Da BBC Brasil / UOL
A eventual ajuda de países emergentes, sobretudo da China, à Europa
está sendo vista com reticência por alguns setores no continente, que
veem a iniciativa como uma ingerência que pode afetar a soberania
europeia.
Na França, a oposição teme as contrapartidas que a China poderia
exigir para ajudar a Europa e qualifica de "chocante" o apelo feito "a
uma ditadura comunista".
"A ajuda da China significa uma perda de independência para a Europa.
Sermos obrigados a proclamar ao mundo que vamos recorrer à China para
nos reequilibrarmos significa que teremos menos armas para negociar
assuntos cruciais com esse país", diz François Bayrou, presidente do
partido centrista MoDem.
Ele cita, entre as negociações cruciais, a questão da desvalorização da moeda chinesa para estimular as exportações do país.
A "guerra cambial" é um dos temas da pauta da reunião de líderes do G20 que começa nesta quinta-feira em Cannes, na França. "Decidimos nos entregar com os pés e as mãos amarradas aos
emergentes. Os europeus não podem discutir uma proteção contra os
efeitos sociais e ambientais da globalização e pedir, ao mesmo tempo, a
quem você vai negociar isso, para pagar a conta da sua crise
financeira", diz o deputado do partido verde europeu Daniel Cohn-Bendit.
Soberania
Por todo continente, a possível ajuda dos emergentes à
Europa em crise é alvo de críticas. Em fóruns na internet, cidadãos
europeus também manifestam reticências. "Após os indignados, os humilhados. Pedir ajuda à China é uma humilhação", diz um internauta.
Mesmo na Itália, país visto como um dos possíveis próximos a serem
afetados com o agravamento da crise, a ajuda provoca divisões.
O ministro das Finanças da Itália, Giulio Tremonti, havia alertado,
em um livro publicado há três anos, sobre os riscos de "uma colonização
invertida da China na Europa".
Mas recentemente, o mesmo Tremonti não viu com maus olhos a
possibilidade de a China comprar títulos da dívida italiana em um
momento em que a Itália teve de captar recursos no mercado com juros bem
mais altos do que os habituais.
"Se a zona do euro precisa recorrer aos credores estrangeiros, ela
vai depender necessariamente da vontade deles para assegurar seu
autofinanciamento", diz Harry Wolhandler, diretor da corretora Amilton
Asset Management.
"Se a China conseguir impor seus pontos de vista diplomáticos e
comerciais graças a uma eventual forte participação no Fundo Europeu de
Estabilização Financeira, podemos considerar a possibilidade de perda de
soberania", afirma.
"A China busca garantias políticas para acesso aos mercados europeus e
para manter sua moeda desvalorizada. E pode ter uma posição fortalecida
para negociar outros pontos de conflito com os europeus, como o
estatuto de economia de mercado que ela espera obter", afirma a
economista Françoise Lemoine, economista do Centro de Estudos e
Pesquisas sobre Economia Internacional.
O presidente francês, Nicolas Sarkozy, que negociou o plano europeu
de ajuda à Grécia e preside atualmente o G20, assegurou que a
independência da Europa não estaria ameaçada com a ajuda da China à
crise na zona do euro.
Instabilidade
A cúpula do G20 em Cannes, que deveria aprofundar a
discussão sobre ajuda dos emergentes à Europa, acabou sendo cvolocada em
um cenário de incertezas por causa do anúncio surpresa da Grécia de
convocar um referendo sobre o pacote de socorro europeu.
A ajuda prevê o corte de 50% da dívida grega em poder dos bancos e o
reforço do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FESF). Segundo
alternativas em discussão, a China poderia injetar recursos justamente
nesse fundo, estimados entre 50 bilhões e 100 bilhões de euros.
Em entrevista ao jornal francês "Le Figaro" na segunda-feira, o
presidente chinês, Hu Jin Tao, não deixou claro se seu país pretende
socorrer financeiramente a Europa. Mas afirmou que o "G20 deve emitir um
sinal claro de solidariedade".
A China possui reservas internacionais colossais, da ordem de US$ 3,2
trilhões. O país já teria, segundo estimativas de economistas, US$ 500
bilhões em títulos da dívida de países europeus, como Grécia, Portugal,
Irlanda e Espanha.
Antes de chegar a França, para a reunião do G20, Jin disse esperar
"convencer a União Europeia a reconhecer a China como uma economia de
mercado", disse o líder chinês na Áustria.
Se a China obtiver esse estatuto junto à Organização Mundial do
Comércio, poderá exportar mais facilmente. A União Européia é o
principal importador de produtos chineses e representa 20% do total das
vendas externas do país.
A China poderia exigir em contrapartida que a Europa pare de criticar
o país por manter sua moeda, o yuan, desvalorizada artificialmente, o
que favorece suas exportações.
A ajuda da China à Grécia no ano passado já havia provocado críticas
em países europeus, que não viram com bons olhos os chineses comprando
ativos a preços baixos e se apropriando de setores de infra-estrutura do
país, como o contrato de concessão de 3,3 bilhões de euros para
explorar o porto de Pireu.
A estratégia da China seria criar uma rede de portos, ferrovias e
centros logísticos para distribuir seus produtos em todo o continente.
"Não há uma agenda escondida e o desejo de colonizar a Europa. Antes
de tudo, a China vai agir em função de seus próprios interesses", diz a
economista Mary-Françoise Renard, do Instituto de Pesquisas sobre a
Economia Chinesa (Idrec, na sigla em francês).
Analistas afirmam que há um interesse mútuo entre europeus e chineses para que a zona do euro não desmorone.
A indústria chinesa seria afetada pela redução drástica da demanda
europeia e isso teria repercussões sobre o crescimento da China, que já
está sofrendo desaceleração, dizem os especialistas.
Materia copiada: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/europa-teme-colonizacao-as-avessas#more