O líder da Igreja do Evangelho Quadrangular é acusado, entre outras coisas, de tramar a morte de desafetos.
A
Igreja do Evangelho Quadrangular é um portento religioso: tem 3 milhões
de membros, cerca de 15000 igrejas espalhadas pelo país e uma
arrecadação anual estimada em meio bilhão de reais.
Presidida pelo
pastor Mário de Oliveira, que está no exercício do sétimo mandato de
deputado federal, a instituição se orgulha principalmente do trabalho de
assistência social que realiza, inclusive no exterior. Seus líderes
gostam de repetir, por exemplo, que enviaram mais alimentos às vítimas
do tsunami que varreu a Ásia, em dezembro de 2004, do que o governo
brasileiro. "Pregamos uma vida cristã ilibada e de honestidade. Uma vida
regrada, sem envolvimento com vícios, com a corrupção", diz Oliveira.
Esse receituário é nobre e comum à maioria das designações religiosas.
No caso da Igreja do Evangelho Quadrangular, merece destaque por uma
aparente contradição. Mário de Oliveira, que é presidente da instituição
há dezesseis anos, é acusado por dois pastores de não seguir o que
prega. Mais do que isso: de subverter tudo o que qualquer religião
proclama ao encomendar a morte de duas pessoas, ludibriar as
instituições e enriquecer à custa de fiéis.
Essas acusações foram feitas formalmente, em 19 de fevereiro passado, na Superintendência da Polícia Federal em Mato Grosso do Sul. Partiram do pastor Osvaldeci Nunes, que privou da intimidade do deputado Mário de Oliveira durante cerca de quatro anos. Num depoimento que durou sete horas, Osvaldeci Nunes contou que, em 2009, o presidente da Igreja do Evangelho Quadrangular lhe pediu para contratar um pistoleiro para matar Maria Mônica Lopes, ex-cunhada do parlamentar.
O assassinato seria encomendado
porque Maria Mônica, ao se separar de um irmão de Mário de Oliveira,
ficou com metade de uma fazenda que, na verdade, pertenceria ao
deputado. As terras, localizadas em Miranda (MS), foram vendidas e
Mônica ficou com uma parte do dinheiro. Mário de Oliveira não gostou,
pois considerava a ex-cunhada apenas um laranja. "Ele tem um ódio mortal
dela, que ainda corre risco de morrer", afirmou Osvaldeci Nunes. Para
comprovar o que disse, o pastor anexou ao depoimento fotos e informações
levantadas por um detetive sobre a rotina de Maria Mônica. Era, segundo
ele, a preparação para o crime que acabou não acontecendo.
Na semana passada, o deputado Mário de Oliveira conversou com VEJA. Ele admitiu que conhece muito bem o pastor Osvaldeci Nunes. Confirmou também a venda da fazenda em Miranda e o litígio com a ex-cunhada, mas negou que tenha encomendado a morte dela. "O Osvaldeci é um mentiroso compulsivo, um psicopata", diz. Mônica não quis se pronunciar.
Segundo o deputado, o
pastor foi à Polícia Federal porque fracassou na tentativa de
extorquí-lo. Desde 2009, o pastor exige dinheiro - sempre ele! - para
não contar "tudo o que sabe". Para não revelar os segredos da igreja.
Osvaldeci teria pedido 50000 reais e uma promoção na hierarquia da
instituição. As supostas ameaças foram feitas por meio de mensagens
enviadas por celular. Mário de Oliveira conta que repassou os torpedos
ao Ministério Público de Minas Gerais, que ajuizou uma ação contra o
antigo colega de pregação. Osvaldeci Nunes admitiu que mandou as
mensagens a Mário de Oliveira, mas ressaltou que só agiu assim para se
defender, já que teria sido ameaçado de morte por três vezes. Sobre o
motivo da discórdia - dinheiro -, o pastor confirma que pediu, mas nada a
ver com extorsão. "Ele me deve uma indenização trabalhista", garantiu.
Não é, porém, a primeira vez que o líder da Igreja do Evangelho Quadrangular é acusado de mandar matar desafetos. Em 2007, a polícia de São Paulo prendeu um pistoleiro supostamente contratado por Mário de Oliveira para matar o então deputado federal Carlos Willian, ex-integrante da igreja. Por envolver parlamentares, o caso chegou a ser investigado no Supremo Tribunal Federal, mas foi arquivado por falta de provas.
O depoimento de Osvaldeci Nunes também traz novidades sobre o
crime. Além de confirmar a participação do deputado na trama abortada
pela polícia, ele confessa ter subornado a principal testemunha do caso
para livrar Mário de Oliveira das acusações. "O Mário deu 50000 reais ao
Odair (o pistoleiro) para mudar o depoimento. Quem foi levar o dinheiro
para o Odair fui eu, no hotel Royal Palace, no centro de Belo
Horizonte, em junho de 2007." Odair da Silva é ex-motorista do
secretário nacional de comunicação da igreja. Ele frequentava a casa e a
fazenda de Mário de Oliveira em Minas Gerais. O motivo do crime? Em seu
depoimento, o pastor contou que Mário acusava Carlos Willian de roubar
800000 reais de uma emissora de rádio controlada pela igreja. Na semana
passada, o pastor Donizete de Amorim confirmou à PF todas as acusações
contra o deputado.
Dinheiro, dinheiro, dinheiro ... O dinheiro parece estar no centro de todas as denúncias que pairam sobre o líder da igreja. Desde 2008, o deputado é investigado no Supremo Tribunal Federal também por formação de quadrilha, estelionato e falsidade ideológica. Trata-se de uma apuração iniciada no Ministério Público de Minas Gerais sobre irregularidades na execução de convênios públicos destinados à recuperação de dependentes químicos - um inusitado e instigante caso de milagre remunerado. Os pastores prometiam curar viciados em drogas apenas com orações. Não curaram ninguém, evidentemente, mas embolsaram uma fortuna destinada ao programa. O dinheiro foi parar na conta de alguns pastores, em propriedades da igreja e em bancos no exterior. O relatório do processo aponta indícios de que Mário de Oliveira tinha - plena ciência do esquema fraudulento que envolvia os milagrosos convênios da Quadrangular. "Eu já fui inocentado disso", garantiu o deputado.
Nascido numa família humilde, Mário de Oliveira teve uma infância difícil. Ele conta ter calçado um sapato pela primeira vez aos 14 anos de idade. Ganhava a vida como ajudante de padeiro e servente de pedreiro até entrar para a igreja. Aos 19 anos, já pregava, dando início a uma impressionante ascensão dentro da Quadrangular. "Ele é uma espécie de mito na igreja", conta o pastor Jefferson Campos, que está no terceiro mandato de depurado federal. O mito seria resultado, além de um competente trabalho de evangelização, do crescimento em progressão geométrica da instituição.
Nos últimos dezesseis anos, período em que
ele está na presidência, a igreja se espraiou por todas as unidades da
federação e amealha um rebanho cada vez maior. Ao mesmo tempo, Mário de
Oliveira trocou a realidade franciscana dos tempos de infância por um
patrimônio respeitável. Hoje, a família dele tem casas, lotes, fazendas e
carros de luxo.
Na declaração de renda que entregou à Justiça Eleitoral
em 2006, o deputado apresenta uma relação de bens no valor módico de
2,3 milhões de reais. Em 2010, o patrimônio caiu para 687000 reais. Não,
o pastor não decidiu fazer voto de pobreza. O político Mário de
Oliveira conta ter ficado deprimido, com medo de morrer, e por isso
transferiu parte de seus bens para os sobrinhos.
Fonte: Revista VEJA de 12 de março de 2012, publica no http://www.exercito.gov.br/web/imprensa/resenha
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