Paulo Moreira Leite: Silêncio vergonhoso
Hipocrisia contra o WikiLeakspor Paulo Moreira Leite, no blog Vamos Combinar em Época
Há menos de um mês, um número colossal de jornalistas levantou-se para defender uma propaganda de sutiã e calcinha.
Agora, ouço o silêncio barulhento sobre o bloqueio econômico ao Wikileaks. É de envergonhar.
Vamos combinar. O sutiã e a calcinha de Gisele Bundchen faziam parte
de uma campanha publicitária. Como diz o estatuto do conselho que regula
o trabalho das agências, é um debate que expressa a liberdade de
expressão comercial. Você pode até considerar que o esforço para tirar a
propaganda do ar foi um absurdo mas tem de reconhecer que há uma
diferença nessa discussão.
O Wikileaks é parte da liberdade de expressão — sem adjetivos. Com
certeza, seus documentos incomodam. São provocadores, como acontece com
todas revelações que mostram que o rei está nu.
Foi assim, há mais de três décadas, com os papéis do Pentágono, que, graças a uma senteça da Suprema Corte, o New York Times
pode divulgar em plena Guerra do Vietnã, trazendo para o público
americano as discussões internas de Washington sobre o conflito.
A liberdade de expressão pode ser tão inconveniente como toda
denúncia que incomoda os donos do poder nos EUA, na França, na Russia e
no Brasil.
Ao liberar um conjunto de 250 000 documentos da diplomacia americana o
Wikileaks prestou um favor à democracia mundial. Contribuiu para a
transparência. Permitiu que os cidadãos ficassem melhor informados sobre
a atuação do governo americano. Flagrou figurões que diziam uma coisa
em público e falavam o oposto quando se encontravam com a diplomatas dos
EUA.
Numa demonstração de que não pretendia fazer um serviço leviano nem
irresponsável, o Wikileaks entregou seu arquivo para respeitáveis
veículos da imprensa internacional, reconhecidos por sua credibilidade e
senso de responsabilidade. Nos EUA, o órgão escolhido foi o New York Times. Na França, Le Monde. Na Espanha, El País. E assim por diante.
Mesmo assim, a Casa Branca decidiu mobilizar sua máquina política
para sufocar a organização. Mantém atrás das grades o militar que é
suspeito — apenas isso, suspeito — de fornecer os documentos divulgados.
Seria equivalente a mandar prender o executivo do FBI que estava por trás das denúncias que alimentaram o escândalo Watergate.
Traduzindo em termos brasileiros e atuais, seria o mesmo que o
governo Dilma Rousseff mandar prender o PM que faz acusações contra o
ministro dos Esportes Orlando Silva — e olha que ele nem sempre se apoia
em documentação tão sólida para dizer o que diz. Imagino a reação.
Não importa. Washington foi mais fundo. Pressionou empresas de cartão
de crédito e outras instituições financeiras para cortar os canais de
financiamento do Wikileaks, num esforço óbvio para inviabilizar seu
funcionamento. Numa demonstração de que o mercado nem sempre obedece a
uma célebre mão invisível, elas preferiram atender aos apelos da Casa
Branca e interromper os pagamentos que garantiam o funcionamento do
Wikileaks.
http://www.viomundo.com.br/politica/paulo-moreira-leite-silencio-vergonhoso.html
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