quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Santa Catarina. Indio Kaingang de 2 anos de idade foi degolado enquanto mamava no colo da mãe.


O Conselho Indigenista Missionário, Regional Sul, vem a público manifestar sua indignação com o cruel assassinato de Vítor Pinto, criança Kaingang de dois anos de idade. 
O crime ocorreu na rodoviária de Imbituba, município de Santa Catarina.
Vitor estava sendo amamentado pela mãe, Sônia da Silva, quando um homem se aproximou, acariciou seu rosto e, com um estilete, o degolou. Enquanto a mãe e o pai – Arcelino Pinto – desesperados tentavam socorrer a criança, o assassino seguiu caminhando pela rodoviária até desaparecer.
Vítor faleceu em um local que a família Kaingang imaginava ser seguro. As rodoviárias são espaços frequentemente escolhidos pelos Kaingang para descansar, quando estes se deslocam das aldeias para buscar locais de comercialização de seus produtos. A família de Vítor é originária da Aldeia Kondá, localizada no município de Chapecó, Oeste de Santa Catarina. Vítor estava na rodoviária com os pais e outros dois irmãos, um de seis anos e outro de 12.
Trata-se de um crime brutal, um ato covarde, praticado contra uma criança indefesa, que denota a desumanidade e o ódio contra outro ser humano. Um tipo de crime que se sustenta no desejo de banir e exterminar os povos indígenas.
A Polícia Militar da região deu por desvendado o fato em poucos minutos. Prendeu, num bairro pobre, um presidiário, que usufruía do benefício do indulto de Natal e Ano Novo. 
Aparentemente tudo estava solucionado. Mas na delegacia da Polícia Civil de Imbituba o delegado ouviu o pai e a mãe de Vítor, e ainda outra testemunha, um taxista que estava no local na hora do crime. O homem indicado pela Polícia Militar como autor do assassinato não foi reconhecido pelas três testemunhas.
Informações colhidas na delegacia por um advogado que acompanhou a família Kaingang dão conta de que esse cruel assassinato pode estar relacionado a ações de grupos neonazistas ou de outras correntes segregacionistas, que difundem o ódio e protagonizam a violência contra índios, negros, pobres, homossexuais e mulheres.
O Conselho Indigenista Missionário manifesta preocupação com o clima de intolerância que se propaga, na região sul do país, contra os povos indígenas. Um racismo – às vezes velado, às vezes explícito – é difundido através de meios de comunicação de massa e em redes sociais. 
Ocorrem, com certa frequência, manifestações públicas de parlamentares ligados ao latifúndio e ao agronegócio contrários aos direitos dos povos indígenas e que incitam a população contra estes povos.  Em todo o país registram-se casos de violência e de intolerância contra indígenas e quilombolas, manifestadas concretamente nas perseguições, nas práticas de discriminação, na expulsão e no assassinato de indígenas. Nestes últimos dias pelo menos cinco indígenas foram assassinados no Maranhão, Tocantins, Paraná e Santa Catarina.
O Conselho Indigenista Missionário espera que esse crime hediondo seja efetivamente investigado e que, não se cometam erros ao tentar dar uma resposta imediata à sociedade, imputando a um inocente crime que não praticou.
Chapecó, SC, 31 de dezembro de 2015.

Cultura. Formação de Gestores Culturais: inscrições até 15 de janeiro.

18.12.2015 - 14:56 - Atualizada em 30.12.2015 - 14:20
 
Estão abertas até 15 de janeiro as inscrições do curso para formação de gestores culturais dos estados do Nordeste. 
O objetivo do curso é contribuir na capacitação do setor, com subsídios teóricos e práticos que permitam compreender aspectos presentes no atual campo cultural. 
No total, estão sendo oferecidas 90 vagas.
 
A iniciativa é da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), Secretaria de Cultura de Pernambuco (Secult-PE) e Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da Universidade Federal da Bahia (IHAC-UFBA). A ação tem como parceiros o Ministério da Cultura (MinC) e a Universidade de Pernambuco (UPE). 
 
As inscrições poderão ser realizadas presencialmente, pelos Correios ou por pela internet (via e-mail), de 16 de dezembro de 2015 a 15 de janeiro de 2016, indicando a modalidade escolhida (extensão ou aperfeiçoamento).
 
As inscrições presenciais podem ser feitas de 2ª a 6ª feira, das 9h às 13h, no Protocolo Geral da sede da Secult-PE l Fundarpe (Rua da Aurora, 463/469, Boa Vista - Recife/PE) 
 
As inscrições pela internet serão encaminhadas para o email cursogestoresculturaispe@gmail, devendo constar anexo com digitalização de todos os documentos indicados na convocatória.
 
Podem concorrer gestores da administração pública, da sociedade civil (especialmente de pontos de cultura), de municípios nordestinos e conselheiros municipais de cultura. É importante que os interessados já tenham formalizado sua adesão ao Sistema Nacional de Cultura ou que se disponham a assinar o termo de compromisso de adesão ao SNC, assim como docentes de instituições públicas federais e estaduais de ensino superior do Nordeste. Para participar, os candidatos devem buscar sua indicação por meio de instituições municipais ligadas à cultura.
 
O resultado final será divulgado em 5 de fevereiro, mês em que também começa o curso, que se estende até novembro. Os participantes terão mais três meses para entregar o Trabalho de Conclusão do Curso.

Rede Globo "esquece" o Massacre de Curitiba em sua Retrospectiva de 2015.

O Massacre do Centro Cívico de Curitiba de 29 de abril de 2015, gerado pelo governo Beto Richa (PSDB) contra professores, estudantes, servidores e cidadãos, foi simplesmente “esquecido” pela Retrospectiva 2015 da TV Globo exibido nesta quarta-feira (30).
Será que é por que o Paraná não existe para essa Rede de TV?
Ou será que é por que a Rede Globo “blinda” governos tucanos, em especial o governador Beto Richa (PSDB)?
A RPC-Globo, que iniciou o ano fazendo oposição sistemática contra Richa, incitando os professores e a população paranaense contra o incompetente governador, semanas depois do massacre e após o aumento nos gastos publicitários do governo do Paraná na velha mídia, simplesmente voltou a poupar o considerado pior governador paranaense de todos os tempos.
A saída para isso se chama: democratização da mídia e liberdade de expressão real, com o fim dos monopólios e oligopólios inconstitucionais dos meios de comunicação.
Maiores informações sobre o Massacre aqui ou nos seguintes posts:

Brasilia. Mais um ato de vandalismo contra local de prática de Religiões de Matriz Africana.

Luiz Calcagno. Matéria publicada em 29 de dezembro de 2015.
Ògan Luiz Alves/FOAFRO-DF

Representantes de religiões de matrizes africanas do Distrito Federal denunciaram mais um ataque de intolerância contra símbolos sagrados. 

Um grupo de três pessoas tentou arrancar o cajado da estátua de Oxalá na Praça dos Orixás, na Prainha do Lago Paranoá. 

O ato de vandalismo aconteceu dias antes de uma das mais importantes comemorações dos praticantes. Um morador de rua impediu que a peça fosse completamente destruída.

Segundo o coordenador do Fórum Permanente das Religiões de Matrizes Africanas de Brasília e Entorno (Foafro), o ógan Luiz Alves, os religiosos souberam do ataque nesta segunda (28/12). “Ontem fomos à Prainha para acompanhar a montagem das estruturas para a virada. Quando chegamos, eu, o Pai Rafael e o Ogan Wilson fomos parados por moradores de rua que nos contaram a história”, contou.

O morador de rua relatou à Luiz Alves que, na semana passada, um carro branco com três pessoas parou no local. Dois homens desceram do veículo, cerraram a mão da estátua da entidade e tentaram arrancar o cajado, também chamado de Opaxorô. A testemunha correu em direção ao grupo pedindo que não fizessem aquilo. “Segundo o morador nos falou, eles correram para dentro do carro e arrancaram. Quase o atropelaram. Foi quando ele conseguiu ver a mulher”, relatou Luiz Alves. 

O morador de rua amarrou a estátua para que o cajado e a mão da entidade não caíssem no chão. Após tomar conhecimento do ataque, Luiz e as outras autoridades presentes resolveram inspecionar todas as estátuas e também acharam um tijolo largado próximo à representação de Iemanjá, e uma marca nas vestes da entidade. “Essas pessoas (os moradores de rua) nos ajudam. Eles vivem no local e acabam protegendo as estátuas. Estamos em débito com eles. A vigilância é pouca. Eles evitaram que algo pior acontecesse”, disse.

Vítimas do ódio - A proprietária do terreiro Axé Oyá Bagan, incendiado em 27 de novembro, Adna Santos de Araújo, 52 anos, mais conhecida como Mãe Baiana também comentou o ataque. “Se uma pessoa faz um negócio desse nessa época do ano e na calada da noite, estamos certos que se tratou de mais um caso de intolerância religiosa. Nós estamos inseguros, nossos terreiros estão inseguros. A falta de respeito e a baderna são grandes. Esperamos que o governador Rodrigo Rollemberg cumpra com o compromisso de criar uma delegacia especializada em crimes contra religiões de matrizes africanas”, disse.

Mãe baiana espera o laudo da Polícia Civil que dirá se o incêndio no terreiro no Paranoá foi criminoso. “Somos o único terreiro no Brasil que não poderá fazer nada para Iemanjá esse fim de ano. Contamos com ajuda para a reconstrução. Ainda não temos o laudo da perícia”, lamentou.

Bombas (Fogos de Artificio) de fim de ano e o Plano Norte Americano para uma Guerra Nuclear.

Para a segurança das pessoas e dos animais, são proibidos em diversos casos os fogos de artifício durante o fim de ano, sobretudo os petardos mais fortes. 
Os meios de comunicação têm divulgado bastante este tipo de notícia. Os mesmos que escondem outras notícias que, se fossem divulgadas, fariam explodir a bolha da realidade virtual em que estamos aprisionados.
Um exemplo: os National Archives and Records Administration (Nara) - os arquivos do governo estadunidense - publicaram em 22 de dezembro um dossiê de 800 páginas, até o presente bastante secreto, com uma lista de milhares de alvos na URSS, Europa Oriental e China, que os EUA se preparavam para destruir com armas nucleares durante a guerra fria.
Em 1959, o ano a que se refere a « lista de alvos », redigida em 1956, os EUA possuíam mais de 12 mil ogivas nucleares com uma potência de 20 mil megatoneladas, o equivalente a um milhão e meio de bombas de Hiroshima, quando a URSS possuía cerca de mil ogivas e a China ainda não tinha armas nucleares. Sendo superior inclusive em vetores (bombardeiros e mísseis), o Pentágono considerava realizável um ataque nuclear. 

O plano previa a « destruição sistemática » de 1.100 campos de aviação e 1.200 cidades. Moscou teria sido destruída por 180 bombas termonucleares; Leningrado, por 145; Pequim, por 23. Numerosas « zonas habitadas » teriam sido destruídas por « explosões nucleares ao nível do solo com aumento de radiação ». Entre elas, Berlim Oriental, cujo bombardeio nuclear teria comportado « desastrosas implicações para Berlim Ocidental ».
O plano não foi executado porque a URSS, que tinha efetuado sua primeira prova nuclear em 1949 quando os EUA já tinham acumulado desde 1945 cerca de 230 bombas, adquiriu rapidamente a capacidade de atingir os EUA.
Por que os arquivos estadunidenses decidiram publicar hoje « a mais ampla e detalhada lista de alvos nucleares como nunca antes arquivos haviam sido abertos » ? A escolha não foi casual, considerando que o arquivista-chefe dos Nara é nomeado pelo presidente dos Estados Unidos. A publicação da « lista de alvos » é uma clara advertência à Rússia e à China, sobre a potência nuclear dos EUA. Os quais lançaram um plano, ao custo de um trilhão de dólares, para potencializar as forças nucleares com 12 submarinos de ataque suplementares, cada um armado com 200 ogivas nucleares, e 100 novos bombardeiros estratégicos, cada um armado com mais de 20 ogivas nucleares. 
E enquanto eles estão ao ponto de estocar na Itália e em outros países da Otan as novas bombas B61-12 para o first strike nuclear, os EUA desenvolvem o «escudo anti-mísseis » que deveria « defender » a Europa. Em 12 de dezembro foi ativada, na base de Deveselu na Romênia, a primeira bateria de mísseis terrestres estadunidenses da « defesa » da Otan, que será seguida por uma outra, semelhante, na Polônia, composta de 24 mísseis Aegis, já instalados a bordo de quatro navios de guerra estadunidenses no Mediterrâneo e no Mar Negro.
Moscou advertiu em 25 de dezembro que essas baterias, estando em condições de lançar também mísseis nucleares Tomahawk de médio porte, constituem uma evidente violação do Tratado INF, que proíbe o deslocamento para a Europa de mísseis nucleares de médio porte com bases em terra.
A Rússia anuncia contramedidas, entre as quais novos mísseis intercontinentais móveis sobre veículos e trens em movimento constante para evitar um fisrt strike nuclear. E, para atingir os alvos do chamado Estado Islâmico na Síria, ela utiliza bombardeiros estratégicos que servem igualmente para ataques nucleares.
Não se sabe qual é hoje a « lista de alvos » para ataques nucleares dos EUA. Entretanto, é certo que na « lista de alvos » se encontram também as bases dos EUA e Otan na Itália. Os meios de comunicação silenciam, enquanto fazem alarde sobre os fogos de artifício.
Artigo de Manlio Dinucci - Geógrafo e geopolítico. Últimas publicações :Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ;Geocommunity Ed. Zanichelli 2013 ; Escalation. Anatomia della guerra infinita, Ed. DeriveApprodi 2005.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Rio de Janeiro. Policiais Militares do Rio torturam quatro jovens e os obrigam inclusive a praticarem sexo oral na noite de natal.

Jovens foram roubados, despidos, queimados com facas quentes e ameaçados de morte por PMs no dia de Natal. Uma das vítimas teve os testículos queimados; outra foi obrigada a praticar sexo oral no amigo. Oito policiais foram presos. Parentes dos jovens temem represálias.
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/12/pms-do-rio-torturam-jovens-e-obrigam-sexo-oral-no-dia-de-natal.html

Oito policiais militares foram presos sob a acusação de tortura e roubo contra quatro rapazes parados em uma blitz no Rio Comprido, zona norte do Rio de Janeiro, quando passavam sem capacete em duas motocicletas. As vítimas contaram que foram despidas, queimadas com faca quente, espancadas e ameaçadas de morte. Uma delas foi obrigada a praticar sexo oral em um amigo. Um dos PMs filmou a cena com o telefone celular, em meio a gargalhadas e xingamentos, contaram os rapazes.
Indignados, os amigos, depois de soltos pelos PMs, deram queixa na 6ª Delegacia de Polícia (DP), na Cidade Nova (região central), que abriu inquérito. Nos depoimentos, eles disseram que voltavam de uma festa de Natal na favela Santo Amaro (Catete, zona sul), na madrugada de sexta-feira (25), quando, na Rua Prefeito João Felipe, foram parados pela patrulha, integrada por policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) dos morros da Coroa, Fallet e Fogueteiro.
Aos policiais da delegacia, dois irmãos, de 23 e 20 anos, mostraram cortes e queimaduras nas pernas e braços, que seriam decorrentes das torturas a que disseram ter sido submetidos com um facão esquentado na labareda de um isqueiro. Os irmãos contaram também terem sido agredidos com murros nos rostos.
Um amigo de 17 anos relatou no depoimento que teve o cabelo chamuscado pelo isqueiro e os testículos queimados pela faca. Ele disse ainda ter sido obrigado a praticar sexo oral com outro colega. A quarta vítima tem 13 anos. O caso foi revelado na edição deste sábado (26) do jornal O Dia.
Na delegacia, as vítimas contaram ainda que tiveram todo o dinheiro que portavam levados pela guarnição da Polícia Militar (PM). O rapaz de 20 anos afirmou ter sido roubado em R$ 470, além do cordão e até a sandália e o boné. Um colega relatou que os PMs levaram os R$ 400 que ele tinha no bolso e também o boné.
O rapazes contaram que um PM chegou a disparar com a pistola quando uma motocicleta passou em velocidade pelo trecho da rua onde a blitz estava montada. Uma mulher foi atingida, sem gravidade. Ela também prestou depoimento após receber alta do hospital.
Todas as vítimas foram encaminhadas ao Instituto Médico Legal (IML) para a realização de exames de corpo de delito. A Polícia Civil apreendeu as armas dos oito policiais, que serão periciadas pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli, da Polícia Civil.
Os investigadores buscam na região do Rio Comprido imagens de câmeras de seguranças das edificações vizinhas ao ponto onde teriam ocorrido as torturas. De acordo com a PM, o comando da UPP onde trabalham os policiais acusados determinou a eles que se apresentassem à delegacia. Após os depoimentos, foram presos administrativamente. Os nomes dos policiais não foram divulgados.
Parentes das vítimas que estiveram na delegacia disseram temer pela vida dos rapazes, já que os PMs, antes de soltá-los, ameaçaram matá-los caso os denunciassem ou à Polícia Civil ou à Corregedoria da PM.
Agência Estado.

“É um crime o currículo Lattes”, diz Marilena Chauí.

Nota: Este texto foi publicado por , em 22 de agosto de 2014. Mas continua atual dai a necessidade de publicá-lo.

Esquema de transição conduzido pela oligarquia resultou na escolha de um“tirano”, diz Ciro Correia ao abrir os trabalhos
A universidade brasileira submeteu-se à ideologia neoliberal da sociedade de mercado, ou “sociedade administrada” (Escola de Frankfurt), que transforma direitos sociais, inclusive educação, em serviços; concebe a universidade como prestadora de serviços; e confere à autonomia universitária o sentido de gerenciamento empresarial da instituição.
Foto - Marilena Chauí.
Em repetidas manifestações, o reitor da USP revela seu “lugar de fala”, sua afinação com esse ideário, ao recorrer ao vocabulário neoliberal utilizado para pensar o trabalho universitário, que inclui expressões como “qualidade universitária” (definida como competência e excelência e medida pela “produtividade”) e “avaliação universitária”. Foi o que sustentou a professora Marilena Chauí ao proferir sua Aula Magna sobre o tema “Contra a Universidade Operacional”, em 8/8, que lotou com centenas de pessoas o auditório da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP).
Nesse contexto, a USP, como suas congêneres, transformou-se numa “fábrica de produzir diplomas, teses”, tendo como parâmetros os critérios da produtividade: quantidade, tempo, custo. “Esse horror do currículo Lattes. É um crime o currículo Lattes! Porque ele não quer dizer nada. Eu me recuso a avaliar alguém pelo Lattes!”, disse Marilena. As frases fortes mereceram da plateia aplausos entusiasmados.
“Vejo as pessoas desesperadas porque perderam 7 ou ganharam 7 da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior]. Não significa nada. ‘Quero ser 7 porque Porto Alegre é 7’. A gente incorporou a competição pelas organizações, pela eficácia”, destacou Marilena. Mais tarde, acrescentou: “Fuvest e Lattes são a prova da estupidez brasileira”.
“Tirano”
Antes da Aula Magna, o professor Ciro Correia, presidente da Adusp, fez um rápido discurso sobre a gravidade da crise em curso na USP. Ele chamou a atenção do auditório para “o ataque explícito da Reitoria e do governo estadual à concepção que sempre defendemos: de implantação e desenvolvimento de uma universidade democrática, pública, gratuita, laica e de qualidade socialmente referenciada”.
Ciro disse que a administração da universidade “se sente à vontade para governar à revelia de qualquer preocupação com legitimar suas diretivas, ou sequer chancelá-las nas instâncias internas de deliberação, por mais inadequadas que sejam”, e criticou com dureza a oligarquia que controla a USP: “O processo que chegou a ser referido como ‘a rebelião dos diretores’, que conduziu ao esquema de transição nos marcos da reunião do Conselho Universitário de 1º de outubro de 2013, supostamente para nos salvar da perspectiva de continuidade da descontrolada gestão anterior, acabou por definir um amplo espectro de apoios para uma candidatura que, como todos podem constatar, nos outorgou antes um tirano do que um reitor”.
Por fim, o presidente da Adusp conclamou os presentes a se engajarem com determinação no movimento de greve, seja cobrando posições dos colegiados “quanto às ações ilegítimas e violentas da Reitoria, como no caso do inaceitável confisco dos salários decorrente dos cortes do ponto dos funcionários”, seja participando “da nossa caminhada do próximo dia 14 de agosto, no início da tarde, seguida de ato conjunto das universidades e do Centro Paula Souza diante do Palácio dos Bandeirantes”.
Fragmentação
Na sua exposição de uma hora, a professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) esmiuçou o processo por meio do qual a universidade pública brasileira vem sendo transformada e descaracterizada, desde os anos 1970, deixando de ser uma instituição social para tornar-se uma organização, isto é, “uma entidade isolada cujo sucesso e cuja eficácia se medem em termos da gestão de recursos e estratégias de desempenho e cuja articulação com as demais se dá por meio da competição”.
A “universidade operacional” corresponde à etapa atual desse processo, segundo Marilena. De acordo com ela, “a forma atual de capitalismo se caracteriza pela fragmentação de todas as esferas da vida social, partindo da fragmentação da produção, da dispersão espacial e temporal do trabalho, da destruição dos referenciais que balizavam a identidade de classe e as formas da luta de classes”. A passagem da universidade da condição de instituição social (pautada pela sociedade e por uma aspiração à universalidade) à de organização insere-se, diz Marilena, “nessa mudança geral da sociedade, sob os efeitos da nova forma do capital, e no Brasil ocorreu em três etapas sucessivas, também acompanhando as sucessivas mudanças do capital”.
Na primeira etapa (anos 1970, “milagre econômico”), a universidade tornou-se “funcional”, voltada para o mercado de trabalho, sendo “prêmio de consolação que a ditadura ofereceu à sua base de sustentação politico-ideológica, isto é, à classe média despojada de poder”; na segunda etapa (anos 1980), passou a ser “universidade de resultados”, com a introdução da ideia de parceria com as empresas privadas; a terceira etapa (anos 1990 aos dias de hoje), em que virou “universidade operacional”, marca o predomínio da forma organização, “regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível”, estruturada por estratégias e programas de eficácia organizacional e “por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual”.
A tecnocracia associada a esse modelo, explicou, “é aquela prática que julga ser possível dirigir a universidade segundo as mesmas normas e os mesmos critérios com que se administra uma montadora ou um supermercado”. De modo que se administra “USP, Volks, Walmart, Vale do Rio Doce, tudo da mesma maneira, porque tudo se equivale”.
Metamorfose
“A metamorfose da universidade pública em organização tem sido o escopo principal do governo do Estado de São Paulo”, denunciou Marilena. Ela argumentou que a reforma do Estado adotada pelo governo FCH (1995-2002) e efetivada pelos governos estaduais do PSDB, particularmente o de São Paulo, pautaram-se pela articulação com o ideario neoliberal (Estado mínimo, privatização dos direitos sociais) e, no caso do ensino superior, realizaram a agenda de mudanças preconizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para a reestruturação das universidades da América Latina e Caribe, em 1996, e baseada na redução das dotações orçamentárias públicas às instituições de ensino superior.
“Penso que a expressão perfeita dos desígnios do governo do Estado e do BID se encontra na carta enviada pelo reitor da USP aos docentes em 21 de julho de 2014”, afirmou a professora. “Sei que se tem debatido a falsidade dos números apresentados por ele, a manipulação. A carta me interessa pelo vocabulário que ele usa. Ele começa a carta se referindo a nós como o custeio. Somos o custeio, não somos o esteio da Universidade. A partir daí já está tudo dito. Ele não começa pelas obras que foram feitas sem necessidade, pelo esparramamento da USP pela cidade. Não. Ele começa por nós”, enfatizou.
“O reitor não está usando essa linguagem porque caiu de paraquedas no mundo e equivocadamente fala nessa linguagem. Ele tem uma concepção de universidade, uma concepção política, uma concepção do conhecimento, uma concepção do saber. Minha fala vai na direção de localizar o que é que tornou possivel a um reitor da USP dizer as coisas que ele diz”.
Ao longo da leitura do texto que preparou para a ocasião, Marilena fugiu do roteiro para fazer comentários bem-humorados e sarcásticos que provocavam gargalhadas ou fortes aplausos do auditório. “O PSDB é o filho revoltado do MDB. Eles estão aí há 30 anos! Eu quero alternância de governo”, disse, ao comentar conversa que manteve com um grupo de jovens.
A Aula Magna foi coordenada pelo professor João Zanetic (IF) e pela professora Priscila Figueiredo (FFLCH), que mediaram intervenções e perguntas de participantes à professora Marilena Chauí.
Foto: Daniel Garcia
Fonte: ADUSP, Seção Sindical do ANDES-SN
VIA: sinduece

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

A Rússia em uma guerra invisível por Rostislav Ischenko.

Rede Voltaire. Moscou – Rússia. 28 de dezembro de 2015.

Foto - Federação Russa.

Como poderia a Rússia, em apenas 20 anos, sem guerras ou outras perturbações, erguer-se de uma posição de meia-colônia a uma reconhecida posição de líder mundial, de igual entre as mais altas?

"Estrategistas" abrangentes [do inglês ‘kitchen ‘strategists’’; uma alusão à expressão ‘everything, but the kitchen sink’: ‘tudo, mas a pia da cozinha’; tudo o que pode ser concebido de uma dada situação (dicionário Collins)], que acreditam sinceramente que um maciço ataque nuclear é a solução universal para qualquer problema internacional (ou mesmo um confronto bem quente, perto de confronto militar), estão insatisfeitos com a posição moderada da liderança russa na crise com a Turquia. No entanto, eles consideram insuficiente até mesmo a participação direta do exército russo no conflito sírio. Eles também estão insatisfeitos com as atividades de Moscou na frente ucraniana.

Mas, por alguma razão... ninguém faz uma pergunta simples: Como aconteceu que, de repente, a Rússia começou não só a se levantar ativamente frente ao poder hegemônico do mundo, mas a ganhar com sucesso contra ele em todas as frentes?

Por que agora.

No final da década de 1990, a Rússia era um estado que econômica e financeiramente estava a nível de Terceiro Mundo. Uma rebelião anti-oligarcas estava se formando no país. Ela estava lutando uma guerra sem fim e sem esperança com chechenos, que se espalhou ao Daguestão. A segurança nacional era garantida apenas por armas nucleares, pois para realizar qualquer operação séria, mesmo dentro de suas próprias fronteiras, o exército não tinha nem pessoal treinado nem equipamentos modernos, a frota não poderia navegar, e a aviação não poderia voar.

Com certeza, qualquer um pode dizer como a indústria, incluindo a militar, foi revivida gradualmente, como o crescente nível de vida estabilizou a situação interna, como o exército foi modernizado.

Mas, a pergunta-chave não é quem fez mais para reconstruir o exército russo: Shoygu, Serdukov ou o Estado-Maior. A questão fundamental não é quem é o melhor economista, Glaziev ou Kudrin, e se seria possível alocar ainda mais recursos para as despesas sociais.

O fator chave desconhecido nessa empreitada é o tempo. Mas, como a Rússia teve tempo? Por que os EUA deram tempo à Rússia para preparar a resistência, para crescer o músculo econômico e militar, para aniquilar o lobby pró-americano financiado pelo Departamento de Estado na política e nos meios de comunicação?

Por que o confronto aberto, no qual estamos agora à frente de Washington, não começou mais cedo, 10 a 15 anos atrás, quando a Rússia não tinha chance de suportar sanções? Na realidade, os EUA, na década de 1990 ou de 2000. começaram a instalar regimes fantoches no espaço pós-soviético, incluindo Moscou, que foi considerada uma das várias capitais da Rússia desmembrada.

O conservadorismo saudável dos diplomatas.

As condições do sucesso militar e diplomático de hoje foram construídas por décadas na frente invisível (diplomática).

Deve ser dito que, entre ministérios centrais, o Ministério dos Assuntos Exteriores foi o primeiro a recuperar-se da confusão administrativa decorrente do colapso do fim da década de 1990. Ainda em 1996, Evgeny Primakov tornou-se Ministro dos Assuntos Exteriores, e, além de virar de volta o avião do governo sobre o Atlântico ao saber da agressão dos EUA contra a Jugoslávia, virou também a política externa russa que, depois disso, nunca mais seguiu o curso dos Estados Unidos.

Dois anos e meio mais tarde, ele recomendou Igor Ivanov como seu sucessor, o qual lentamente (de forma quase imperceptível), mas certamente, continuou a fortalecer a diplomacia russa. Ele foi sucedido em 2004 pelo atual ministro Sergey Lavrov, sob cuja liderança a diplomacia acumulou recursos suficientes para mudar de uma posição de defesa para uma contundente posição ofensiva.

Entre estes três ministros, só Ivanov recebeu a medalha Estrela de Herói; mas, tenho certeza de que seu antecessor e seu sucessor são igualmente merecedores desse prêmio.

Deve ser dito que a tradicional proximidade de castas e o conservadorismo saudável do corpo diplomático contribuíram para o rápido restabelecimento do trabalho do Ministério dos Assuntos Exteriores. O tradicionalismo e a paciência de que os diplomatas são acusados ajudaram. "Kozyrevshchina" [a palavra é derivada do nome de Andrei Kozyrev, Ministro dos Assuntos Exteriores de 1990 a 1996; a palavra significa "agir como Kozyrev", ou seja, de forma subserviente, contra seus próprios interesses – nota do tradutor] nunca pegou no Ministério dos Assuntos Exteriores porque não se encaixava.

Período de consolidação interna.

Vamos voltar a 1996. A Rússia está no fundo do poço, economicamente, mas o padrão de 1998 ainda está à frente. Os EUA desconsideram totalmente o direito internacional, substituindo-o por suas ações arbitrárias. A OTAN e a UE estão se preparando para mover-se para a fronteira russa.

A Rússia não tem nada com o que responder. A Rússia (como a URSS antes dela) pode aniquilar qualquer agressor em 20 minutos; mas, ninguém planeja combatê-la. Qualquer desvio da linha aprovada por Washington, qualquer tentativa de conduzir uma política externa independente, conduziria ao estrangulamento econômico e à desestabilização interna subsequente – naquele tempo, o país dependia de créditos ocidentais.

A situação é ainda mais complicada pelo fato de que, até 1999, o poder está nas mãos da elite compradora em dívida com os EUA (como o atual poder ucraniano), e, até 2004-2005, os compradores ainda estão lutando pelo poder com a burocracia patriótica de Putin. A última batalha na retaguarda, dada pelos compradores a perder, foi uma tentativa de revolução em 2011, na Praça Bolotnaya. O que será que teria acontecido se eles tivessem feito essa insurreição em 2000, quando tinham uma vantagem esmagadora?

Os líderes russos precisavam de tempo para consolidação interna; para restauração dos sistemas econômico e financeiro, garantindo sua autossuficiência e independência do Ocidente; e para reconstruir um exército moderno. Finalmente, Rússia precisava de aliados.

Os diplomatas tinham uma missão quase impossível. Era necessário, sem recuar sobre questões-chave, consolidar a influência da Rússia nos Estados pós-soviéticos, aliar-se com outros governos resistindo os EEUU, reforçando-os, se possível, e ao mesmo tempo criar uma ilusão em Washington de que a Rússia era fraca e estaria pronta a fazer concessões estratégicas.

A ilusão da fraqueza da Rússia

Uma demonstração do fato de que essa tarefa foi alcançada com êxito são os mitos que ainda estão vivos entre alguns analistas Ocidentais e "oposição" russa pró-americana. Por exemplo, se a Rússia se opõe a alguma instância do aventureirismo ocidental, está "blefando para salvar a pele"; as elites russas são totalmente dependentes do Ocidente porque "o dinheiro está lá"; "a Rússia trai seus aliados".

No entanto, os mitos de que "foguetes enferrujados não voam", "soldados com fome estão construindo moradias para generais", e sobre "economia em frangalhos" praticamente desapareceram. Apenas marginais [os que estão ‘fora dos livros’, aquém do limite dos discursos; com referência à posição filosófica – N.T.] acreditam nisso – esses marginais não são realmente incapazes, mas têm medo de reconhecer a realidade.

Essas ilusões de fraqueza e prontidão para retroceder que enganaram o Ocidente na crença de que a questão russa fora resolvida e detiveram rápidos ataques políticos e econômicos em Moscou deram à liderança russa o precioso tempo para reformas.

Naturalmente, nunca há muito tempo, e a Rússia teria preferido adiar o confronto direto com os EUA, que começou em 2012-13, por mais 3-5 anos, ou até mesmo evitá-lo completamente; mas, a diplomacia ganhou 12 a 15 anos para o país – um enorme período de tempo no mundo rapidamente em mudança de hoje.

Diplomacia russa na Ucrânia.

Para economizar espaço, vou dar apenas um exemplo muito claro, muito relevante na situação política atual.

As pessoas ainda culpam a Rússia por não conter os EUA na Ucrânia de forma suficientemente ativa, por não conseguir criar uma "quinta coluna" pró-russa para contrabalançar a pró-americana, por trabalhar com as elites e não com as pessoas, etc. Avaliemos a situação com base em capacidades reais, ao invés de ilusões.

Apesar de todas as referências aos cidadãos, é a elite que determina a política do Estado. A elite ucraniana, em todas as suas ações, sempre foi e ainda é anti-russa. A diferença é que a elite ideologicamente nacionalista (gradualmente se tornando nazista) era abertamente russofóbica, enquanto que a elite econômica (compradora, oligárquica) era simplesmente pró-ocidental mas não se opunha às ligações lucrativas com a Rússia.

Eu gostaria de lembrá-lo que não foram outras pessoas, mas representantes do supostamente pró-russo Partido das Regiões que gabavam-se de que não permitiriam negócios russos em Donbass. Eles também eram aqueles que tentaram convencer o mundo que eram melhores para a integração europeia do que os nacionalistas.

O regime de Yanukovich-Azarov precipitou o confronto econômico com a Rússia em 2013, exigindo que apesar de a Ucrânia assinar o tratado de associação com a EU, a Rússia retivesse e até mesmo aprimorasse um regime favorável à Ucrânia. Afinal de contas, Yanukovich e seus companheiros no Partido das Regiões, enquanto tinham poder absoluto (2010-2013), suportaram nazistas informativamente, financeiramente e politicamente. Eles os trouxeram de nicho marginal à política dominante a fim de ter um adversário conveniente nas eleições presidenciais, em 2015, enquanto suprimiram qualquer atividade informativa pró-Rússia (para não mencionar atividade política).

O partido comunista ucraniano, mantendo a retórica pro-Rússia, nunca teve uma chance no poder e desempenhou um papel de oposição leal conveniente indiretamente apoiando oligarcas, canalizando a atividade de protesto em locais seguros para qualquer poder (incluindo o atual).

Nessas condições, qualquer tentativa russa de trabalhar com ONGs ou criar uma mídia pró-Rússia seria percebida como uma invasão dos direitos dos oligarcas ucranianos para roubar o país sozinha, o que causaria outro deslize do oficialismo ucraniano em direção ao Ocidente, visto por Kiev como um contrapeso para a Rússia. Os EUA, muito naturalmente, veriam isso como transição da Rússia para o confronto direto e iriam redobrar seus esforços para desestabilizar a Rússia e apoiar elites pró-ocidentais em todo o espaço pós-soviético.

Nem em 2000, ou em 2004, a Rússia estava pronta para confrontar abertamente os EUA. Mesmo quando (não por escolha de Moscou) isso aconteceu em 2013, a Rússia precisava ainda de cerca de dois anos para mobilizar seus recursos a fim de dar uma forte resposta ao conflito na Síria. A elite Síria, em contraste à ucraniana, desde o início (2011-2012) rejeitou a opção de se comprometer com o Ocidente.

É por isso que, durante 12 anos (a partir de ação "Ucrânia sem Kuchma", que foi a primeira tentativa de golpe pró-americano na Ucrânia), a diplomacia russa trabalhou em duas frentes principais.

Primeiro, ela procurou manter a situação na Ucrânia em equilíbrio instável; segundo, ela procurou convencer a elite ucraniana de que o Ocidente era um perigo para seu bem-estar, enquanto que uma reorientação para a Rússia seria a única forma de estabilizar a situação e salvar o país, bem como a posição da elite em si.

A primeira tarefa foi alcançada com êxito. Os EUA conseguiram alternar o modo multidirecional da Ucrânia para o modo anti-russo somente em 2013, tendo gasto uma enorme quantidade de tempo e recursos e tendo adquirido um regime com enormes contradições internas, incapaz de existir independentemente (sem crescente apoio americano). Em vez de usar recursos ucranianos em seu benefício, os EUA é forçado agora a gastar seus próprios recursos para prolongar a agonia do Estado ucraniano destruído pelo golpe de estado.

A segunda tarefa não foi realizada devido a razões objetivas (independente dos esforços da Rússia). A elite ucraniana acabou por ser totalmente inadequada, incapaz de pensamento estratégico, de avaliar os riscos reais e as vantagens, mas vivendo e agindo sob a influência de dois mitos: primeiro – o Ocidente vai facilmente ganhar em qualquer confronto com a Rússia e partilhar os despojos com a Ucrânia; segundo – nenhum esforço, exceto a inabalável posição anti-russa, é necessário para uma existência confortável (às custas de financiamento ocidental). Na situação de escolha entre voltar-se para a Rússia e sobreviver, ou tomar o lado do Ocidente e morrer, a elite ucraniana escolheu a morte.

No entanto, mesmo com a escolha negativa da elite ucraniana, a diplomacia russa conseguiu vantagem máxima. A Rússia não se deixou atolar num confronto com regime ucraniano, forçando Kiev e o Ocidente a um processo de negociação cansativo tendo como pano de fundo uma guerra civil moderada e excluindo os EUA do formato de Minsk. Centrando-se nas contradições entre Washington e a UE, a Rússia conseguiu sobrecarregar financeiramente a Ocidente com a Ucrânia.

Como resultado, a posição consolidada inicialmente de Washington e Bruxelas se desintegrou. Quanto à ofensiva-relâmpago [blitzkrieg] político-diplomática, os políticos europeus não estavam preparados para um confronto prolongado; a economia da UE simplesmente não podia apoiá-lo. Por sua vez, os EUA não estavam prontos a aceitar Kiev exclusivamente na própria folha de pagamento.

Hoje, após um ano e meio de esforços, a "velha Europa", que determina a posição da UE, como a Alemanha e a França, abandonou a Ucrânia completamente e está procurando uma maneira de estender uma mão para a Rússia sobre as cabeças limítrofes do Leste Europeu pró-americano (Polônia e Países Bálticos). Até Varsóvia, que costumava ser o principal "defensor" de Kiev na União Europeia, abertamente (embora semi-oficialmente) sugere a possibilidade de dividir a Ucrânia, tendo perdido a fé na capacidade das autoridades de Kiev a manter o país unido.

Na comunidade política e de especialistas ucraniana, a histeria sobre "a traição da Europa" está crescendo. O ex-governador da região de Donetsk (nomeado pelo regime nazista) e oligarca Taruta Sergey afirma que seu país tem mais oito meses de existência. O oligarca Dmitry Firtash (que tinha a reputação de "rei criador" ucraniano) prevê a desintegração na primavera.
Tudo isso, silenciosa e imperceptivelmente, sem o uso de tanques e da aviação estratégica, foi conseguido pela diplomacia russa. Alcançado em um confronto difícil com o bloco dos países mais poderosos, militar e economicamente, a partir de uma posição muito mais fraca e com os aliados mais peculiares, nem todos felizes sobre o crescimento do poder russo.

Avanço no Médio Oriente.

Em paralelo, a Rússia conseguiu: retornar ao Oriente; reter e desenvolver a integração dentro do espaço pós-soviético (União Econômica Eurasiana); juntamente com a China, implantar um projeto de integração da Eurásia (Organização de Cooperação de Xangai); e dar início a um projeto de integração global através do grupo BRICS.

Infelizmente, o espaço limitado não nos permite discutir em detalhes todas as ações estratégicas da diplomacia russa nos últimos 20 anos (a partir de Primakov até hoje). Um estudo abrangente tomaria muitos volumes.

No entanto, quem quiser tentar responder honestamente como Rússia conseguiu, dentro de 20 anos, sem guerras ou convulsões, levantar-se de uma posição de semicolônia a uma posição de líder reconhecida do mundo, teria que reconhecer as contribuições de muitas pessoas na Smolenskaya Square [onde o Ministério dos negócios estrangeiros está localizado – nota do tradutor]. Seus esforços não toleram barulho ou publicidade; mas, sem sangue e sem vítimas, produzir resultados comparáveis aos obtidos por exércitos de milhões em muitos anos.

Rostislav Ischenko.

Tradução de Marisa Choguill.