Da Carta Maior
“Há uma tentativa de interditar o debate sobre o marco regulatório da mídia”
A Constituição pode ser o terreno comum para o debate do marco regulatório da comunicação no Brasil", defendeu o ex-ministro da Secretaria de Comunicação do governo Lula, Franklin Martins, durante debate sobre democratização da mídia, realizado em Porto Alegre. "Podemos assumir o compromisso de não aprovar nenhuma regra que fira a Constituição e de não deixar de cumprir nenhum preceito constitucional", disse o jornalista que criticou a tentativa de interditar esse debate no Brasil.
Marco Aurélio Weissheimer
Porto Alegre - “Podemos
construir um terreno comum para o debate do marco regulatório das
comunicações no Brasil: a Constituição Federal. Podemos assumir o
compromisso de não aprovar nenhuma regra que fira a Constituição e de
não deixar de cumprir nenhum preceito constitucional. Nada aquém, nem
nada além da Constituição”. A proposta, em tom de provocação, foi feita
pelo jornalista Franklin Martins, ex-ministro da Secretaria de
Comunicação do governo Lula, durante seminário sobre Democratização da
Mídia, realizado quinta-feira (3) no auditório da Escola da Associação
de Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris). O tom de provocação se deve à
enorme resistência que esse debate vem enfrentando junto às grandes
empresas de comunicação, que procuram, insistentemente, associar a
palavra “regulação” à “censura”.
Como já fez em outras ocasiões, Franklin
Martins rechaçou essa associação, enfatizando que o seu uso tem o único
objetivo de interditar o debate sobre um novo marco regulatório para as
comunicações. “A mídia tem que ser respeitada, mas nunca deve ser
temida”, disse o jornalista, enfatizando que esse debate já está aberto
na sociedade e que não é mais possível interditá-lo. “Se ele for feito
com transparência e equilíbrio”, melhor. Se, por um lado, Franklin
Martins criticou os setores empresariais, especialmente no campo da
radiodifusão, que tentam interditar a discussão, por outro, advertiu
também aqueles que cobram mais pressa nesse processo, lembrando que
outros países como a Argentina já aprovaram sua “ley de medios”. “O
Brasil não é a Argentina. Lá eles têm uma tradição de confronto que não
faz parte da nossa cultura política. É preciso compreender isso para
poder construir uma maioria em torno da proposta de regulação”,
defendeu.
O ex-ministro foi didático e paciente,
desempacotando o conceito de regulação e espantando os fantasmas que o
cercam. Para que é que serve mesmo a regulação? O que ela tem a ver com a
vida das pessoas? Franklin Martins listou algumas das tarefas centrais
dessa agenda: democratizar a oferta de informação, garantir a expressão
da diversidade de opiniões, impedir a concentração de propriedade,
garantir a existência de uma comunicação pública e comunitária de
qualidade, promover a cultura nacional e regional com o estabelecimento
de quotas claras, estimular a produção independente. Ele defendeu que
algumas dessas medidas já estão previstas na legislação, mas não são
respeitadas. “TV e rádio, que usam concessões públicas, não podem vender
horário para igrejas, por exemplo. Isso já é proibido”. E condenou a
ofensiva contra veículos comunitários. “No mundo inteiro, rádio e TV
comunitária fazem parte do sistema público. Aqui são criminalizados”.
Essas propostas e ideias compõem o marco
regulatório da maioria dos países apontados como exemplos de democracia e
desenvolvimento, tal como ficou evidenciado no Seminário Internacional
sobre Convergência de Mídias, realizado por Franklin Martins quando
ainda estava no governo, em dezembro de 2010. Ele sugeriu que as pessoas
visitem a página do seminário na internet e leiam o que é praticado nos
Estados Unidos e nos países da Europa.
A resistência imposta a esse debate e a
tentativa de interditá-lo ocorre, na avaliação do ex-ministro, em um
momento onde estamos saindo de uma era do jornalismo e entrando em
outra. “A era do aquário está chegando ao fim”, disse Franklin,
referindo-se às salas envidraçadas que abrigam os comandos das redações.
Para ele, o caso da bolinha de papel, envolvendo o ex-candidato à
presidência da República, José Serra, na campanha de 2010 foi uma
revolução e mostrou o poder da blogosfera. “A blogosfera é hoje o grilo
falante da imprensa”, afirmou, lembrando como a cena montada para
mostrar uma suposta agressão ao candidato do PSDB acabou sendo
desmontada por um professor de jornalismo no interior do Rio Grande do
Sul. Franklin Martins reconheceu que há excessos eventualmente por parte
da blogosfera, mas lembrou que eles são, em boa medida, reflexo dos
excessos praticados pela chamada grande imprensa. Essa resistência
poderia estar ligada, assim, ao crepúsculo de um modelo de comunicação
que está chegando ao fim no Brasil.
O que separa as telecomunicações da radiodifusão está acabando
Franklin Martins repetiu em Porto Alegre uma
tese que vem defendendo há bastante tempo: a definição de um novo marco
regulatório é uma exigência, entre outras coisas, do desenvolvimento
tecnológico do setor das comunicações. “O que separa as telecomunicações
da radiodifusão está acabando e esse processo precisa ser regulado”,
afirmou, lembrando que hoje um telefone celular não é mais simplesmente
um telefone, mas também um transmissor e mesmo produtor de conteúdo. Ele
voltou a destacar também que essa regulamentação interessa diretamente
ao setor de radiodifusão. “Em 2009, o setor das teles faturou 13 vezes
mais que o da radiodifusão. Se não houver regulamentação, quem vai
ganhar é o setor das telecomunicações. A radiodifusão será atropelada
por uma jamanta”, observou, repetindo imagem que já havia feito no
seminário sobre Convergência de Mídias, realizado no final de 2010, em
Brasília.
O ex-ministro foi enérgico ao rebater as
críticas que apontam, por trás da proposta da regulação, a existência de
uma suposta tentativa de censura. “Um dia destes recebi, estupefato, um
convite da OAB para discutir ‘controle’ da imprensa. Perguntei se eles
estavam se referindo ao Estado Novo. É um absurdo total. Não há nenhum
controle da imprensa no Brasil. Lutei contra a ditadura do primeiro ao
último dia e sou visceralmente contra censura. O governo Lula comeu o
pão que o diabo amassou nas mãos da imprensa e nunca praticou censura. O
que Lula fez foi criticar a cobertura da imprensa em algumas situações e
isso foi chamado de ‘ataque’. A mídia não pode ser criticada?”,
perguntou. O que existe, na verdade, defendeu, é uma tentativa de
interditar o debate sobre o marco regulatório num momento estratégico
para o país.
Indagado sobre quais foram as razões que
impediram que o novo marco regulatório fosse aprovado no governo Lula,
Franklin Martins reconheceu as dificuldades, mas defendeu que o governo
passado deu um grande passo ao colocar esse tema na agenda política do
país. Esse debate, sustentou, está aberto e vai avançar. Na conclusão de
sua fala, repetiu o que, para ele, deve ser o tom dessa discussão: “se
for feito com transparência e equilíbrio será melhor para todos”.
Vídeo: TV Carta Maior/Reportagem: André de Oliveira e Júlia Aguiar
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