“A liberdade de imprensa não é um privilégio dos jornalistas mas um direito dos cidadãos.”
A frase, adotada pelo jornalista Edwy Plenel como lema, guia hoje o Mediapart,o mais respeitado site de jornalismo da França. Criador de Mediapart,juntamente com cinco colegas, Plenel lançou, em março, um livro intitulado Droit de savoir
(Direito de saber). É o 20º livro escrito por esse jornalista, defensor
ardente do jornalismo investigativo no estilo anglo-saxão.
Mediapart foi quem revelou o maior escândalo dos últimos tempos
da política francesa. Desde que publicou, em 4 de dezembro do ano
passado, que o ministro do Planejamento (ministre du Budget) Jérôme Cahuzac tinha uma conta na Suíça, Plenel vinha enfrentando o ceticismo e, quem sabe, a inveja dos colegas da imprensa.
Até o dia em que, tendo a Justiça elementos suficientes para investigar
o ministro, o presidente François Hollande tomou a decisão de
afastá-lo, em 19 de março, do gabinete formado pelo primeiro-ministro
Jean-Marc Ayrault.
Para Hollande, um ministro socialista encarregado de
combater a fraude fiscal – e cuidar do equilíbrio das finanças do país
em grave crise – ter uma conta na Suíça (depois transferida para
Singapura) é uma bomba atômica.
Em 2 de abril, quando o ministro Cahuzac
admitiu que tinha mentido ao negar a conta, foi o início de uma grave
crise que vai permitir a moralização da vida política francesa, segundo
expressou o presidente na quarta-feira (10/4) ao apresentar reformas com
esse objetivo.
Figura nacional
Os jornais do mundo inteiro destacaram o papel fundamental de Mediapart na
revelação do escândalo que explodiu nas mãos de Hollande. “A maioria
dos jornais da mídia tradicional desprezou o modesto mas rigoroso Mediapart,
fundado por Edwy Plenel, em vez de aprofundar os indícios apontados
contra o poderoso ministro Cahuzac”, comentou o diário espanhol El País.
Mediapartjá havia dado numerosos furos com grandes matérias de
investigação feitas pela redação pequena mas combativa, que faz hoje o
jornalismo mais agressivo e independente da França. Os outros jornais,
revistas e a mídia audiovisual parecem condenados a suitar os grandes
furos de Plenel e seus jornalistas. Diversos escândalos revelados no
governo de Nicolas Sarkozy abalaram os políticos da direita e seguem seu
curso no Judiciário.
Agora, quem se viu às voltas com a competência e a seriedade do jornalismo investigativo de Mediapart foi a esquerda. O affaire
Cahuzac foi revelado em dezembro, mas nem todo mundo levou a sério as
revelações. O ministro tratou de desmentir “olhos nos olhos” aos
jornalistas que o questionaram em público sobre o fato de ter conta na
Suíça.
Os jornalistas sabem que os políticos trabalham ativamente para
divulgar notícias que defendem seus interesses e tudo fazem para
esconder o que pode prejudicar suas carreiras e seus objetivos. É aí que
o jornalismo investigativo é importante e fundamental: na revelação do
que querem esconder dos cidadãos.
O mais conhecido jornalista de investigação da França, Plenel foi
diretor da Redação do respeitadíssimo jornal de referência francês Le Monde,
de 1996 a 2004.
Em 2005, um ano depois de ser afastado da função de
diretor da Redação, foi demitido por Jean-Marie Colombani, diretor do
jornal. Em 2008, Plenel criou Mediapart, que acaba de completar cinco anos.
A direita não gosta de Plenel, um ex-trotskista, empedernido defensor
da liberdade de imprensa, que nunca renegou seu passado e seu
engajamento de juventude na Liga Comunista Revolucionária. Ele começou
sua carreira como jornalista no jornal da Liga, Rouge (Vermelho).
Com o affaire Cahuzac, Plenel mostrou que a esquerda, como a direita, têm que temer a vigilância de Mediapart. As revelações de Plenel sobre diversos affaires
no governo François Mitterrand já haviam feito dele uma figura nacional
do jornalismo independente e crítico. No recente episódio, Alain
Finkielkraut, um filósofo conservador, chegou a defender Jérôme Cahuzac
comparando Mediapart a uma verdadeira “Stasi internet” – referência ao nome da polícia política da antiga Alemanha comunista.
Compromisso com o jornalismo
Durante quase seis meses, Mediapart teve contra si toda a
imprensa tradicional e os comunicadores-marqueteiros interessados em
desmoralizar o site “tentando impedir que a verdade viesse à tona”,
segundo Plenel.
“Mediapart é um peixe pequeno diante de grandes tubarões num mar
poluído”, dizia ele ainda há pouco tempo. Agora, com 65 mil assinantes e
um capital de credibilidade invejável, o peixinho vai começar a fazer
medo aos que têm algo a esconder da opinião pública.
Agora, Mediapart revela um outro affairede conta na Suíça, desta vez de Jean-Marie Le Pen, do partido de extrema-direita Front National.
Com François Hollande, com quem Edwy Plenel assinou um livro de entrevistas, Devoirs de vérité, em 2006, o jornalista sempre teve boas relações. Por isso houve quem previsse o fim do site com a eleição de Hollande. Mas Mediapart
provou que não foi criado para servir a um governo ou a uma ideologia.
Plenel tem como único dever revelar aos cidadãos e à Justiça aquilo que
políticos e interesses privados querem ocultar.
Com a revelação da fraude fiscal do ministro encarregado de controlar
justamente a evasão de divisas, o jornalista mostrou mais uma vez que
seu compromisso é com o jornalismo investigativo. Não está a serviço de
pessoas ou de ideologias, mas da verdade.
“Pourvu que ça dure” (tomara que dure), como dizia a mãe de Napoleão Bonaparte.
***
Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris.Matéria lincada de: http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed742_jornalismo_investigativo_a_servico_dos_cidadaos
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