Por Dê
Da Revista Vice
By Greg Palast
O Greg Palast é um autor de best-sellers lançados pelo New York Times e um destemido repórter investigativo que trabalha para a BBC Television, a Newsnight e o The Guardian. Palast mastiga e cospe os ricos. Veja as matérias e filmes dele no www.GregPalast.com, onde você também pode mandar para ele aqueles seus documentos carimbados como “confidenciais”.
Como
todas as páginas estavam marcadas com o carimbo de “confidencial”, a
fantoche da indústria do petróleo não conseguia acreditar que o
Departamento de Estado norte-americano tivesse me dado uma cópia de seus
planos secretos para campos de exploração de petróleo no Iraque.
Na verdade, o Departamento de Estado não fez isso mesmo. Mas minha
experiência com enrolação é tão ampla e minha identidade falsa tão bem
estabelecida, que até eu estou começando a acreditar nas minhas próprias
mentiras.
Me fechei. Disse que queria ter certeza de que trabalhávamos no mesmo
projeto do Departamento de Estado. Eu disse que precisava que ela me
desse o nome oficial, a data e o número de páginas. E ela me deu.
Bingo! Eu tinha vencido o Complexo Petroleiro Militar num concurso de mentiras, estava na hora do meu prêmio.
Depois de ligar para alguns números da Califórnia para o Cazaquistão
para disfarçar meu sinal, minhas próximas chamadas foram para o
Departamento de Estado e para o Pentágono. Agora que eu tinha
especificações sobre o esquema para o petróleo do Iraque — que os
departamentos de Estado e de Defesa tinham jurado, por escrito, que não
existiam —, eu disse que apreciaria muito se eles me mandassem uma cópia
disso (nada de expurgos, por favor) ou uma história muito embaraçosa
sairia no Newsnight aquela noite na BBC.
Alguns dias depois, nossa chefe de investigações, senhorita BadPenny,
entregou na minha cabana nos arredores de Nova York um programa de três
volumes e 323 páginas para o petróleo iraquiano criado pelo
Departamento de Estado de George Bush e uma comissão de pessoas de
dentro da indústria de petróleo em Houston, Texas.
Quando abri a pilha de papéis, fiquei pasmo.
Como a maioria dos jornalistas de esquerda, eu achava que George Bush
e Tony Blair tinham invadido o Iraque para comprar barato seus campos
de petróleo sob a mira das armas. Achávamos que sabíamos o verdadeirocasus belli dos neoconservadores: sangue por petróleo.
Mas a verdade sobre as opções para a indústria do petróleo iraquiana
eram muito piores que “Sangue por Petróleo”. Muito, muito piores.
A chave estava no gráfico da página 15, Cronograma do Regime Petrolífero do Iraque & Análise de Cenário:
“...Uma única companhia estatal... melhora as relações do governo com a OPEP.”
Infográfico feito pelo autor apresentando a história secreta da Guerra do Iraque. Clique para aumentar.
Deixe-me explicar por que essas palavras mexeram com a minha cabeça.
Eu já tinha em mãos um documento de 101 páginas, outro esquema
secreto do Departamento de Estado, descoberto primeiramente pelo
repórter do Wall Street Journal Neil King, que pedia a
privatização, a completa liquidação de todos os ativos de propriedade e
indústrias do governo. E no caso de alguém ter perdido o fio da meada,
as privatizações incluiriam cada torre, cano e barril de petróleo, ou,
como o documento colocava, “especialmente o petróleo”.
O plano tinha sido criado por um bando de lobistas corporativos e
neoconservadores que trabalhavam para a Heritage Foundation. Em 2004, a
autenticidade do plano foi confirmada pelo poderoso de Washington,
Grover Norquist (é difícil apagar da memória a cena bizarra de Grover
gesticulando empolgado com suas mãos macias enquanto se gabava de
transformar o Iraque numa Disneylândia de livre mercado, recriando o
Chile na Mesopotâmia com uma ditadura estilo Pinochet necessária para
trancar os ativos — atrás dele, Richard Nixon ria da minha cara em seu
retrato gargantuesco pendurado na parede).
A ideia neoconservadora era quebrar e vender os campos de petróleo
iraquianos, aumentar a produção, inundar o mercado mundial com petróleo —
esmagando assim a OPEP e, de quebra, a dominância política da Arábia
Saudita.
O general Jay Garner também confirmou o plano de se apropriar do
petróleo. De fato, o secretário da defesa Donald Rumsfeld demitiu Garner
quando o general, que tinha morado no Iraque, reclamou que o plano
neoconservador começaria uma guerra civil. O que realmente aconteceu. No
entanto, Rumsfeld substituiu Garner com um novo vice-rei
norte-americano, Paul Bremer, sócio da empresa de Henry Kissinger, para
completar a tomada corporativa dos ativos iraquianos — “especialmente o
petróleo”.
Mas simplesmente não era para ser. Enquanto Bremer supervisionava a
transferência total das indústrias iraquianas para corporações
estrangeiras, ele foi barrado bruscamente à beira dos campos de
petróleo.
Como? Eu sabia que existia apenas um homem que poderia rebater de uma
só vez todo o exército neoconservador: James Baker, ex-secretário de
Estado, conselheiro da família Bush e, mais importante, conselheiro da
Exxon-Mobil Corporation e da Casa de Saud.
(Uma fonte involuntária foi o especialista da indústria petroleira
Edward Morse, do Lehman/Credit Suisse, que ameaçou processar a Harper's Magazine por
eu tê-lo citado num artigo. Morse negou ter falado comigo. Mas quando
toquei a gravação da nossa conversa no meu gravador portátil escondido, a
memória dele voltou magicamente e ele saiu correndo.)
Não tinha como os clientes de Baker, da Exxon ao Abdullah, deixarem
um bando de malucos neoconservadores destruírem a indústria de petróleo
iraquiana, as cotas de produção da OPEP, inundarem o mercado com seis
milhões de barris de petróleo iraquiano por dia e assim derrubar o preço
para US$13 o barril como se estivéssemos em 1998.
O autor.
A indústria do petróleo não ia permitir que os campos iraquianos
fossem privatizados e tomados do controle estatal. Isso tornaria
impossível manter o Iraque dentro da OPEP (um objetivo confesso dos
neoconservadores), já que o estado não poderia mais limitar a produção
de acordo com o sistema de cotas do cartel. A indústria do petróleo
norte-americana estava usando todo seu mojo político para evitar receber a posse dos campos de petróleo do Iraque.
Isso mesmo: as companhias de petróleo não queriam os campos de
petróleo — e com certeza também não queriam o petróleo. E sim o
contrário. Eles queriam ter certeza de que haveria um limite para a
quantidade de petróleo que saía do Iraque.
Saddam não estava tentando impedir o fluxo de petróleo — ele queria é
vender mais. O preço do óleo subiu 300% com as sanções e um embargo que
cortava as vendas de petróleo do Iraque para dois milhões de barris por
dia, dos quatro milhões anteriores. Com Saddam fora do caminho, a única
maneira de manter o maldito petróleo no chão era deixar isso trancado
dentro das empresas estatais que continuariam atuando sob as cotas da
OPEP (ou seja, dos sauditas).
O James Baker Institute rápida e secretamente começou a elaborar o
plano de 323 páginas para o Departamento de Estado. Com garantia de
autoridades no topo (ou seja, Dick Cheney), o ex-CEO da Shell Oil USA,
Phil Carroll, foi mandado às pressas para Bagdá em maio de 2003 para
tomar conta do petróleo iraquiano.
Ele disse a Bremer: “Não haverá
privatização do petróleo — FIM DA DECLARAÇÃO”. Carroll depois passou o
controle do petróleo iraquiano para Bob McKee da Halliburton, a antiga
companhia de petróleo de Cheney, que implementou a opção de “reforço à
OPEP” ancorada na propriedade estatal de Baker.
Algum petróleo até podia ser liberado, principalmente para a China,
através de “acordos de produção compartilhada” limitados, porém
lucrativos.
E foi assim que George Bush venceu a guerra do Iraque. A invasão não
foi uma questão de “sangue por petróleo”, mas algo muito mais sinistro:
sangue por petróleo nenhum. Uma guerra para manter a oferta escassa e os
preços na estratosfera.
Homens do petróleo, seja James Baker, George Bush ou Dick Cheney, não
estão no negócio de produção de petróleo. Eles estão no negócio de
produção de lucros.
E eles tiveram sucesso. O Iraque, capaz de produzir de seis a 12
milhões de barris por dia, ainda exporta sob a velha cota da OPEP de
três milhões de barris.
O resultado: enquanto comemoramos o décimo aniversário da invasão do
Iraque este mês, também podemos festejar o quinto ano do óleo cru na
marca de US$100 o barril.
Como George Bush podia dizer orgulhosamente para James Baker: missão cumprida!
Matéria Lincada de: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-motivos-por-tras-da-guerra-no-iraque
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