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O artigo de Aldo Fornazieri no Estadão de ontem (http://bit.ly/za0W1x) , a excelente reportagem de André Barrocai, na Carta Maior (http://bit.ly/zkrTDB), abrem o debate sobre um tema que já abordei rapidamente aqui em várias ocasiões (http://bit.ly/A9cvAr http://bit.ly/xKxZiq): o gerencialismo na política.
Para clarear o debate: ferramentas de gestão são imprescindíveis em
qualquer estilo de governo, mais político ou mais técnico. Já por
gerencialismo entenda-se o estilo de governar baseado exclusivamente em
critérios técnicos definidos por grupos técnicos fechados a qualquer
forma de construção coletiva que possa colocar em risco os objetivos
racionais da gestão.
Os dois artigos são importantes para alertar para vulnerabilidades do estilo Dilma.
Fornazieri mostra as raízes do estilo. Explica que
Dilma criou um perfil político próprio, ampliou o leque de apoio em
estratos mais conservadores, reconhecendo méritos no governo FHC, e,
principalmente, foi beneficiada pela constatação de que o segundo tempo
da crise também não deverá afetar substancialmente o país.
Lembra depois que avaliação positiva de governo não é ativo estocável
para o resto do mandato. Depende das ações de atores políticos,
econômicos e sociais. No primeiro ano, livrou-se da estratégia do
denuncismo da imprensa passando a impressão de que o ministério não era
seu. No segundo ano, as críticas continuarão, o padrão foi consagrado
por Dilma e os ministros serão seus.
Finalmente alerta que o controle excessivo de Dilma criou um
Ministério apagado, lento (devido à falta de espaço para os ministros) e
um governo excessivamente cauteloso.
Já a reportagem de Barrocai analisa, in loco, as consequências desse
estilo, mostrando auxiliares descontentes, desmotivados. Não se está
falando de base de apoio, movimentos sociais e quetais, mas de membros
do governo, ainda que em off.
No meu artigo sobre o perfil político de Lula, mostro as diferenças
de estilo, um fazendo-se amado (e odiado), outra querendo-se apenas
respeitada. E anoto que, para tempos de bonança, o segundo estilo não
tem contraindicações. Se sobrevier a crise política, a conversa é outra.
A dinâmica de um país
Gestão é uma ferramenta, um instrumento que não pode de maneira alguma substituir a política.
Em uma empresa, a gestão consiste em ter bons indicadores sobre todas
as áreas, um plano estratégico bem definido, uma política de pessoal. O
comando é centralizado: pertence aos acionistas controladores, que
apenas prestam contas aos demais acionistas, aos funcionários e aos
consumidores. As decisões são construídas em reuniões fechadas de
planejamento.
A implementação permite manter quase todas as variáveis internas sob
controle. Assim, o desafio maior é para fora, identificar os fatores
conjunturais, a concorrência etc. que podem alterar o cenário.
No plano público, ainda mais, no comando de um país continental e
diversificado como o Brasil, é impossível manter todas as variáveis sob
controle. O organismo politico e social de um país seria melhor
analisado tomando-se por base os estudos de física e de química,
especialmente os princípios da teoria do caos. São organismos
interdependentes, sem responder a chefias centrais, que se influenciam
mutuamente.
Em determinado momento, tem-se um corpo em absoluto repouso, com
todas as partes se comportando de forma equilibrada. De repente, um fato
qualquer, uma molécula, um ingrediente entra naquele universo e cria-se
um caos imprevisível, com cada molécula, cada parte tendo um
comportamento totalmente diverso do momento anterior.
Em uma empresa, esses eventos imponderáveis são raros. Na política,
infindáveis. Um agravamento da crise internacional, uma denúncia mais
grave, um grupo social rebelado, uma crise na base política, qualquer
fato provoca alterações substanciais no comportamento de cada parte,
essa mudança, por sua vez, influindo e sendo influenciada pelo
comportamento dos demais grupos.
A maneira de criar anticorpos é permitir que parcelas cada vez mais
amplas do organismo social se sintam co-construtoras do futuro. É aí que
o gerencialismo pega. É a síndrome do déspota esclarecido, perfil
adequado para um CEO, não para um presidente da República.
Cenário de crise
Vamos a um pequeno exercício sobre o que seria o comportamento dos diversos grupos sociais no caso de eclosão de uma crise:
Setor |
Normalidade |
Crise |
Mídia/PSDB |
Conformismo e denuncismo localizado, poupando a presidente. |
Denuncismo desvairado, com matérias ficcionais levando os leitores ao paroxismo |
Classe média |
Admiração da gerente contra a corrupção e o desperdício, anulando o negativismo do noticiário. |
Plena adesão ao negativismo do noticiário, já que a imagem atual é dependente dos critérios de julgamento da velha mídia. |
Empresários |
Apoio conformado ao projeto de governo |
Desaprovação, com alguns deles se metendo na militância, a exemplo do Cansei. |
Partidos aliados |
Ressentimento contido, silêncio conformado com o tratamento recebido |
Explosão da base, com boicote às votações principais, paralisando a pauta no Congresso |
PT/movimentos sociais/sindicatos |
Irritação com a não participação nas decisões do governo, mas enquadrado pelo sucesso do 1o ano de governo Dilma. |
Movimento do “volta Lula”. |
Igrejas |
Apoio desconfiado. |
Campanhas moralistas contra a defensora disfarçada do aborto. |
Oposição |
Tentativa de criar uma oposição civilizada, exorcizando o horror das últimas eleições. |
Volta dos degredados no inferno, com ataques baixos pela Internet,
acusando a presidente de assassina de crianças, lésbica e outras
baixarias que se tornaram a marca Serra de fazer política. A
intolerância voltando a dominar o jogo político |
Ministério Dilma |
Zero de atuação política |
Zero de atuação política |
Empresas têm indicadores objetivos de desempenho: rentabilidade, poder de mercado etc. No caso de governos, não.
É possível criar uma imagem positiva selecionando só os fatos
positivos; e no dia seguinte uma imagem negativa, relacionando apenas
fatos negativos. A opinião pública não avalia objetivamente se governos
são “bons” ou “ruins” através de indicadores objetivos. Ela se baseia em
percepções.
Há diversos canais por onde se criam as percepções. O principal é o da velha mídia, com seu discurso único.
Há uma série de canais alternativos que contrabalançam apenas em
parte esse controle: as mídias sociais (a quem Dilma devota um desprezo
explícito), os partidos políticos (cada vez menos eficazes como fator de
mobilização no mundo todo, a quem Dilma apenas tolera), os movimentos
sociais (restritos aos estratos mais baixos da pirâmide social e,
portanto, sem espaço maior no jogo político e que, definitivamente,
mantendo uma relação fria com Dilma), as igrejas (que a veem com
desconfiança).
Os únicos fatores horizontais, que interferem no todo e ajudam a
disciplinar as relações sociais e políticas, são a situação econômica, a
sensação difusa de bem ou de mal estar e a identificação de parcelas
majoritárias com o chefe, o presidente.
O primeiro fator está sob controle; o segundo, definitivamente não.
Mesmo com todo processo de inclusão social, histórica, o que salvou o
governo Lula em 2006 foi a identificação maciça do povo com ele.
Depois, em 2008, o bem estar das pessoas (especialmente quando
confrontaram a realidade com o caos previsto pela mídia na crise de
2008), a maneira como o país superou a crise e a consagração
avassaladora da mídia mundial que, em plena época da Internet, não
conseguiu ser soterrada pela barreira de desinformação da mídia.
Agora, todos respeitam o sucesso atual de Dilma; nenhum lhe dedica
paixão. Na eventualidade de uma crise, ninguém vai se matar na defesa de
seu governo, porque não se sentem parte dele.
Seria bom que a presidente se dispusesse, por alguns momentos, a
analisar a eventualidade - hoje, felizmente, ainda distante - de uma
crise mais forte. Não tente entender os fatores e mantê-los sob
controle. Pense apenas no que fazer, se a crise explodir.
Seria uma pena perder-se uma aventura gerencial fantástica apenas devido à sua supervalorização, em detrimento da política.
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