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Na foto, Cecilio, um empresário que dignifica a Justiça ! |
O Conversa Afiada
atende a sugestão dos professores Venício Lima e Bernardo Kucinski e
publica esse depoimento histórico: como a Justiça (do Pará, também)
refundou a censura a jornalistas do Brasil.
Alô, alô, D Judith, não vai protestar ?
Caros amigos:
Peço que disseminem a mensagem recebida do Lucio Flavio Pinto de Belem do Para.
B. Kucinski
O Grileiro vencerá?
Como já é do conhecimento
público, em 1999 escrevi uma matéria no meu Jornal Pessoal denunciando a
grilagem de terras praticada pelo empresário Cecílio do Rego Almeida,
dono da Construtora C. R. Almeida, uma das maiores empreiteiras do país,
com sede em Curitiba, no Paraná. Embora nascido em Óbidos, no Pará,
Cecílio se estabeleceu 40 anos antes no Paraná. Fez fortuna com o uso de
métodos truculentos. Nada era obstáculo para a sua vontade.
Sem qualquer inibição, ele
recorreu a vários ardis para se apropriar de quase cinco milhões de
hectares de terras no rico vale do rio Xingu, no Pará, onde ainda
subsiste a maior floresta nativa do Estado, na margem direita do rio
Amazonas, além de minérios e outros recursos naturais. Onde também está
sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, para ser a maior do país e
a terceira do mundo.
Os 5 milhões de hectares já
constituem território bastante para abrigar um país, mas a ambição podia
levar o empresário a se apossar de área ainda maior, de 7 milhões de
hectares, o equivalente a 8% de todo o Pará, o segundo maior Estado da
federação brasileira. Se fosse um Estado, a “Ceciliolândia” seria o 21º
maior do Brasil.
Em 1996, na condição de
cidadão, atendi a um chamado do advogado Carlos Lamarão Corrêa, diretor
do Departamento Jurídico do Iterpa (Instituto de Terras do Pará), e o
ajudei a preparar uma ação de anulação e cancelamento dos registros das
terras usurpadas por C. R. Almeida, com a cumplicidade da titular do
cartório de registro de imóveis de Altamira e a ajuda de advogados
inescrupulosos. A ação foi recebida pelo juiz da comarca, Torquato de
Alencar, e feita a averbação da advertência de que aquelas terras não
podiam ser comercializadas, por estarem sub-judice, passíveis de
nulidade.
Os herdeiros do grileiro podem
continuar na posse e no usufruto da pilhagem, apesar da decisão, porque a
grilagem recebeu decisão favorável dos desembargadores João Alberto
Paiva e Maria do Céu Cabral Duarte, do Tribunal de Justiça do Estado.
Deve-se salientar que essas foram as únicas decisões favoráveis ao
grileiro nas instâncias oficiais, que reformaram a deliberação do juiz
de Altamira.
Com o acúmulo de informações
sobre o estelionato fundiário, os órgãos públicos ligados à questão
foram se manifestando e tomando iniciativas para evitar que o golpe se
consumasse. A Polícia Federal comprovou a fraude e só não prendeu o
empresário porque ele já tinha mais de 70 anos. O próprio poder
judiciário estadual, que perdeu a jurisdição sobre o caso, deslocado
para a competência da justiça federal, a partir daí, impulsionado pelo
Ministério Público Federal, tomando rumo contrário ao pretendido pelo
grileiro, interveio no cartório Moreira, de Altamira, e demitiu todos os
serventuários que ali trabalhavam, inclusive a escrivã titular, Eugênia
de Freitas, por justa causa.
Carlos Lamarão, um repórter da
revista Veja (que chegou a ser mantido em cárcere privado pelo
empresário e ameaçado fisicamente) e o vereador Eduardo Modesto, de
Altamira, processados na comarca de São Paulo por Cecílio Almeida, foram
absolvidos pela justiça paulistana. O juiz observou que essas pessoas,
ao invés de serem punidas, mereciam era homenagens por estarem
defendendo o patrimônio público, ameaçado de passar ilicitamente para as
mãos de um particular.
De toda história, eu acabei
sendo o único punido. A ação do empreiteiro contra mim, como as demais,
foi proposta no foro de São Paulo. Seus advogados sabiam muito bem que a
sede da ação era Belém, onde o Jornal Pessoal circula. Eles queriam
deslocar a causa por saberem das minhas dificuldades para manter um
representante na capital paulista. A juíza que recebeu o processo, a meu
pedido, desaforou a ação para Belém, como tinha que ser. Hoje, revendo o
que passei nestes 11 anos de jurisdição da justiça do Pará, tenho que
lamentar a mala suerte de não ter ficado mesmo em São Paulo, com todas
as dificuldades que tivesse para acompanhar a tramitação do feito.
A justiça de São Paulo foi
muito mais atenta à defesa da verdade e da integridade de um bem público
ameaçada por um autêntico “pirata fundiário”, do que a justiça do Pará,
formada por homens públicos, que deviam zelar pela integridade do
patrimônio do Estado contra os aventureiros inescrupulosos e vorazes.
Esta expressão, “pirata fundiário”, C. R. Almeida considerou ofensiva à
sua dignidade moral e as duas instâncias da justiça paraense
sacramentaram como crime, passível de indenização, conforme pediu o
controverso empreiteiro.
Mesmo tendo provado tudo que
afirmei na primeira matéria e nas que a seguiram, diante da gravidade do
tema, fui condenado, graças a outro ardil, montado para que um juiz
substituto, em interinidade de fim de semana, pela ausência
circunstancial da titular da 1ª vara cível de Belém, sem as condições
processuais para sentenciar uma ação de 400 páginas,
me condenasse a pagar ao grileiro
indenização de 8 mil reais (em valores de então, a serem dramaticamente
majorados até a execução da sentença), por ofensa moral.
A sentença foi confirmada pelo
tribunal, embora a ação tenha sido abandonada desde que Cecílio do Rego
Almeida morreu, em agosto de 2008; mesmo que seus sucessores ou
herdeiros não se tenham habilitado; mesmo que o advogado, que continuou a
atuar nos autos, não dispusesse de um novo contrato para legalizar sua
função; mesmo que o tribunal, várias vezes alertado por mim sobre a
deserção, tenha ignorado minhas petições; mesmo que, obrigado a
extinguir a minha punibilidade, arquivando o processo, haja finalmente
aberto prazo para a habilitação da parte ativa, que ganhou novo prazo
depois de perder o primeiro; mesmo que a relatora, confrontada com a
argüição da sua suspeição, que suscitei, diante de sua gravosa
parcialidade, tenha simplesmente dado um “embargo de gaveta” ao pedido,
que lhe incumbia responder de imediato, aceitando-o ou o rejeitando,
suspendendo o processo e afastando-se da causa; mesmo que tudo que
aleguei ou requeri tenha sido negado, para, ao final, a condenação ser
confirmada, num escabroso crime político perpetrado pela maioria dos
desembargadores do Tribunal de Justiça do Pará que atuaram no meu caso,
certamente inconformados com críticas e denúncias que tenho feito sobre o
TJE nos últimos anos, nenhuma delas desmentida, a maioria delas também
completamente ignorada pelos magistrados citados nos artigos. Ao invés
de cumprir as obrigações de sua função pública, eles preferem apostar na
omissão e na desmemoria da população. E no acerto de contas com o
jornalista incômodo.
Depois de enfrentar todas as
dificuldades possíveis, meus recursos finalmente subiram a Brasília em
dezembro do ano passado. O recurso especial seguiu para o presidente do
Superior Tribunal de Justiça, ministro Ari Pargendler, graças ao agravo
de instrumento que impetrei (o Tribunal do Pará rejeitou o primeiro
agravo; sobre o segundo já nada mais podia fazer).
Mas o presidente do STJ, em
despacho deste dia 7, disponibilizado no dia 10 e a ser publicado no
Diário da Justiça do dia 13, negou seguimento ao recurso especial.
Alegou erros formais na formação do agravo: “falta cópia do inteiro teor
do acórdão recorrido, do inteiro teor do acórdão proferido nos embargos
de declaração e do comprovante do pagamento das custas do recurso
especial e do porte de retorno e remessa dos autos”.
Recentemente, a justiça
brasileira impôs novas regras para o recebimento de agravos, exigindo
dos recorrentes muita atenção na formação do instrumento, tantos são os
documentos cobrados e as suas características. Podem funcionar como uma
armadilha fatal, quando não são atendidas as normas formais do preparo.
A falta de todos os documentos
apontada pelo presidente do STJ me causou enorme surpresa. Participei
pessoalmente da reunião dos documentos e do pagamento das despesas
necessárias, junto com minha advogada, que é também minha prima e atua
na questão gratuitamente (ou pró-bono, como preferem os profissionais).
Não tenho dinheiro para sustentar uma representação desse porte. Muito
menos para arcar com a indenização que me foi imputada, mais uma, na
sucessão de processos abertos contra mim pelos que, sendo poderosos,
pretendem me calar, por incomodá-los ou prejudicar seus interesses,
frequentemente alimentados pelo saque ao patrimônio público.
Desde 1992 já fui processado 33
vezes. Nenhum dos autores dessas ações teve interesse em me mandar uma
carta, no exercício de seu legítimo direito de defesa. O Jornal Pessoal
publica todas as cartas que lhe são enviadas, mesmo as ofensivas, na
íntegra. Também não publicaram matérias contestando as minhas ou, por
qualquer via, estabelecendo um debate público, por serem públicos todos
os temas por mim abordados. Foram diretamente à justiça, certos de
contarem com a cumplicidade daquele tipo de toga que a valente ministra
Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça, disse esconderem
bandidos, para me atar a essa rocha de suplícios, que, às vezes, me faz
sentir no papel de um Prometeu amazônico.
Não por coincidência, fui
processado pelos desembargadores João Alberto Paiva e Maria do Céu
Duarte, o primeiro tendo como seu advogado um ex-ministro do Tribunal
Superior Eleitoral, à frente de uma das mais conceituadas bancas
jurídicas do Distrito Federal. O ex-ministro José Eduardo Alckmin, que
também advogava para a C. R. Almeida, veio a Belém para participar de
uma audiência que durou cinco minutos. Mas impressionou pela sua
presença.
O madeireiro Wandeir dos Reis
Costa também me processou. Ele funcionou como fiel depositário de
milhares de árvores extraídas ilegalmente da Terra do Meio, que o Ibama
apreendeu em Altamira. Embora se declarasse pobre, ele se ofereceu para
serrar, embalar e estocar a madeira enquanto não fosse decidido o seu
destino. Destino, aliás, antecipado pelo extravio de toras mantidas em
confinamento no próprio rio Xingu. Uma sórdida história de mais um ato
de pirataria aos recursos naturais da Amazônia, bem disfarçado.
Apesar de todas essas ações e
do martírio que elas criaram na minha vida nestes últimos 20 anos,
mantenho meu compromisso com a verdade, com o interesse público e com
uma melhor sorte para a querida Amazônia, onde nasci. Não gostaria que
meus filhos e netos (e todos os filhos e netos do Brasil) se deparassem
com espetáculos tão degradantes, como ver milhares de toras de madeira
de lei, incluindo o mogno, ameaçado de ser extinto nas florestas nativas
amazônicas, nas quais era abundante, sendo arrastadas em jangadas pelos
rios por piratas fundiários, como o extinto Cecílio do Rego Almeida.
Depois de ter sofrido todo tipo de violência, inclusive a agressão
física, sei o que me espera. Mas não desistirei de fazer aquilo que me
compete: jornalismo. Algo que os poderes, sobretudo o judiciário do
Pará, querem ver extinto, se não puder ser domesticado conforme os
interesses dos donos da voz pública.
Vamos tentar examinar o
processo e recorrer, sabendo das nossas dificuldades para funcionar na
justiça superior de Brasília, onde, como regra, minhas causas sempre
foram vencedoras até aqui, mesmo sem representação legal junto aos
tribunais do Distrito Federal.
Decidi escrever esta nota não
para pressionar alguém nem para extrapolar dos meus direitos. Decisão
judicial cumpre-se ou dela se recorre. Se tantos erros formais foram
realmente cometidos no preparo do agravo, o que me surpreendeu e chocou,
paciência: vou pagar por um erro que impedirá o julgador de apreciar
todo meu extenso e profundo direito, demonstrado à exaustão nas centenas
de páginas dos autos do processo. Terei que ir atrás da solidariedade
dos meus leitores e dos que me apoiam para enfrentar mais um momento
difícil na minha carreira de jornalista, com quase meio século de
duração. Espero contar com a atenção das pessoas que ainda não
desistiram de se empenhar por um país decente.
Belém (PA), 11 de fevereiro de 2012
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
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