segunda-feira, 5 de novembro de 2012

VALE - Guiné reacende caso de US$ 2,5 bilhões envolvendo a Mineradora Brasileira.




Autor(es): Por Tom Burgis, Helen Thomas e Misha Glenny - Financial Times, de Londres.
Valor Econômico - 05/11/2012.


Foi, nas palavras de um veterano da mineração africana, "a sorte grande". Em abril de 2010, o conglomerado de um bilionário israelense arrojado, que fez sua fortuna negociando diamantes no continente africano e para além dele, fechou um negócio pelo qual venderia uma participação de 51% de seus interesses na mineração da Guiné por US$ 2,5 bilhões.

Mesmo para os padrões de Beny Steinmetz, a venda, para a Vale , maior produtora mundial de minério de ferro, parecia um belo retorno. Sua empresa tinha gasto meros US$ 160 milhões pelos direitos de explorar metade de Simandou, uma montanha abarrotada de minério de ferro.

Agora, no entanto, as perspectivas do grupo no minúsculo país da África ocidental que abriga os depósitos minerais mais cobiçados do mundo enfrentam uma ameaça. A Guiné reacendeu um conflito de vários bilhões de dólares para o Tesouro do país, num momento em que as autoridades examinam de perto contratos de mineração fechados por antigas ditaduras.

O "Financial Times" obteve informações de que uma comissão do governo abriu uma investigação de corrupção e exige respostas sobre como a Beny Steinmetz Group Resources (BSGR) conseguiu em 2008 os direitos a metade de Simandou, que, pouco antes naquele ano, tinha sido tirada da anglo-australiana Rio Tinto.

A comissão, que conta com o respaldo de George Soros, escreveu na semana passada para a joint-venture entre a BSGR e a Vale arrolando uma série de acusações de suborno referentes à aquisição, pela BSGR, de participações em Simandou e num depósito de menores proporções nas redondezas.

Funcionários do governo encarregados da investigação reuniram depoimentos de ex-sócios da BSGR, consultores e financistas, que contaram histórias de presentes e pagamentos a parentes de Lansana Conté, cuja ditadura de 24 anos se encerrou com sua morte, no fim de 2008, e de determinadas autoridades do governo de seu regime e dos que se seguiram.

Entre as denúncias está a oferta de uma miniatura de carro de Fórmula 1 de ouro, incrustrado de diamantes, a um ministro do governo, segundo informação obtida pelo "FT". A BSGR disse que o modelo foi dado ao Ministério da Mineração, e não a uma pessoa, em cerimônia pública e que seu valor fica entre US$ 1 mil e US$ 2 mil.

A empresa de Steinmetz denunciou a investigação como tendo sido movida por adversários políticos e concorrentes da área de mineração. "Esta é a mais recente de uma campanha orquestrada realizada para minar a posição da BSGR na Guiné, para possibilitar que nossos bens sejam arrestados e vendidos a uma série de terceiros interessados", disse a empresa.

Entre as acusações, está a de que um representante da BSGR teria oferecido ao então presidente Conté um relógio de ouro ornado de diamantes e que a empresa concordou em pagar à quarta esposa do presidente uma comissão de US$ 2,5 milhões por ajudar a conquistar direitos de mineração. A BSGR disse não saber de nenhum presente de um relógio de ouro. Negou que o grupo tenha feito, alguma vez, o pagamento à quarta esposa de Conté. "Nunca fizemos qualquer pagamento", declarou.

Steinmetz está entre um punhado de empreendedores do setor de mineração com fama de pioneiro em se aventurar em promissores mercados de fronteira ricos em recursos naturais. A reorganização da mineração chama a atenção para as dificuldades com que se defrontam os países pobres, mas ricos em recursos naturais, cujos dotes muitas vezes contribuíram mais para o conflito e a corrupção do que para ganhos econômicos.

As investigações sobre a BSGR ocorrem em meio a intensos interesses pelos recursos minerais da Guiné, descritos por executivo do setor como "fabulosos, incomparáveis a quaisquer outros do mundo", disputados por investidores da China, Brasil, África e Europa.

BSGR e Vale têm 60 dias para responder às acusações, depois dos quais a comissão vai avaliar se recupera os direitos, o que pode trazer outro capítulo para a disputa de 20 anos pelo controle das riquezas da montanha. A comissão informou à joint-venture que não vai tomar outras medidas até receber a resposta das empresas. "A BSGR sustenta que é inocente de qualquer irregularidade e que usará os meios legais para proteger sua posição na Guiné", informou o grupo. 

A Vale, que em outubro disse ter colocado o projeto em suspenso, não quis comentar as acusações, mas ressaltou que "promove de forma apropriada as devidas avaliações de contas antes de seus investimentos".

A revisão é considerada como uma chance para que a Guiné rompa com décadas de opressão e acusações de corrupção. É um teste para Alpha Condé, o veterano líder de oposição eleito presidente em dezembro de 2010, e seus dois assessores mais destacados, Soros e Tony Blair, o ex-primeiro-ministro do Reino Unido. 

Paul Collier, especialista em desenvolvimento na Blavatnik School of Government, de Oxford, e assessor do governo de Guiné, disse que "o governo não seria apenas irresponsável se não revisasse esse legado de contratos acertados com regimes corruptos, seria cúmplice. Ele [governo] não tem outra opção a não ser revisar de forma seria e profunda."

Opositores, no entanto, dizem que o governo de Condé busca liberar os direitos de mineração para beneficiar seus aliados e usar a revisão para extrair pagamentos extras de seus atuais donos.

Mahmoud Thiam, ministro da Mineração sob o regime militar de 2009-2010 que sucedeu Conté, disse ao "Financial Times" que a economia da Guiné foi prejudicada pela investigação do governo. Thiam, que também enfrenta questionamentos no que se refere à aceitação e facilitação de pagamentos e outras vantagens arquitetadas para ganhar favores, afirmou que "até o fim de 2012 [esses projetos] estariam exportando". "Mas isso não aconteceu por causa dessa caça às bruxas. Cada acordo que fizemos foi cuidadosamente elaborado seguindo estritamente o código de mineração."

Simandou é reconhecido mundialmente no setor como um dos melhores depósitos de minério de ferro ainda inexplorados. Seu minério é tão rico em ferro que especialistas dizem que praticamente não precisa de processamento. Sua localização de acesso mais complicado, a cerca de 700 quilômetros da costa da Guiné, porém, significa que os custos de exploração vão chegar a US$ 10 bilhões.

A Rio Tinto ganhou os direitos de explorar a concessão nos anos 90, sob a ditadura de Conté. Quando a saúde do autocrata se debilitou em 2008, o governo tirou da Rio Tinto - a quem acusou de não cumprir o cronograma de desenvolvimento - metade dos direitos sobre a área. Eles foram rapidamente passados para a BSGR, poucos dias antes de Conté morrer.

Em 2011, contudo, a Rio Tinto pagou US$ 700 milhões ao atual governo para "a resolução de todas as questões pendentes" referentes à sua metade em Simandou. A empresa informou ao "Financial Times" que o acordo "isenta a Rio Tinto de quaisquer novas mudanças sob a atual revisão do código de mineração ou sob qualquer revisão futura."

Na semana passada, a comissão de mineração da Guiné questionou se a BSGR alguma vez teve a intenção de minerar sua metade em Simandou. Questionou a BSGR e Vale sobre sugestões de que o grupo de Steinmetz estaria simplesmente buscando comprar os direitos para poder vendê-los, prática conhecida como "flipping".

A BSGR rejeita a acusação e diz que até agora recebeu só US$ 500 milhões da Vale. "Este projeto precisa acontecer para que sejamos pagos", disse. "Não é uma jogada de curto prazo; é compromisso de longo prazo."

Nenhum comentário:

Postar um comentário