quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

O retorno da fome ao sertão da Paraíba.

http://desacato.info/o-retorno-da-fome-ao-sertao-da-paraiba/
Depois de muitos anos, fome volta ao sertão da Paraíba. Ex-cartão-postal do Bolsa Família, cidade de Pombal (PB) lida com a redução dos programas sociais e com a miséria que retorna aos lares; ali, o futuro ficou no passado
Por Hevilla Wanderley/Agência Pública.
Quando a parte de asfalto acaba, é preciso seguir mais cem metros em uma rua esburacada para chegar à casa simples do pescador Francielio Monteiro, o Hélio de Socorro, de 43 anos, no bairro Janduhy Carneiro, mais conhecido como “bairro das Populares”, na cidade de Pombal, sertão da Paraíba.
Uma casa de cinco cômodos, poucos móveis e com a pintura já desgastada abriga o pai e dois dos seus quatro filhos. Do lado esquerdo da porta de entrada, uma imagem de gesso de Jesus crucificado.
Em pé, ao lado da imagem, Hélio conta que acaba de chegar do posto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) da cidade vizinha, onde recebeu a notícia de que a sua aposentadoria foi cancelada. Este era o segundo corte em dois meses. Ele já tinha perdido o benefício do Bolsa Famíliados filhos, ficando basicamente sem renda. Com a pesca, só consegue arrecadar de R$ 10 a R$ 30 por semana.
A situação de Hélio não é muito diferente de vizinhos do seu bairro, ou de outros bairros pobres de Pombal, tanto na zona urbana como na rural. Mas é uma situação nova, com cara de passado.
A cidade, que fica a 370 km da capital João Pessoa e tem aproximadamente 30 mil habitantes, já foi escolhida pela ONU para representar os municípios brasileiros na 70ª Assembleia Geral, que ocorreu em Nova York em setembro de 2015, como exemplo de desenvolvimento social e superação da pobreza. Na época, a então prefeita Pollyana Dutra (PSB) representou a cidade como um exemplo global de boas práticas. Representantes do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud)escolheram Pombal por ser o município brasileiro que chegou mais próximo de atingir os 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, entre eles reduzir a pobreza e atingir o ensino básico universal.
Um dos principais motores daqueles anos de glória foi a capacitação promovida para os beneficiários do Bolsa Família. Muitos começaram a investir no próprio negócio, mais que dobrando o número de microempreendedores, de 283 em 2013 para 736 em 2014, segundo o IGBE. De acordo com Pollyana Dutra, o foco principal do programa era capacitar as mulheres.
O município se destacou também na educação. Em 2015, os alunos dos anos iniciais da rede pública da cidade tiveram nota média de 5.7 no Ideb, o que colocou Pombal como sexta melhor cidade entre 223 municípios paraibanos.
Hoje, a realidade é outra. Ao longo de quatro meses, a reportagem da Pública conversou com moradores da cidade e ouviu histórias repetidas: auxílios sociais cancelados sem justificativa clara, aposentadoria rural cada vez mais difícil de obter, e a comida que começa a faltar na mesa.
O futuro ficou no passado
Hélio encosta na porta, olha para a rua sem asfalto e conta que chegou a acreditar num futuro melhor. “Eu vivo doente, mas vivo de pesca, que o dinheiro não dá. A casa não é minha, é de um irmão meu que me deu para morar, mas eu pago água, luz, gás. Estou comendo porque a minha mãe manda as coisas. Eu pensei que nós íamos ter um futuro melhor. Meu futuro é caçar um canto para morrer e pronto”, diz. Naquele dia ele não tinha mais do que arroz e dois pedaços de mortadela para comer e dar aos filhos.
Em setembro do ano passado, sua aposentadoria por invalidez foi suspensa. Em novembro, a perícia, realizada no próprio INSS, recusou o apoio financeiro. Lá pela mesma época, veio o corte do Bolsa Família – este foi cortado justamente por causa da aposentadoria que ele recebia, pois constava no sistema que não havia necessidade para os dois apoios.
Ao explicar sua situação à reportagem, Hélio fica nervoso. Cai, desacordado, no chão. A cena é corriqueira na casa do pescador, e depois de ser socorrido pela filha e o sobrinho ele se recusa a ir ao hospital: “Não adianta nada”.
Por causa de um acidente na infância, Hélio tem fraturas na mão e na perna direita, e foi diagnosticado com epilepsia pós-traumática. É por isso, conta, que jamais conseguiu um emprego formal. Sempre viveu da pesca.
Apenas em 2012, conseguiu se aposentar por invalidez, passando a receber um salário mínimo. Complementava a renda com o Bolsa Família em apoio à educação dos filhos: R$ 466. Separado da ex-mulher, alcoólatra, ele cria os quatro com pouca ajuda. A mais velha, de 16 anos, foi embora com o namorado para Goiás, em busca de condições melhores. O menino de 14 anos está vivendo com a família da mãe. Ele cuida dos dois mais novos, uma menina de 13 e um menino de 10. Desiludidos, todos abandonaram a escola depois do corte no Bolsa Família. Este ano, só os dois mais novos voltaram. “Eu não queria que eles parassem. Conversei com os professores, que me disseram que eles estavam muito agressivos, não faziam a tarefa”, diz o pai.
Só Deus e Nossa Senhora Aparecida podem fazer algo por mim. Eu vou recorrer na Justiça [para conseguir a aposentadoria] pelas crianças, para não vê-las passando fome. Eu só tenho pena delas, de mim não porque eu já estou cheio de doenças”, suspira. “Eu nem posso ficar só. Quando vou pescar, é com alguém porque eu tenho esse problema na minha cabeça.” Foi só no ano passado que conseguiu fazer uma tomografia, paga por um vereador da cidade. “O médico me passou quatro tipos diferentes de remédios, mas eu já até perdi as receitas. Isso foi ano passado, quando cortaram tudo. Eu nunca tive dinheiro para comprar nenhum.”
Política de governo iniciada por Michel Temer
O benefício de Hélio foi só um de um total de 552 mil que foram cancelados nos últimos dois anos em todo o Brasil, após o “pente-fino” do INSS. O processo de revisão das aposentadorias começou a ser realizado em agosto de 2016, mesmo mês do impeachment de Dilma Rousseff, quando o então presidente Michel Temer encaminhou ao Congresso a Medida Provisória (MP) 739, que acabou perdendo a validade por não ter sido votada. Em janeiro de 2017, ele publicou a MP 767, com texto praticamente idêntico à anterior.
Essa medida restringiu o acesso aos benefícios previdenciários, em especial os benefícios por incapacidade: o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez. Com os ajustes, o prazo mínimo de contribuição para ter direito ao auxílio-doença, aposentadoria por invalidez ou salário-maternidade aumentou. O segurado deveria ter pelo menos seis meses de contribuições para receber o auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, e cinco meses para ter direito ao salário-maternidade. A medida estabeleceu também um bônus para os médicos peritos do INSS que fizessem perícias extras nos casos de benefícios por incapacidade mantidos sem perícia há mais de dois anos. O benefício valia R$ 60, e os “incentivos” seguem em vigor por dois anos depois da Medida.
Cerca de 1,1 milhão de perícias foram feitas pelo órgão. No fim da operação pente-fino, foram cancelados 80% dos benefícios de auxílio-doença revisados e 30% das aposentadorias por invalidez, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Em novembro do ano passado, o MDS anunciou que a revisão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez tinha gerado uma “economia” de R$ 13,8 bilhões.
Essa não é a primeira vez que essas revisões acontecem, segundo o gerente executivo do INSS em João Pessoa, Rogério Oliveira. O diferencial dessa vez foi a criação de um programa específico através da medida provisória, que depois se transformou em lei. “Essa lei agilizou a análise dos benefícios para revisar os processos das pessoas que estariam recebendo há mais de dois anos. A diferença é que agora se tornou mais rigoroso”, salientou.
Segundo o cientista político e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) José Henrique Artigas, embora várias cidades paraibanas tenham quase atingido Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em meados desta década, a crise econômica trouxe desemprego e consequentemente a volta da fome – em especial para aqueles municípios que dependem do governo federal.
Com Pombal foi assim. De acordo com o IBGE, o número de pessoas ocupadas na cidade caiu 21% entre 2015 e 2016, de 4.054 para 3.200 pessoas. Já o número de pessoal ocupado assalariado era de 3.403 e caiu para 2.566, uma redução de 24%. O salário médio despencou de R$ 1.900 para R$ 1.700.
A recessão, somada aos cortes dos programas, faz com que o Brasil esteja voltando ao Mapa da Fome cinco anos depois de sair dele pela primeira vez, em 2014. É o que diz o Relatório Luz, elaborado por 20 entidades da sociedade civil e publicado em 2018. Em novembro a organização internacional Oxfam publicou um relatório demonstrando que, pela primeira vez nos últimos 15 anos, a redução da desigualdade de renda parou no Brasil. O relatório aponta que, em 2016, o espaço dedicado aos gastos sociais no orçamento federal retrocedeu 17 anos.
Pelo menos 85% dos municípios brasileiros não possuem praticamente arrecadação tributária direta. Eles vivem de repasse do governo federal, principalmente o Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação], o Bolsa Família, o SUS e o Fundo de Participação dos Municípios. E os fundos de repasse vêm caindo nos últimos dois, três anos. A tendência é que as arrecadações orçamentárias caiam de novo em 2019”, esclarece Artigas.
Apesar de os números divulgados pelo MDS indicarem um ligeiro aumento do programa na Paraíba, na cidade de Pombal houve cortes. Enquanto o estado passou de 514.017 famílias beneficiadas em 2017 para 524.408 em 2018, Pombal sofreu um corte no auxílio a 200 famílias no mesmo período. Em 2018, 4.512 famílias receberam em média R$ 199 mensais. O repasse total foi de R$ 10,8 milhões.
Um dia, o Bolsa Família não veio
Em uma cidade pequena como Pombal, o corte de 200 famílias causa um grande impacto. Para a auxiliar de serviços Joana Paula da Silva, de 37 anos, que também mora no bairro As Populares com o marido e dois dos três filhos e ganha apenas um salário mínimo, os R$ 420 que recebia do Bolsa Família eram essenciais. O corte ocorreu no início do ano passado.
Eu estava recebendo, até que um dia não veio. Aí, eu fui lá onde faz o cadastro [na Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social de Pombal], e me disseram que faltava a frequência deles na escola para mandar para Brasília. Eu fui à escola, peguei e entreguei. Passei uns cinco meses indo e todo mês a menina que trabalha lá me dizia que ia vir. Todo mês era isso e nada”, conta.
Hoje os filhos de Paula têm 19, 17 e 11 anos. Atualmente, apenas a mais nova estuda.
Para estar no Bolsa Família, é preciso ter renda por pessoa de até R$ 85 mensais, mesmo que a família não tenha filhos menores de idade. Se a família tiver na sua composição crianças ou adolescentes de até 17 anos, o patamar passa para R$ 170 mensais. O valor vai aumentando dependendo da quantidade de crianças ou adolescentes na escola. Mas, para Joana, o corte representou uma grande surpresa. A explicação da frequência não a convenceu, já que os dois filhos mais novos iam para a escola todos os dias, e podiam provar. Talvez seja o fato de ter carteira assinada, questiona, mas já faz quatro anos que trabalha e só no ano passado foi cortado o Bolsa Família. “São quatro pessoas que moram na casa e vivem com um salário. Faz muita diferença para gente porque com o dinheiro eu pagava água, pagava energia, comprava o que estava faltando.”
Sem dinheiro, a água da família foi cortada. “Eu estou pegando da casa da vizinha. A energia, eu faço de tudo para conseguir pagar.” Joana contraiu dívidas, como pagar o botijão de gás, que custa R$ 70. “Esse mês mesmo, eu comprei o material [escolar] dela todo fiado”, diz, apontando para a filha. “Sem Bolsa Família, né?”, suspira.
Outros moradores de Pombal têm enfrentado cortes no Bolsa Família por justificativas variadas e pouco lógicas. Um dos casos mais tristes é o de Maria de Fátima dos Santos Souto, de 53 anos. Ela é deficiente auditiva e não escuta nem fala, por isso também nunca trabalhou. O benefício foi cortado em outubro de 2017. O motivo foi porque Maria de Fátima entrou com o pedido de aposentadoria por invalidez. Mas, mesmo esse pedido não sendo aprovado, o Bolsa Família foi cortado. Desde então, ela e o marido dependem quase que exclusivamente da ajuda da família para comer.
Durante a entrevista à Pública, quem ajuda na linguagem de sinais é a cunhada, Maria do Socorro Guedes. Ela vai conversando e informando muito do que se passa naquela casa. “Meu irmão trabalha na roça com os dedos aleijados devido a um acidente de carro que teve, sofrendo muito com dores, principalmente na coluna. Ele já tentou se aposentar, mas não consegue. Então, ele trabalha para não passar fome, mas a renda dele não passa de R$ 200. A mulher ajudava ele com o dinheiro do Bolsa Família. O filho ajuda eles também, nós ajudamos, a família dela. Todo mundo tem que dar alguma coisa, senão eles passam fome”, afirma.
“Eles estão para negar no INSS”
Não muito longe da casa do pescador Hélio, ainda no bairro As Populares, mora a coveira Sandreli de Sousa Medeiros, de 41 anos. Assim como o pescador, ela também enfrenta problemas com o INSS e teve o seu benefício do Bolsa Família suspenso. Funcionária pública desde 2012, depois de ter passado no concurso da prefeitura para trabalhar no Cemitério Nossa Senhora do Carmo, Sandreli começou a ter problemas de saúde devido à profissão. “A doença que eu tenho, artrite, artrose, osteoporose, fibromialgia – foi o trabalho que causou. Coveira. Cavando. Acabou comigo”, resume.
Ela precisou pedir afastamento do cargo em março de 2016. São mais de 20 papéis entre laudos e atestados que Sandreli guarda, assinados por médicos diferentes, entre clínicos gerais, reumatologistas e ortopedistas. Atestados que informam o exato problema de saúde: ela se encontra em estado avançado de dores articulares, não podendo exercer suas funções laborais por tempo indeterminado. Laudos que descrevem que a paciente tem abaulamento discal, um processo de desgaste ou perda da elasticidade do disco intervertebral, em diferentes vertebras. Esse é o processo inicial da hérnia de disco. “Quando foi em 2016, eu me afastei em março e dei entrada no INSS, recebi alguns dias, menos de um salário mínimo. Voltei lá, foi então que começaram a me negar. Eu já dei umas três entradas. Tudo negado. Eu acredito que lá eles estão para negar”, lamenta.
Embora tenha os laudos, Sandreli não consegue se aposentar por invalidez. “Eu tomo oito comprimidos por dia. Tem dia que eu não me levanto da cama. Eu já estou tomando agora morfina”, conta. Os remédios custam mais de R$ 300. Apenas dois deles ela consegue pegar no posto de saúde. Algumas vezes, precisa economizar na feira para comprar os remédios. Quando não tem mais jeito, as dores voltam e ela acaba internada na emergência do Hospital Regional de Pombal.
Para piorar, ela perdeu o Bolsa Família porque, segundo consta no cadastro, é funcionária pública do município, mesmo que não receba o salário há quase três anos. Agora, Sandreli depende quase que exclusivamente da ajuda da família e dos vizinhos. A sua água está cortada por falta de pagamento e a energia já está com duas contas atrasadas.
Sentada em um banco de madeira na calçada de sua casa, com uma pilha de exames sobre as pernas, Sandreli explica as dificuldades para conseguir os remédios de que precisa para as dores. Já chegou a acionar o Ministério Público por causa da medicação, mas acaba parando nos problemas da burocracia, uma vez que precisa que algum médico preencha uma ficha afirmando que ela precisa dos medicamentos. “Nenhum dos médicos da cidade quis preencher minha ficha da Promotoria. Alguns porque sabem que é para eu colocar o município na Justiça, outros têm medo de serem chamados para depor”, diz.
O gás acabou em novembro do ano passado, e desde então ela come com a filha de 17 anos na casa da mãe, que é ao lado da sua. Enquanto mostra o fogão sem gás, Sandreli se lembra de quando era mais nova: naquela época ela também já passou por uma situação parecida. “Eu já sofri muito para trás também. Passei muita fome. Já cheguei a comer farinha com café para poder ir para a escola, e não foi uma nem duas vezes, não. Minha mãe fazia o café de manhã, a gente colocava um pouco de farinha dentro, mexia, comia e ia para a escola”, conta.
Depois de tudo, eu nunca pensei que a gente passaria pelo que estamos passando.”
14.197 ações previdenciárias na Paraíba
Sem Defensoria Pública na cidade, a única maneira que algumas pessoas encontram para contestar na Justiça as aposentadorias suspensas é contratando um advogado particular. Jaques Ramos é o advogado de Hélio, Sandreli e muitos outros em Pombal e região. Ele explica que os processos esbarram na burocracia judiciária e ficam por meses parados. Segundo o advogado, são vários os problemas. Não existe Justiça Federal na cidade, apenas a Estadual. Os três juízes estaduais acumulam outras funções e não são preparados para a área previdenciária. E faltam médicos peritos que possam analisar os requerentes e dar o parecer contra ou a favor do INSS.
De acordo com os números do Tribunal de Justiça da Paraíba, há 14.197 ações previdenciárias impetradas na Justiça Estadual esperando uma resposta. Entre os 18 tipos diferentes de processos, os que têm os maiores números são: aposentadoria por invalidez (2.078), auxílio?acidente (1.308), auxílio?doença acidentário (1.760) e auxílio?doença previdenciário (3.535). Na cidade de Pombal, as ações somam um total de 246 processos. Mais da metade é sobre auxílios?doença previdenciários (148).
Como o andamento demora, muitos requerentes têm uma piora na sua situação durante o processo. “Normalmente, eles já estão doentes, então ficam mais nervosos porque gera medo. Teve um dos meus clientes que acabou no hospital quando, após uma revisão, ele teve a pensão cancelada”, contou o advogado.
A primeira com diploma na família
A paisagem amarelada revela a falta de chuva, tão comum em novembro. Para encontrar a casa de dona Aparecida Ferreira é preciso sair da BR-427 e pegar uma curta estrada de terra até o sítio Tabuleiro Redondo, na zona rural de Pombal. A temperatura da tarde chega a quase 40 ºC. Ao chegar, logo se vê o orgulho da família em uma faixa estendida na frente da casa: “Parabéns psicóloga Priscila Rêgo”.
Priscila é a primeira da família a concluir a universidade. Justamente naquele dia, ela tinha saído para fazer uma prova de concurso na cidade de Coremas. Priscila conseguiu se graduar graças ao programa de financiamento estudantil Fies e precisa quitá-lo este ano.
Mas, naquele mesmo dia, dona Aparecida contava à reportagem que a situação financeira se agravou em 2017. Foi quando cortaram o seu benefício do Bolsa Família. “Me disseram que eu tinha que renovar o cadastro e esperar. Eu renovei, mas passou um ano e seis meses, só então veio. Recebi um mês, em setembro, e foi cortado de novo. Já estava tudo mais difícil, só que ficou mais”, conta. O benefício foi cortado no início de 2017, após idas e vindas, chegou a ser depositado em setembro de 2018, um único mês nestes últimos dois anos. E nunca mais.
Era com o dinheiro do Bolsa Família que dona Aparecida conseguia pagar o transporte e a alimentação para a filha fazer faculdade. Atualmente, na casa de dona Aparecida moram três pessoas: ela, o marido, Manoel, e uma das filhas. O marido é o único que tem renda. Ele é produtor rural e vende o leite de umas poucas vacas. Para complementar a alimentação, planta milho e feijão, o restante tenta comprar quando o dinheiro dá. Por causa da falta de renda fixa, em teoria eles deveriam ter o direito ao programa, mesmo com os filhos já adultos. “Uma semana compra uma coisa, na outra compra outra. Não tem ajuda de ninguém, só de Deus. A gente come arroz, feijão, às vezes, faz macarrão, misturo com ovo. Não dá para comprar frutas.”
Aos 20 anos, Patrícia Rêgo ainda sonha em fazer uma faculdade como a irmã. Ela fez o Enem, mas não conseguiu atingir a pontuação necessária e pretende continuar tentando. Esta é a primeira vez que a estudante vive uma situação tão difícil. Ela disse que sempre ouvia muito os pais falarem sobre como eram os problemas de sua época, mas que para ela parecia algo distante. “Eu escutei minha mãe dizer que trabalhou muito em roça e que minha vó sofreu muito para criar eles, que nem calçado eles tinham. Meu pai conta que veio calçar uma sandália depois de 10 anos, uma Havaiana. Até que então, uns dois anos para cá, a gente vem passando uma crise muito grande, questão financeira e política também”, diz.
Apesar de bastante jovem, Patrícia vê o futuro com bastante pessimismo. Para ela, não há muita perspectiva de melhoras no futuro. “Eu não tenho mais esperança de melhoria aqui onde a gente mora.”
O otimismo não impera na comunidade, tanto que o secretário da Associação do Sítio Tabuleiro Redondo, Francinaldo José dos Santos, uma espécie de presidente de bairro, relembrou as principais mudanças do lugar nos 20 anos que ele esteve à frente da associação. O sítio tem aproximadamente 40 casas.
Quando eu entrei, era muito difícil. Os anos de seca não tinha as facilidades que tem hoje. Houve uma grande mudança dos governos Lula para cá. É uma convivência com a seca, através de cisternas, abastecimento d’água com carro-pipa pelo Exército, teve construção de barragens subterrâneas, pequenos barreiros, Garantia-Safra. Coisa que a gente nunca teve nos governos passados. Tem uns programas que ainda estão continuando, mas defasado. Está começando a ficar difícil”, relata. “Já tem gente cozinhando à lenha. Aposentado que a renda não dá para trocar o bujão.”
A maior preocupação de Francinaldo é como as pessoas à sua volta vão conseguir se sustentar. Segundo disse, muitas famílias da comunidade tiveram benefícios cortados e aposentadorias suspensas e já não vem mais auxílio para aguentar os anos de seca. De acordo com o presidente da Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba (Aesa), Porfírio Loureiro, a Paraíba teve sete anos consecutivos de chuvas abaixo da média.
Em seu escritório, que fica em uma casa grande de primeiro andar no centro da cidade, onde funciona a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social, a secretária Mayenne-Van de Sousa Bandeira recebe a reportagem para uma entrevista. Ela reconhece que houve cortes nos programas sociais e aponta a diminuição de valores do repasse como principal causa. “A gente mora numa cidade do interior da Paraíba, no sertão, pobre, onde não se tem indústria. Todos os nossos recursos são oriundos do Fundo de Participação dos Municípios”, explica. Mesmo assim, ela garante que a atual gestão se preocupa bastante com a situação da população. “Nós concedemos ajuda. Na maior parte foi cesta básica, ajuda financeira de água e luz, de gás de cozinha, urna funerária, kit bebê, aluguel social. A gente tem uma tabela para conceder até R$ 200 de aluguel. Temos mais de 30 famílias beneficiadas”, diz. Ela é coerente ao defender a atuação do governo, comandado por Abmael de Sousa Lacerda (MDB), mais conhecido como Verissinho. É seu marido.
Hoje, Verissinho está na prefeitura graças a um recurso de uma decisão do Tribunal de Justiça (TJ) da Paraíba. Em dezembro de 2017, ele teve seu mandato cassado por improbidade administrativa no seu primeiro mandato, em 2004, e foi punido com a suspensão dos direitos políticos por quatro anos. De acordo com o processo, o prefeito teria fraudado vários processos licitatórios. Entre as irregularidades investigadas, está o fato de ter ignorado o número mínimo de participantes na concorrência de licitação, a adoção por parte do gestor de carta-convite no lugar de tomada de preços e também a denúncia de que teria superfaturado a contratação de serviços de limpeza urbana. Para não perder o cargo, o prefeito recorreu e governa sob liminar, enquanto aguarda o julgamento do mérito pelo TJ.
A crise política tem a sua parcela de culpa na decadência de Pombal, segundo o pesquisador José Henrique Artigas, da UFPB. “Pombal teve problemas políticos, sai prefeito, entra prefeito, isso acabou deteriorando as contas públicas. Junta com isso a queda do Bolsa Família e as dificuldades de acesso à previdência rural. Cai a renda para consumo imediato das famílias; caindo a renda para consumo imediato, cai ICMS e o repasse proporcional estadual para o município. Então você tem um panorama de ladeira abaixo no setor fiscal do município. Num momento de ampliação da miséria, de queda da renda, diminuição do trabalho formal. Essa é uma situação que leva ao caos social”, avalia.
Ela devolveu o Bolsa Família
Na outra ponta da equação, estão as sertanejas. No início desta década, mais de 300 mulheres da cidade de Pombal devolveram o benefício do Bolsa Família, chegando à capa de jornais do Brasil inteiro, apontadas como símbolo de honestidade e superação. Elas argumentaram que já haviam conseguido melhorar um pouco mais a sua renda.
Uma delas é Maria de Sousa Pereira Medeiros, que vai fazer 70 anos em abril. A aposentada foi uma das primeiras pessoas a ser beneficiada pelo Bolsa Família. “Nós não tínhamos salário de nada”, fala, apontando para o marido. “A gente morava no sítio Maria dos Santos. Ele trabalhava na roça e eu trabalhava em casa.”
Pouco tempo depois de terem conseguido o benefício, o dono da terra onde moravam arrendou para terceiros e os dois tiveram que ir embora. “Viemos morar na cidade porque a terra não era nossa, éramos apenas moradores. Tínhamos um trocado, o patrão também ajudou e assim conseguimos comprar este terreno, fazer a ‘sapata’ e construir a casa. A nossa vida está mais fácil. Porque de primeiro a gente não tinha renda de nada e agora já tem as duas aposentadorias para gente e para ajudar nossos filhos”, conta Maria.
Quando eu me aposentei, eu recebi um papel pedindo para eu comparecer na ‘casa branca’ [como é conhecida a Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social de Pombal]. Quando cheguei lá, a menina me disse: ‘Olha, dona Maria, nós chamamos a senhora aqui para saber se é de livre vontade que a senhora poderia entregar o Bolsa Família. A senhora já está aposentada e tem muita gente que não tem benefício de nada’. Aí eu disse: ‘Minha filha, eu entrego’.”
E entreguei porque eu sabia que tinha muita gente passando necessidade e que não tinha renda de nada, como a gente não tinha antes”, explica, fazendo valer o que dizia Ariano Suassuna: o sertão continua seco, quente e esperançoso, sempre.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Aos 96 anos, morre Paulo Nogueira-Neto, precursor da política ambiental brasileira.

Aos 96 anos, morre Paulo Nogueira-Neto, precursor da política ambiental brasileira. 30530.jpeg

Aos 96 anos, morre Paulo Nogueira-Neto, precursor da política ambiental brasileira

Ambientalista e zoólogo, criou milhões de hectares de áreas protegidas no Brasil e foi responsável pela implementação de conceitos pioneiros na proteção do meio ambiente
Morreu na noite da segunda-feira (25), aos 96 anos, o ambientalista Paulo Nogueira-Neto. Zoólogo, foi um dos principais formuladores de políticas e leis ambientais que vigoram até hoje. Além disso, criou 3,2 milhões de hectares de áreas protegidas em todo o país.
Em 1974, Nogueira-Neto foi a primeira pessoa a ocupar a coordenação da Secretaria Especial do Meio Ambiente, que deu origem ao que hoje é o Ministério do Meio Ambiente. Apesar da estrutura pequena, batalhou para mudar uma legislação ambiental atrasada, que não considerava a qualidade de vida das pessoas. Em 1981, em plena ditadura, foi um dos principais formuladores da Política Nacional do Meio Ambiente, que balizou vários artigos da Constituição brasileira de 1988.
"Além do conhecimento técnico, o professor Paulo, como nós sempre o chamávamos, possuía ousadia e espírito conciliatório", relembra o ambientalista e sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA) João Paulo Capobianco. "Essa lei inaugurou uma agenda impensável para a época. Conceitos implementados por ele, como os Estudos de Impacto Ambiental, o licenciamento e o zoneamento ambiental pareciam improváveis", afirma Capobianco.
Nogueira-Neto exemplifica os problemas da legislação em uma entrevista a Silvia Futada do Instituto Socioambiental, de 2013. No Rio de Janeiro, por exemplo, teve de enfrentar uma lei obrigava que cada prédio tivesse seu fogareiro para a queima do lixo, sem nenhum controle, o que pode ter intoxicado milhares de pessoas. "Ao mostrar os problemas eu consegui despertar na opinião pública a necessidade de fazer alguma coisa, com a finalidade de salvar vidas e contribuir para um melhor futuro da humanidade", afirmou.
Segundo Capobianco, Nogueira-Neto era um negociador hábil, que conseguia harmonizar interesses sem bater de frente mas sem tampouco abrir mão de suas propostas. Outra grande contribuição foi a criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente, do qual faz parte o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), o maior conselho participativo da República brasileira.
Capobianco relata uma história sobre isso: "Ainda durante a ditadura, um ministro muito linha dura proibiu as reuniões do Conama em prédios públicos. Ele (Nogueira-Neto) levou todos os participantes para o jardim do Palácio do Planalto. Quando recebeu reclamações, apenas falou: 'Não estamos em prédios públicos'".
Na entrevista ao ISA, Nogueira-Neto também relata sua ação pioneira no combate à poluição, conseguindo recursos públicos para a mitigação do problema em várias localidades do país. Nogueira-Neto também atuou na criação de abelhas nativas, sem ferrão, atividade chamada de meliponicultura. Até hoje, sua casa ainda abriga dezenas de caixas de abelhas nativas penduradas nas paredes. .
Para ele, meio ambiente relacionava-se diretamente à qualidade de vida das pessoas. "O futuro da humanidade depende da proteção da natureza, da proteção da biodiversidade", disse ele, na entrevista. Também teve participação intensa na formulação de conceitos como desenvolvimento sustentável, e atuação intensa em fóruns e organismos internacionais, como as Nações Unidas.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Começar campanha presidencial agora é fuga para frente.

O que de pior podem fazer os que se opõem a esse governo que devasta o pais, é se dividirem em função de campanhas eleitorais para daqui a três anos, é fugir para frente, deixando de enfrentar os difíceis desafios que tem pela frente. No momento em que o povo, a democracia, o país, são vítimas de brutais ataques, em que se necessita mais do que nunca uma férrea e ampla unidade de forças para resistir e superar essa situação, que requer concentração de forças nessa parada, qualquer movimento que enfraquece essa frente, que divida nossas forças, que desvie as atenções e as energias, não somente não é positivo, como é negativo.
Ciro Gomes e o PDT deixaram claro que já começaram a campanha presidencial de 2022. Agora Dino lança sua candidatura. Tem todo o direito de serem candidatos ou de pensar em se candidatar, eles e outros. Mas é um cenário péssimo para os que lutam contra o governo que devasta o Brasil, trata de blindar o Estado para evitar perder o governo. Péssimo para as forças democráticas, que não deveriam se dividir e desviar energias. Péssima a divisão entre quem apoia um ou outro. Se se deixasse levar por isso – e creio que não vai fazer, porque o partido e o Lula têm consciência clara das prioridades hoje e da necessidade de consolidar e ampliar a unidade de forças contra esse governo – o PT lançaria candidatos possíveis. E o Psol poderia também lançar seu candidato. E se completaria o cenário. De forma irresponsável, estaríamos fugindo da dura realidade imediata para nos refugiarmos em um cenário de 2022, que ninguém sabe como será.
Estamos ainda sem um balanço mais profundo dos resultados eleitorais, dos elementos de fraqueza que permitiram a vitória da direita – mais além das monstruosas maquinações, decisivas, para nossa derrota – e as novas condições que impõem ao pais e a todo o povo. Se o resultado da votação do Haddad, em termos numéricos, não pode ser julgado ruim, pelas condições em que se deu, a esquerda e as forças populares em geral revelaram muitas debilidades, que tem que ser analisadas e enfrentadas.
Antes de tudo, o avanço da direita em bases populares tem que ser analisado na sua real dimensão e profundidade, incluído o das igrejas evangélicas. Sabemos que Lula ganharia no primeiro turno, portanto não se trata de um avanço devastador da direita e dos evangélicos. Lula os teria derrotado, não fosse alijado de forma absolutamente arbitraria, da campanha eleitoral.
Mas não é menos verdade que em estados do centro sul e do sul do pais, os resultados obtidos pelo candidato da direita foram muito altos. Se é certo também que os setores de menor renda, os mais pobres, sempre deram maioria para Haddad, portanto não foram os decisivos para sua derrota, nesses mesmos setores a direita avançou muito. Inclusive no Nordeste, que continuou dando vitória para o candidato da esquerda, mas com um resultado significativo da direita.
Temos que analisar em detalhe e por cada estado, essa situação. Temos que nos deter especialmente em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Brasília, pelos resultados que apresentaram. Temos que enfocar como candidatos desconhecidos puderam avassalar eleições para governador e para senador, em vários estados importantes. A que se deveu isso, como se deu. A que debilidades da esquerda correspondeu isso, especialmente em Minas e no Rio de Janeiro, mas também em outros estados.
As disputas dentro da esquerda e do campo popular. Ter candidato e vice com o mesmo perfil não acrescenta apoios. Não contar com o apoio do Ciro no segundo turno foi outra fraqueza.
Embora o PT mantenha a maior bancada na Câmara e o Psol tenha tido um importante avanço, a bancada petista seguiu diminuindo, o Psol não teve bons resultados nas majoritárias e o resultado do PC do B é preocupante pela tendência a baixar a votação nas eleições parlamentares. Além de que candidatos vinculados a movimentos sociais importantes não conseguiram traduzir a importância desses movimentos em forca eleitoral e não se elegeram. As perdas no Senado foram a expressão mais clara dessas fraquezas, que tem que ser analisadas.
O pior que a esquerda poderia fazer seria fugir para a frente. Projetar ilusoriamente o cenário eleitoral de 2022. (Se formos pensar em eleições, temos antes as municipais, em que a esquerda pode se recuperar ou ser de novo derrotada como foi nas eleições de 2016.) O raciocínio político não deveria ser: Chegou minha hora de ser candidato. Mas: Que hora é esta para o Brasil? E' hora de antecipar a campanha eleitoral ou de somar forças e energias para enfrentar os desafios atuais, diante da mais bruta ofensiva da direita contra os direitos de todos, contra a democracia, contra a soberania brasileira?
A prioridade não é de candidatos, de partidos, de ambições. A prioridade política tem que ser o Brasil, o país, a nossa sociedade. O Brasil não tem que se adaptar às pretensões de cada um, mas estas têm que se adaptar às necessidades do Brasil.
O PT conseguiu ser o partido hegemônico na esquerda e no pais, quando conseguiu ter um projeto para o Brasil. Esta é uma condição indispensável para conseguirmos nosso objetivo fundamental: reconquistar hegemonia da esquerda no pais. Esse é o desafio para todos os que lutamos pela reconquista da democracia, dos direitos de todos, de um Brasil livre e soberano.
Tomara que aqueles que deram passo na direção oposta e os que eventualmente possam pensar em seguir esse caminho equivocado, reconsiderem suas posições e se somam, com todas suas forças, à luta fundamental de derrotar esse governo e restabelecer as condições de um pais menos injusto, solidário, digno. Ai sim, podemos passar a pensar nas eleições de 2022.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

PGR defende recebimento de denúncia contra ministro do TCU Aroldo Cedraz, seu filho e outras duas pessoas.

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Entendimento é de que nenhuma alegação apresentada pela defesa é pertinente.

Em documento encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defende o recebimento integral da denúncia oferecida contra o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Aroldo Cedraz; seu filho, o advogado Tiago Cedraz, e outras duas pessoas, pelo crime de tráfico de influência. Os quatro foram acusados de negociar e receber dinheiro da empresa UTC Engenharia com o propósito de influenciar o julgamento de processos referentes à usina Angra 3, que estavam em andamento no TCU. Na manifestação endereçada ao relator do caso, ministro Edson Fachin, a PGR pede para que sejam rejeitadas as questões preliminares apresentadas pelos denunciados: “Nenhuma das teses defensivas é apta a obstar o recebimento da denúncia, devendo-se dar regular sequência à ação penal”, destaca.
A procuradora-geral rebate, uma por uma, as argumentações dos envolvidos. Eles alegaram, por exemplo, que não há elementos que apontem para a prática do crime, uma vez que a sindicância realizada do TCU concluiu pela regularidade do empreendimento. De acordo com a PGR, esse argumento não deve ser levado em consideração porque as esferas penais e administrativas são independentes. “A plausibilidade da denúncia deve ser aferida a partir dos elementos de informação que a instruem, colhidos ao longo da investigação, e não se sujeita às conclusões obtidas, em esfera diversa, pela Corte de Contas Federal”, sustenta Raquel Dodge.
A manifestação ministerial também rechaça a alegação de que a denúncia descreve os fatos de forma genérica. A PGR afirma que a ação penal narra detalhadamente os atos ilícitos praticados, indicando a conduta de cada um dos acusados: Aroldo Cedraz, Bruno de Carvalho Gallano, Luciano Araújo de Oliveira e Tiago Cedraz. “A inicial acusatória descreve de forma clara, objetiva e individualizada a atuação de cada um dos denunciados”, frisa a procuradora-geral.
Outro ponto contestado pela PGR refere-se à alegada falta de justa causa para a ação penal. Em relação a esse aspecto, Raquel Dodge afirma que a denúncia está baseada em indícios e provas de que os quatro denunciados praticaram o crime de tráfico de influência e destaca, em sua manifestação, uma série de elementos que comprovam a prática delituosa. “Ha indícios e provas suficientes de que todos os investigados, em seus respectivos âmbitos de atuação, concorreram para que Tiago Cedraz obtivesse vantagens indevidas, pagas de modo regular e periódico, e também em caráter extraordinário, a pretexto de influenciar o ministro Raimundo Carreiro”, defende a PGR.
Na resposta à denúncia, a defesa de Aroldo Cedraz contesta a acusação de que, para demonstrar aos contratantes a sua influência junto ao relator ou à área técnica do TCU, Tiago Cedraz contou com o apoio do pai. A PGR reforça que os registros de pagamentos contidos em planilha fornecida pelos colaboradores comprovam que houve pagamentos nos meses que antecederam a sessão em que seria analisado o processo. O entendimento é de que a ilegalidade do pedido de vista formulado pelo ministro está no fato de que ele agiu ciente das tratativas lideradas pelo filho e com consciência de que assim agia no propósito de demonstrar influência no julgamento do processo no TCU.
As defesas de alguns dos denunciados também alegaram a atipicidade das condutas descritas na denúncia. No entanto, a procuradora-geral salienta que, para a atual fase processual, de recebimento da denúncia, está suficientemente configurado o dolo na conduta dos agentes e o vínculo subjetivo entre eles, a partir dos diversos elementos que comprovam a interlocução frequente entre os envolvidos. O contato entre eles se intensificava especialmente em datas próximas às retiradas de pauta do processo 011.765/2012-7 no TCU, e às retiradas de dinheiro na sede da UTC, bem como para viabilizar a dinâmica de movimentações financeiras existentes entre os denunciados.
Afastamento cautelar – Sobre o pedido feito na cota da denúncia, de afastamento cautelar do cargo de ministro do TCU, a defesa de Aroldo Cedraz alega que é indevido, pois não foi fundamentado em circunstâncias concretas, mas apenas na gravidade em abstrato do delito a ele imputado. A PGR rebate e destaca que a solicitação leva em consideração a necessidade da medida para resguardar a ordem pública, já que se mantido no cargo, Aroldo Cedraz poderá atuar para praticar novas condutas ilícitas e até mesmo impedir a instrução processual penal. “A necessidade do afastamento de Aroldo Cedraz do cargo de ministro do Tribunal de Contas da União é fundamental para que se possa garantir, no âmbito do Estado Democrático de Direito, o regular funcionamento das instituições sem embaraços ou condutas indevidas, à luz do que dispõe a Constituição Federal”, defende Raquel Dodge.
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Deputado Wellington reúne-se com engenheiros ambientais para tratar de fiscalização em barragens e lagos da Alumar.

Foto - Ascom Deputado Wellington do Curso.
O deputado estadual Wellington do Curso recebeu em seu gabinete nesta quarta (20), representantes da Associação dos Engenheiros Ambientais do Maranhão. 

Na reunião foram tratados assuntos de extrema relevância sobre segurança ambiental e a situação das barragens no Estado e os lagos da Alumar na capital. “O objetivo desta reunião é criar um espaço para discutirmos a real situação e problemas ambientais constatados pela falta de manutenção nas barragens do Rio das Flores em Pedreiras, do Rio Pericumã em Pinheiro, de Boa Esperança na divisa do Maranhão com o Piauí, do Bacanga em São Luís e da Usina Hidrelétrica de Estreito. Como também a situação dos açudes e os Lagos de depósito de Aurizona em Godofredo Viana, para assegurar a segurança ambiental em nosso Estado”, declarou Wellington.

Além disto, durante a reunião foi debatido sobre o Projeto de Lei Ordinário N° 77/2019. "Dispõe sobre a normatização para a verificação da segurança de barragens de qualquer natureza e de depósitos de resíduos tóxicos industriais no Estado do Maranhão."

O referido projeto de lei ordinário já se encontra em tramitação na Assembleia Legislativa.

Texto: Assessoria de Comunicação do Deputado Wellington do Curso.

Maranhão. Ministério Público Eleitoral apura possíveis irregularidades na prestação de contas de Marisa Rosas do PRB.


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O Ministério Público Eleitoral no Maranhão, por meio do Procurador Regional Eleitoral Substituto Juraci Guimarães Júnior, determinou a instauração de procedimento extrajudicial e inquérito policial para apurar eventuais irregularidades na prestação de contas da candidata a deputada estadual Marisa Regina Duarte Teixeira (Marisa Rosas). A candidata, sua contadora e representantes das empresas contratadas com a verba de campanha, doada pelo Partido Republicano Brasileiro (PRB), serão ouvidos.
De acordo com consulta realizada ao Sistema de Divulgação de Candidaturas (DivulgaCand), da Justiça Eleitoral, a candidata Marisa Rosas recebeu doação no montante de R$ 585 mil da Direção Nacional do PRB, dos quais 39,31% são do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e 60,68% são do Fundo Partidário (FC), apesar de ter obtido apenas 161 votos nas eleições de 2018. No sistema da Justiça Eleitoral consta que os recursos teriam sido utilizados para pagamentos de publicidade por materiais impressos, de combustíveis e de locação de veículos.
Ainda por meio de dados do DivulgaCand, foi possível verificar que, dos onze candidatos a deputado estadual e dois candidatos a deputado federal pelo PRB no Maranhão, Marisa Rosas foi a segunda maior beneficiária de doações da Direção Nacional do partido, apesar de nunca ter sido candidata e, desde setembro de 2016, receber auxílio financeiro do Programa Bolsa Família.
Para Juraci Guimarães Jr., “a condição econômica da candidata, aliada à sua inexperiência política, não torna crível que ela tenha sido agraciada pelo partido como a segunda maior beneficiária e tenha tido tão inexpressiva votação. A instauração de procedimento pelo Ministério Público e a determinação de abertura de inquérito policial irão apurar eventual prática de desvio de dinheiro público das eleições”.
Dessa forma, o MP Eleitoral determinou a instauração de notícia de fato eleitoral e de inquérito policial, a fim de apurar eventual prática de crimes e irregularidades na prestação de contas da candidata a deputada estadual Marisa Rosas, além da realização de oitivas para ouvir a candidata, a contadora Tatiana Gomes Melo, e os representantes legais das empresas L Ferreira Paz de Sousa, K de Sousa Pinto, HSC Pereira, Gráfica Santa Clara e LAS de Lemos.
Assessoria de Comunicação - Procuradoria da República do Maranhão.
Tel: (98) 3213-7100 - E-mail: prma-ascom@mpf.mp.br - Twitter: @MPF_MA.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Brasil, o País das injustiças socioambientais nas tragédias anunciadas.

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Brasil, o País das injustiças socioambientais nas tragédias anunciadas

Por que não aprendemos com o rompimento da barragem da SAMARCO/Vale/BHP Billiton em Mariana e não adotamos medidas preventivas para evitar o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho?
Por Anderson Kazuo Nakano/Jornal GGN
 Foto Sputnik Brasil
No Brasil, quando acontece alguma tragédia impactante que mobiliza todos os meios de comunicação e comove a opinião pública nacional e internacional, é comum ouvir a frase "é uma tragédia anunciada"! Uma vez ocorrida a tragédia, essa frase passa a ser repetida e propagada tanto nas denúncias quanto nas matérias e noticiários elaborados pelos profissionais do jornalismo, bem como nos comentários de especialistas convocados para dar as suas declarações que são inseridas em reportagens transmitidas pelos jornais, rádios, computadores, telefones celulares e televisões.
Isso ocorre em praticamente todos os verões, com suas temporadas de intensas pancadas de chuvas, como aquele verão fatídico de 2011 que arrasou bairros inteiros de diferentes cidades da região serrana do estado do Rio de Janeiro. Nessas temporadas, as tragédias anunciadas são os deslizamentos de terras, rochas e vegetações das encostas de morros que arrastam casas, móveis e pessoas de baixa renda levadas pela desigualdade e injustiça social a viver em áreas de risco que estão previamente mapeadas e são bastante conhecidas pelos técnicos e autoridades dos governos locais. 
As recorrências anuais daqueles deslizamentos não causam mais nenhuma surpresa nas pessoas e mostram a inexistência total de medidas, práticas e culturas preventivas que são solenemente ignoradas diante dos inegáveis riscos de perdas materiais e de vidas humanas que acabam soterradas em meio aos entulhos. Nota-se esse mesmo desprezo e ignorância em relação à prevenção também nas áreas urbanas inundáveis mapeadas e conhecidas, como as da cidade do Rio de Janeiro e de São Paulo que se encontram atualmente impactadas pelos transbordamentos de rios e córregos e pelos acúmulos de águas das chuvas ocorridas dias atrás.
As tragédias anunciadas ganham notoriedade também nos casos de incêndios que ocorrem recorrentemente nas favelas das grandes cidades, sempre com a gritante falta de informações e explicações a respeito das suas causas. No primeiro semestre de 2018, com o incêndio e desabamento do prédio Wilton Paes de Almeida que se localizava no centro de São Paulo, teve-se mais um exemplo de tragédia anunciada que quase se repetiu na chamada ocupação Prestes Maia, também localizada no centro paulistano. Se a tragédia anunciada não se repetiu nesse prédio ocupado precariamente por membros de movimentos de luta por moradia, ocorreu dias atrás no Centro de Treinamento do Flamengo no Rio de Janeiro.
Com os rompimentos recentes da barragem do Fundão da SAMARCO/Vale/BHP Billiton, em 2015, e da barragem do Córrego do Feijão da Vale, em 2019, ambas no estado de Minas Gerais, voltamos a ouvir aquela frase trágica que evidencia, no Brasil, a falta de prevenção frente a evidências e avisos prévios das tragédias anunciadas emitidos por vozes técnicas e políticas que alertam insistentemente para perigos iminentes. Não será nenhuma surpresa se a classificação como tragédia anunciada retornar, no futuro, para se referir a algum caso de desabamento de alguma ponte ou algum viaduto da cidade de São Paulo que já estão emitindo sinais claros de desgastes estruturais e de rompimento iminente detectados em avaliações técnicas registrados em laudos amplamente divulgados.
Por que não aprendemos com o rompimento da barragem da SAMARCO/Vale/BHP Billiton em Mariana e não adotamos medidas preventivas para evitar o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho?
Segundo reportagem de Fred Melo Paiva e Rodrigo Martins publicada na Revista Carta Capital, após o crime da SAMARCO/Vale/BHP Billiton, "No fim de 2015, imediatamente depois do crime da Samarco em Mariana, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais criou uma comissão para estudar e propor medidas de monitoramento da mineração no estado, o que resultou em três projetos de lei. Apenas um foi aprovado. Os outros dois tramitam a passos de tartaruga, justamente os que endurecem as regras de segurança das barragens, criam políticas públicas para proteger os atingidos pelos colapsos e vetam a construção dessas estruturas através do método de 'alteamento a montante' - o mais barato e perigoso" (Carta Capital, Ano XXIV, nº 1040, 6 de fevereiro de 2019, p. 20-21).
Ainda de acordo com a reportagem citada, em Brasília foi instalada uma Comissão Externa na Câmara dos Deputados cujos 16 membros propuseram três projetos de lei. "Um deles aumenta em até 100 vezes as multas para crimes ambientais. O outro equipara os rejeitos da mineração àqueles tratados de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Um terceiro torna obrigatório o Plano de Ação de Emergência". Segundo aqueles jornalistas, "Nenhum saiu do papel". As propostas apresentadas no Senado Federal para endurecer a Política Nacional de Segurança das Barragens tiveram as gavetas e as prateleiras como destino certo e líquido (Carta Capital, Ano XXIV, nº 1040, 6 de fevereiro de 2019, p. 22).
Aqueles fatos mostram com contundência que, no Brasil, recusamos gerir as causas das tragédias e preferimos gerir as consequências dessas tragédias. Essa inversão antiética prioriza os lucros econômicos em detrimento de vidas humanas, dos ecossistemas e das biodiversidades.
No caso do rompimento da barragem do Córrego do Feijão da Vale, a recusa em relação à gestão preventiva das causas dessa tragédia anunciada reflete o desprezo que a lógica corporativa-empresarial, dominada pela lógica globalizada das finanças, tem pelas vidas humanas e pelo meio ambiente locais. Esse desprezo contrasta com a prioridade dada aos esforços voltados para a redução dos custos de produção e para a obtenção de lucros e ganhos financeiros.
Na carta divulgada pelo Movimento Águas e Serras de Casa Branca ("Nossa Terra Sangra, Nosso Povo Chora, Nossa Luta Continua"), surgido em 2010, "na comunidade de Jangada, vizinha do complexo minerário Paraopebas e do Córrego do Feijão", mostra com clareza cristalina o desprezo pela gestão preventiva e participativa na eliminação e redução das causas de tragédias anunciadas. Esse desprezo aparece na desonestidade e na recusa da Vale em dialogar com a sociedade civil que vive nas áreas impactadas por suas atividades. Naquela carta lê-se que o Movimento Águas e Serras de Casa Branca exigiu, "na ocasião da votação da renovação da licença de operação da mina de Córrego do Feijão, que a companhia se relacionasse com a população diretamente atingida para informar suas atividades e pretensões no território e considerar a opinião dos moradores a respeito".
Aquela exigência deu origem ao "Fórum de Relacionamento com as Comunidades da Jangada/Casa Branca e Córrego do Feijão". Depois de "um ano e maio de reuniões bimestrais nas dependências da Vale S.A.", os membros do Movimento abandonaram "o espaço devido às regras e métodos definidos pela empresa, à omissão e à manipulação de informações". Segundo a carta, os membros daquele Movimento não podiam "fotografar, filmar e (...) ter acesso às apresentações ali realizadas pelo corpo técnico da mineradora. Além disso, as atas não refletiam tudo o que havia sido debatido". Os membros do Movimento Águas e Serras de Casa Branca chegaram a levar, sem sucesso, suas denúncias para assembleias anuais de acionistas da Vale realizadas no Rio de Janeiro.
Além de "enrolar" os membros da sociedade civil organizada preocupados com sua segurança e com o futuro dos seus territórios, a Vale também atua junto a diferentes órgãos e instâncias governamentais a fim de evitar a adoção de medidas preventivas capazes de evitar as causas de tragédias anunciadas provocadas por suas atividades, visando obter vantagens indevidas. É de conhecimento público o trânsito de pessoas entre cargos de direção na Vale e em órgãos governamentais responsáveis pela regulação das atividades da mineração. Essas pessoas atuam e influenciam a elaboração, instituição e implementação das normas que regulam as atividades da mineração no país, bem como os aparatos e procedimentos de fiscalização na aplicação dessas normas. Além da "porta giratória" entre a Vale e diferentes instâncias governamentais, há lobbies constantes em favor dos interesses privados dessa empresa.
Ainda em relação ao mesmo crime presente no rompimento da barragem do Córrego do Feijão da Vale, a preferência pela gestão das consequências dessa tragédia anunciada (em detrimento da prevenção das suas causas), além de refletir aquele desprezo pelas vidas humanas e pelo meio ambiente mencionado no parágrafo anterior, reflete também a injustiça presente na disseminação dos riscos e perigos gerados pela busca gananciosa por lucros e ganhos financeiros destinados aos executivos e acionistas da Vale. Trata-se de uma injustiça porque, após a ocorrência da tragédia anunciada, as vítimas acabam lidando individualmente com boa parte das consequências, muitas vezes por conta própria, com o auxílio inexistente e insuficiente tanto da Vale quanto do poder público.
A preferência pela gestão emergencial das consequências da tragédia anunciada reflete também a certeza de impunidade dos responsáveis da Vale e do governo por aquela tragédia, bem como a garantia de redução e minimização das perdas e prejuízos provocados pelo pagamento de multas, indenizações e pela realização de ações compensatórias relativas às consequências dessa tragédia.
As "Observações Preliminares da Missão da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale em Brumadinho", realizada entre 29 de janeiro e 5 de fevereiro de 2019, mostram a veracidade dessas afirmações. Essa Articulação reúne, desde 2009, grupos do "Brasil, Argentina, Chile, Peru, Canadá, Moçambique, com o objetivo central de contribuir no fortalecimento das comunidades em rede, promovendo estratégias de enfrentamento aos danos ambientais e às violações de direitos humanos relacionados à indústria extrativa da mineração, sobretudo decorrentes da atuação da Vale em diversos Estados do Brasil e em outras partes do mundo". O Movimento Águas e Serras de Casa Branca mencionado antes participa daquela Articulação.
Após a ocorrência da tragédia anunciada, aquelas "Observações Preliminares da Missão da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale em Brumadinho" denunciam o controle e manipulação da Vale sobre as informações, os canais de informações, os postos de atendimento, os movimentos sociais, as associações comunitárias, os meios de comunicação, equipes de atendimento de órgãos públicos, voluntários, demandas sociais, dentre outros elementos. Denunciam também a desassistência por parte da Vale em relação às condições de alojamento e de moradia das vítimas atingidas pela tragédia anunciada, bem como a falta de transparência em relação a planos emergenciais e laudos técnicos. As Observações Preliminares também levantam suspeição em relação às doações em dinheiro para as famílias. Essas doações foram feitas pela Vale mediante assinatura de um suspeito termo de doação que não foi disponibilizado publicamente.
Essas denúncias e suspeições dão motivos para preocupações e suspeitas em relação às responsabilizações criminais que devem recair com a carga devida sobre a Vale e autoridades públicas culpadas pelos crimes envolvidos na tragédia anunciada. Tais preocupações e suspeitas se estendem para possíveis injustiças socioambientais no pagamento de multas, indenizações e realização de ações compensatórias. Essas suspeitas não são nem um pouco infundadas se pensarmos na maneira como foram tratadas as consequências socioambientais do rompimento recente da barragem do Fundão da SAMARCO/Vale/BHP Billiton.
Um país de tragédias anunciadas não é somente o país que despreza e ignora a prevenção. É também o país que não aprende com as tragédias ocorridas ao longo de sua história e, por isso mesmo, é um país que está condenado a repetir eternamente tais tragédias. Isso vale também para as tragédias eleitorais.
[1] Professor do Instituto das Cidades da Universidade Federal de São Paulo (IC-Unifesp).