realizam suas atividades econômicas tradicionais de subsistência - caça, pesca, coleta, agricultura, fabricação de adornos e utensílios - e desenvolvem produtos para comercialização que visam a geração de excedentes para acessar bens de consumo e serviços.
Existe uma enorme diversidade de formas de relação entre indígenas e o mercado. Historicamente, esses povos desenvolveram uma economia de subsistência e mantiveram relações de troca regulares entre si e com as primeiras frentes de colonização. No entanto, as relações com o mercado recentemente se desenvolvem de maneiras diferentes, considerando as condições de contato e as oportunidades regionais.
É fácil encontrar produtos indígenas, por exemplo, em qualquer feira popular da Amazônia. Eventualmente, também em outras regiões do Brasil. Mas o que tem ficado claro é que, com uma situação estável nos territórios e a construção de parcerias e relações de mercado justas e transparentes com as comunidades, começa a se desenvolver uma nova economia da floresta que exalta - com orgulho - a biodiversidade do país. Quando isso acontece, as economias indígenas se relacionam de forma positiva com o mercado local, nacional e internacional. São vários os exemplos.

Mel dos Índios do Xingu foi o primeiro produto indígena de origem animal com certificação orgânica e registro no Sistema de Inspeção Federal (SIF). A qualidade do produto e a força social da iniciativa conquistaram o mercado do sudeste do país em uma parceria com o Grupo Pão de Açúcar. Em 2018, o Óleo de Pequi do Povo Kisêdjê também passou a ser comercializado pelo grupo e foi escolhido para representar o Brasil na feira Terra Madre do movimento Slow Food em Turim, na Itália.
Outros produtos indígenas com alto valor agregado, como a Pimenta Baniwa e o Cogumelo Yanomami, desenvolvidos a partir do conhecimento tradicional indígena, são reconhecidos no mundo da gastronomia e comercializados para empresas nacionais e internacionais. A pimenta do povo Baniwa, com suas 78 variedades desidratadas e piladas com sal, tem sido utilizada para fabricação de chocolates (Na'kau), molhos (Soul Brasil) e cervejas (Hopfully Brewing, na Irlanda).
A lista segue. Os índios Wai Wai, Xikrin, Kuruaya e Xipaya comercializam suas safras de toneladas de castanha para a fabricante de pães Wickbold. A borracha produzida pelos Xipaya é utilizada pela empresa Mercur em seus produtos acabados. Os índios Kayapó e Panará comercializam o cumaru, uma semente amazônica, para as empresas Lush e Firmenich fabricarem perfumes e cosméticos.


Os índios Sateré Mawé, reconhecidos pela domesticação do guaraná, bebida apreciada internacionalmente, comercializam sua produção tradicional para diferentes parceiros pelo mundo. As sementes florestais dos Xavante e dos povos xinguanos são compradas por proprietários rurais que as utilizam na restauração florestal de suas fazendas.
Claro que boa parte da produção dos povos indígenas concorre com dificuldades pelo acesso a mercados, porque tem origem em regiões remotas que dependem de condições logísticas custosas para escoamento. Por outro lado, parcerias bem sucedidas entre índios e empresas eleva os produtos indígenas a um novo patamar que atinge mercados mais sofisticados.
Quase tudo isso passa ao largo do poder público. A Funai tem conhecimento de boa parte dessas iniciativas mas não mantém informação regular e atualizada a respeito. O Ministério da Agricultura é omisso em relação à agricultura indígena e só considera um viés, o do arrendamento de terras indígenas, como desenvolvimento econômico.
A assistência técnica governamental, por sua vez, é irrisória e quando ocorre não contempla os Sistemas Agrícolas Tradicionais, sua diversidade e potencialidades reconhecidas como patrimônio do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O acesso de produtos indígenas aos sistemas de crédito é marginal e seu aproveitamento em programas municipais de merenda escolar, por exemplo, é apenas pontual. A agenda positiva da produção indígena tem muito menos visibilidade que a agenda dos conflitos, marcada pela ilegalidade e pelo roubo do patrimônio público em terras da União.
A permissividade dessa economia ilegal, somada ao subsídio bilionário do Estado aos setores primários da economia e ao perdão e anistia a crimes ligados ao garimpo, roubo de madeira e grilagem de terras geram uma concorrência desleal com os produtos e serviços ligados às práticas e conhecimentos tradicionais dos povos indígenas.
A economia indígena, é importante frisar, sobrevive sem qualquer subsídio estatal. Os impostos são cobrados e pagos integralmente, apesar da legislação prever a possibilidade de isenção e promoção econômica. E mais: as barreiras de entrada para o processamento e comercialização dos produtos são as mesmas de uma grande empresa internacional. Trata-se de um descompasso em relação às realidades locais e um freio à produção artesanal de alta qualidade, tão celebrada em países como Itália, França, Espanha, Portugal, entre outros.
Por aqui, uma economia da floresta que se traduz em cuidado com o patrimônio nacional é tratada com desprezo nas redomas governamentais. O país, assim, segue seu rumo sem agregar valor ao que lhe pertence por natureza.
Jeferson Straatmann, doutor em engenharia de produção e assessor do ISA para arranjos produtivos locais, e Marcio Santilli, sócio-fundador do ISA.