Como o Google Nos Domina *
 
 
Alain de Botton, filósofo, escritor e agora aforista online, escreve no Twitter:
 
“A conclusão lógica de nossa relação com computadores: buscar ‘qual é  o sentido da minha vida’ no Google, esperando por uma resposta.”
 
Você pode fazer isso, é claro. Escrever “o que é” e mais rápido do  que você consiga digitar “um” ou “uma”, o Google está oferecendo uma  série de escolhas para você: o que é uma nuvem? o que é um significado? o  que é um sonho americano? O que é um illuminati? O Google está tentando  ler sua mente. Só que não é sua mente. É o Cérebro do Mundo. E seja lá o  que ele for, sabemos que uma empresa de doze anos de idade, com sede em  Mountain View, Califórnia, está conectada a ele como ninguém.
 
O Google é o lugar aonde vamos para encontrar respostas. Antes, as  pessoas buscavam por elas de outra maneira ou, mais provavelmente,  conformavam-se em não saber. Hoje em dia, você não pode ter uma  discussão na mesa de jantar sobre “que atriz ganhou o Oscar  interpretando uma atriz que não ganhava o Oscar no filme do Neil Simon”,  porque a qualquer momento alguém vai puxar um dispositivo de bolso e  fazer uma busca no Google (1).
 
Se você precisasse saber o significado da palavra “pitoresco” para a  História da Arte, você poderia encontrá-lo em O Livro de Respostas,  compilado há duas décadas pelo setor de referências da New York Public  Library [Biblioteca Pública de Nova York] – mas você não vai. Parte da  missão do Google é tornar os “livros de respostas” inúteis (e os  bibliotecários de referência, também). “Hamadríade é uma ninfa, uma  cobra venenosa na Índia, ou um babuíno do Norte da África”, diz o  narrador do romance The Infinities, de John Banville, de 2009, “É  preciso um deus para saber uma coisa dessas.” Não mais.
 
A busca por fatos tem sido um importante elemento na engrenagem do  conhecimento humano, e essa tecnologia acaba de saltar de uma liga  elástica para um reator nuclear. Não é de se admirar que exista alguma  confusão sobre o papel exato do Google nisso – juntamente com o medo  crescente de seu poder e suas intenções.
 
Para dizer a verdade, na maioria das vezes, o Google não tem as  respostas. Quando as pessoas dizem: “Eu dei uma olhada no Google”, elas  estão cometendo um solecismo. Quando elas tentam apagar as suas  histórias pessoais embaraçosas “no Google”, estão batendo na porta  errada. Raramente é correto dizer que algo está certo “segundo o  Google”. O Google é o oráculo do redirecionamento. Vá até lá buscar por  “hamadríade”, e ele vai te apontar a Wikipédia, ou o Dicionário Online  Grátis, ou o site oficial do Hamadryad (é uma banda de rock, também,  veja só!).
 
O Google define sua missão como “organizar a informação do mundo”, e  não possuí-la ou acumulá-la. Por outro lado, uma parcela substancial dos  livros impressos do mundo já foram copiados para os servidores da  empresa, onde dividem espaço com milhões de horas de vídeo e imagens do  mundo inteiro, em diferentes níveis de detalhamento, obtidas a partir de  satélites e de esquadrões móveis de câmeras de rua. Para não mencionar o  grande e crescente tesouro de informações que o Google possui sobre os  interesses e comportamento de, aproximadamente, todo mundo.
 
Quando eu digo que o Google “possui” todas essas informações, não  quero dizer que ele seja dono delas. O significado de “ser dono de  informação” é algo muito volátil.
 
Em mais ou menos uma década, o Google tornou-se uma marca global  maior do que a Coca-Cola ou a General Electric; ele gerou riqueza mais  rapidamente do que qualquer outra empresa na história; ele domina a  economia da informação. Como isso aconteceu? Aconteceu mais ou menos à  vista de todos.
 
O Google tem muitos segredos, mas os principais ingredientes do seu  sucesso não são um segredo de maneira alguma, e a história desse negócio  já forneceu munição para dezenas de livros. O novo livro de Steven  Levy, “In the Plex”, é a obra de maior autoridade – e por vezes também a  mais interessante – sobre o assunto até a data.
 
Por quase trinta anos, Levy tem escrito sobre computadores pessoais  para a Newsweek e a Wired, publicou seis livros sobre o tema, e tem  visitado a sede do Google periodicamente desde 1999, conversando com  seus fundadores, Larry Page e Sergey Brin, e observando a empresa a  partir do seu interior – tanto quanto foi possível para um jornalista.  Ele foi capaz de registrar algumas conversas bastante provocativas, se  ao menos ligeiramente conscientes, como esta, em 2004, sobre as  expectativas dos fundadores do Google em relação a sua criação:
 
“Ele será colocado no cérebro das pessoas”, disse Page. “Quando você  pensar em algo e realmente não souber muito sobre isso, você irá receber  informações automaticamente.”
 
“É verdade”, disse Brin. “Em última análise, vejo o Google como uma  maneira de aumentar o seu cérebro com o conhecimento do mundo. Agora  você vai para o seu computador e digita uma frase, mas você pode supor  que isso será mais fácil no futuro. Você só precisa ter um dispositivo  de voz, ou computadores que prestam atenção ao que está acontecendo ao  seu redor…”
 
… Page disse: “Eventualmente, você vai ter o implante, e se você pensar sobre um fato, ele vai prontamente lhe dizer a resposta”
 
Em 2004, o Google ainda era uma empresa privada, com cinco anos de  idade, que já valia 25 bilhões de dólares e concentrava cerca de 85 por  cento das buscas na internet. Sua única e grande inovação foi o  algoritmo chamado PageRank, desenvolvido por Page e Brin quando eram  estudantes de pós-graduação de Stanford, e realizavam seu projeto de  pesquisa a partir do computador de um quarto de dormitório. O problema  era que, até então, a maioria das pesquisas na internet produziam listas  inúteis de resultados de baixa qualidade. A solução foi uma idéia  simples: colher o conhecimento implícito já incorporado na arquitetura  da World Wide Web, organicamente em evolução.
 
A essência da Web é estabelecer links entre as “páginas” individuais  de sites. Cada link representa uma recomendação, um voto de interesse,  ou mesmo de qualidade. Assim, o algoritmo atribui uma classificação  [rank] para cada página, dependendo de quantas outras páginas oferecem  um link para ela. Além disso, os links não são todos avaliados da mesma  maneira. A recomendação vale mais quando se trata de uma página que tem  uma alta classificação, ela mesma. A matemática por trás do PageRank não  é simples – ele é uma distribuição de probabilidade, e o cálculo é  recursivo: a classificação de cada página depende da classificação de  outras páginas que depende… e assim por diante. Page e Brin patentearam  PageRank e publicaram seus detalhes, mesmo antes de criar a empresa que  chamaram ‘Google’.
 
A maioria das pessoas já se esqueceu de quão “escura e  mal-sinalizada” a Internet já foi. Um usuário em 1996 – quando a Web era  composta por centenas de milhares de “sites” com milhões de “páginas” –  não esperava fazer uma simples busca por “Olimpíadas” e localizar  automaticamente o site oficial dos jogos de Atlanta. Tratava-se de um  problema muito difícil. E que resultado podia-se esperar da busca por  uma palavra como “universidade”? O AltaVista (principal mecanismo de  busca de então), oferecia uma lista aparentemente desordenada de  instituições acadêmicas, encabeçada pelo Oregon Center for Optics.
 
Levy relata uma conversa entre Page e um engenheiro do AltaVista, que  explicou que seu sistema de pontuação aumentava a classificação de uma  página se “universidade” aparecesse várias vezes no título. O AltaVista  parecia não se preocupar com o fato de que Oregon não fosse considerada  uma grande universidade. A maneira convencional de classificar  universidades seria consultar os peritos e avaliar as medidas de  qualidade: os índices de pós-graduação, de retenção, os resultados de  avaliações. A estratégia do Google foi a confiar na Web e seus inúmeros  links, para melhor e para pior.
 
O PageRank é uma daquelas idéias que parecem óbvias depois que  ficamos sabendo delas. Mas o negócio de buscas na Internet, jovem como  era, tinha caído em algumas preceitos bastante ortodoxos. A principal  tarefa de um mecanismo de busca parecia ser a compilação de um índice.  Naturalmente, as pessoas pensavam nas tecnologias existentes usadas para  organizar a informação do mundo, que podiam ser vistas nos dicionários e  enciclopédias. Elas podiam ver que ordem alfabética estava prestes a  tornar-se menos importante, mas demoraram a perceber o quão dinâmico e  incompreensível era seu alvo, a Internet. Mesmo depois de Page e Brin  acenderam a luz, a maioria das empresas continuou a usar vendas nos  olhos.
 
A Internet havia entrado em sua primeira fase explosiva, expandiu e  depois retraiu-se para dar novos e ambiciosos passos. Uma coisa que  todos sabiam era que a maneira de fazer dinheiro era atrair e reter os  usuários. A palavra-chave era “portal” – o ponto de partida do usuário,  como Excite, Go.com e Yahoo – e os portais não conseguiriam ganhar  dinheiro incentivando seus clientes a navegar pelo resto da Internet.  “Retenção”, como diz Levy, “foi a qualidade mais desejada em sites na  época.” Portais não queriam que suas funções de pesquisa fossem boas  demais. Isso pode soar estúpido, mas como é que o Google pretendia  ganhar dinheiro sem cobrar nada dos usuários? Sua interface de usuário  no início era simples, minimalista, e enfatizava não ter qualquer  publicidade – não havia nada senão uma caixa para que o usuário  digitasse uma consulta, seguida por dois botões, um para produzir uma  lista de resultados, e outro com a famosa e audaciosa frase “eu estou  com sorte”.
 
Os fundadores do Google, Larry e Sergey, fizeram tudo do seu próprio  jeito. Mesmo na cultura informal do Vale do Silício, eles se destacaram  desde o início como algo original, como “crianças de Montessori”  (segundo Levy), despreocupadas com as normas e propriedades, que  preferiam grandes bolas de ginástica vermelhas em lugar de cadeiras de  escritório, desprezando organogramas e títulos formais, indo de patins  para reuniões de negócio. Fica claro em todos esses livros [aqui  examinados] que eles acreditavam em sua excentricidade; eles acreditavam  com fervor moral na primazia e poder da informação. (Sergey e Larry não  inventaram o famoso lema da empresa, “não seja malvado”, mas eles o  abraçaram, e agora eles podem muito bem ser donos dele.).
copiado de: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/alerta-na-rede-como-o-google-nos-domina.html