Paulo Luiz Schmidt - Juiz do Trabalho, é presidente em exercício da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Brasília - 14.set.2012. Mais
de 7,2 milhões de brasileiros são trabalhadores domésticos, o que
representa 17,7% da população feminina ocupada, segundo dados do
Ministério do Trabalho e Emprego.
Desse montante, apenas 30% são
trabalhadores formais, ou seja, possuem a carteira de trabalho assinada
pelo patrão. Tal realidade soma-se ao cenário dos direitos trabalhistas
desses cidadãos, que vivem à margem de uma legislação que para eles é
altamente restritiva e que, portanto, está longe de garantir uma vida
digna para essas famílias.
A situação só se agrava se considerarmos que
praticamente não há programas sociais especificamente voltados para esse
contingente de brasileiros que, de alguma forma, compense a
discriminação que a própria lei prevê.
Os
juízes do Trabalho convivem diariamente com esse cenário, que é
agravado pelo reiterado desrespeito a esses direitos minimamente
assegurados. Considerar que menos de 1/3 tem o registro formalizado dá
bem a medida dessa triste realidade.
Não fosse bastante, os empregados
domésticos não possuem, por exemplo, limite de jornada de trabalho
estabelecida em lei, não recebem hora extra, salário-família, adicional
noturno, tampouco têm garantido o recolhimento obrigatório do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) por parte do patrão.
Almejando
mudar esse cenário, tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) nº 478, de 2010, que aguarda votação na Comissão
Especial da Câmara criada para discutir a matéria. Trata-se de uma
proposta legislativa que representa grande passo para a cidadania e a
igualdade social, tendo em vista que concede aos trabalhadores
domésticos os mesmos direitos dos demais trabalhadores brasileiros. Tal
desigualdade, vale ressaltar, jamais deveria existir.
Na
seara internacional, vale lembrar que a Organização Internacional do
Trabalho (OIT) aprovou, em 2011, a Convenção 189, prevendo, por exemplo,
direitos como o descanso semanal de pelo menos 24 horas consecutivas,
um limite para pagamentos em espécie, bem como o respeito pelos
princípios e direitos fundamentais no trabalho, incluindo a liberdade de
associação e negociação coletiva. Convenção essa ainda não ratificada
por nosso país; apenas pelo Uruguai e pelas Filipinas.
Por
seu lado, é necessária uma mudança de paradigma na própria sociedade
brasileira. Isso porque estamos falando de 70% de trabalhadores
domésticos que estão na informalidade, que, mesmo que a legislação seja
alterada, não terão garantidos os direitos, ainda que mínimos. O Brasil
precisa abandonar a cultura da economia em detrimento do respeito à vida
de um ser humano, que deve ser tratado como tal.
Outro
ponto merece atenção dentro do cenário do trabalho doméstico no nosso
país: o trabalho doméstico infantil. Infelizmente, ainda é bastante
comum vermos, principalmente, meninas saírem de cidades interioranas em
busca de trabalho em "casas de família" nas capitais. E muitas vezes não
têm oportunidade de ir à escola e recebem como remuneração apenas
comida e lugar para dormir.
O
trabalho doméstico, de acordo com o Decreto nº 6.481/2008, é
considerado uma das piores formas de trabalho infantil, pois sujeita
crianças e jovens a esforço físico intenso, isolamento, abuso (físico,
psicológico e muitas vezes sexual), longas jornadas de trabalho,
movimentos repetitivos e tantas outras características que podem
comprometer o seu processo de formação psicológico, físico e social.
Trata-se de uma realidade preocupante e de difícil fiscalização, quiçá
mensuração, mas estima-se que mais 400 mil crianças encontram-se nessa
situação no Brasil.
O
momento, no que tange o trabalho doméstico em nosso país, é de urgente
mudança. E um primeiro passo, que faria bem para a nação, seria a
contribuição do Congresso Nacional para a dignidade desses
trabalhadores. Outrossim, é a necessidade de a sociedade compreender que
trabalho doméstico é atividade laboral como outra qualquer e deve
receber o mesmo tratamento legal.
Que
o ano de 2012 sirva para limpar de vez essa mancha que há 24 anos
existe em nossa Constituição, que as relações entre empregados
domésticos e patrões evoluam para um patamar aceitável e que o nosso
país abandone a cultura residual da época da escravidão, à la casa
grande e senzala.
Fonte:http://www.exercito.gov.br/web/imprensa/resenha
Nenhum comentário:
Postar um comentário