Enquanto os políticos do mundo discutem como temos de gerir e resolver a
crise económica do Ocidente, o diagnóstico do sociólogo americano
Immanuel Wallerstein está feito: crise sistémica.
Segundo ele, o problema não é curar o Capitalismo, mas acompanhá-lo na
viagem para o túmulo e incentivar o surgimento do que o geopolítico
belga Philippe Grasset chama de contracultura.
Russia Today entrevistou Wallerstein, segundo o qual a desintegração do
sistema é irreversível: estamos a testemunhar o fim, com o declínio
começado na década final do século passado e cuja lenta agonia vai durar
mais uns vinte ou quarenta anos. O Capitalismo não pode sobreviver como
um sistema, por isso vive a etapa final duma crise estrutural de longo
prazo. Não é uma crise rápida, mas uma mudança estrutural de grandes
proporções.
Wallerstein tem antecipado o fim do modelo neoliberal, mas nunca tinha
atravessado o Rubicão com a decisão da sentença de morte do Capitalismo
como um sistema.
O que sobra, portanto do axioma segundo o qual o capitalismo, pelo seu
carácter multifacetado, é capaz de se adaptar a todas as crises e as
circunstâncias?
Wallerstein solicita a substituição do Capitalismo com um mundo mais
democrático e igualitário, uma vez que nunca existiu antes na história
uma tal sociedade, mas que é possível. A opção contrária seria algo
composto por desigualdade, polarização, que não é necessariamente o
capitalismo explorador, mas que pode até ser pior do que os mecanismos
de controle do Capitalismo, como a activação de psicopolitica.
O historiador britânico Eric Hobsbawm já havia antecipado o retorno
gradual do Marxismo como uma opção (era só que faltava...), uma vez que,
segundo ele, não há uma maior clareza do que a oferecida pelo Marxismo
clássico nas palavras de Marx, o seu fundador, quando afirma que o
Capitalismo traz dentro do si o germe da sua própria destruição.
É, mais uma vez, a pobreza da visão bipolar: duma lado o feroz
Capitalismo, doutro lado o paradisíaco Comunismo. Uma pobreza incapaz de
descrever a nossa realidade: o sistema está a destruir-se, tornou-se o
devorador de si mesmo, sem a "vanguarda revolucionária" que Marx acaba
de anunciar no Manifesto do Partido Comunista.
Não há nenhuma "luta de classe", não há nenhum "proletariado" que ocupa
os meios de produção. Os únicos nas ruas são jovens que aderiram aos
movimentos de origem duvidosa como
Occupy Wall Street, por exemplo.
Temos que ter a humildade de aceitar uma derradeira simplicidade:
estamos perante algo de novo, que foge dos conceitos da política
clássica do XIX século.
Por isso, temos que assumir a ideia do processo de auto-destruição que
já testemunhamos; a nossa tarefa, eventualmente, pode ser aquela de pôr
em salvo os valores da cultura que precedeu o neo-liberalismo, e que
Wallerstein não reivindicar.
Povos e classes dominantes
Wallerstein usa o sistema do garfo para explicar o fim do capitalismo e o
nascimento dum novo sistema: as suas raízes encontram-se na
impossibilidade de continuar o princípio básico do capitalismo, ou seja,
a acumulação de capital que tem funcionado maravilhosamente ao longo de
500 anos.
Segundo o sociólogo, era um sistema que teve um estrondoso sucesso, mas
que acabou por destruir a si mesmo porque a sua classe dominante e as
elites políticas são incapazes de resolver o problema da insegurança na
qual mergulhou.
Interessante esta visão, típica não apenas de Wallerstein, porque aqui
há o implícito reconhecimento da nossa real situação: o sociólogo não
fala de "povos", mas de "classes dominantes e elites". Admite que as
vontades das pessoas "normais" não têm alguns peso nos destinos da
sociedade: quem escolhe e gere o sistema no qual vivemos são só alguns, a
oligarquia.
Quando você chegar num cruzamento de estradas, isso significa que "em
algum momento, uma estrada termina e entramos numa nova situação
relativamente estável, termina a crise e estamos num novo sistema", diz o
entrevistado.
Wallerstein alerta que a transição, aparentemente paralisada, entre a
morte do Capitalismo e o nascimento dum novo sistema envolve riscos
consideráveis, uma vez que destaca um sistema que entra em colapso com a
ausência de perspectivas de mudança a curto prazo.
Uma situação clara na realidade geopolítica: os BRICS (Brasil, Rússia,
Índia, China e também África do Sul em perspectiva), apesar do enorme
potencial e prestígio, revelaram-se inúteis e impotentes para quebrar a
moribunda ordem unipolar dos Estados Unidos, que continua a espalhar o
caos financeiro.
Quando o sistema for relativamente estável, o sistema tem a capacidade
de auto-regulamentar-se e absorve, por assim dizer, as eventuais
arestas. No entanto, quando o sistema está em crise e com quebras
estruturais, o livre arbítrio e actos individuais tornam-se tão
importante quanto nunca foram ao longo de meio milénio, tornam-se
estrategicamente perigosos, porque tudo é imprevisível, excepto no curto
prazo, como evidenciado pela incerteza científica.
Tudo isso leva à paralisia, evidente na economia quando os investidores
já não têm confiança no mercado para investir o dinheiro.
99%
A economia, agora devorada pelos monstros financeiros, está paralisada
porque resultou numa aporia, isso é, um insolúvel paradoxo de bloqueio
mental, para não dizer que sucumbiu à demência quando a bancocracia
Europeia e Transatlântica forçaram a Grécia a escolher o suicídio para
ser resgatada financeiramente.
Os Gregos modernos, candidatos ao tratamento forçado (pior de que a
morte súbita), simbolicamente representam 99 por cento da Humanidade que
quer exterminar o um por cento da plutocracia global, como já foi dito
repetidas vezes pelos indignados de Wall Street.
Mas não é tão grave, afirma Wallerstein: num período de aridez de
pensamento, na política (quase defunta) e na filosofia (defunta),
provocada pela globalização sem regras que esclerotisou os cérebros,
precisamos resgatar os poucos pensadores que eventualmente sobreviveram
ao naufrágio do intelecto, aquele naufrágio que já infectou as mentes
ocidentais.
Eu tenho dúvidas acerca desta afirmação: melhor salvar os últimos ou tentar encontrar os novos?
O Fim do Capitalismo
Sobre
a crise do Capitalismo: de acordo com Wallerstein, esta é a crise final
e a batalha que está a ocorrer não afecta o destino do próprio
Capitalismo, mas o que irá substituí-lo: "O capitalismo moderno chegou
ao final de sua carreira. Afirma o sociólogo:
Ele não pode sobreviver como um sistema. O que
estamos a ver é a crise estrutural do sistema. A crise estrutural, que
começou na década de 70 do século XX e as suas lamentações prolongadas
por anos, dez, vinte ou quarenta anos.
Não
é uma crise que possa ser resolvida num ano ou num instante. Esta é a
maior crise na História. Estamos na transição para um novo sistema e a
verdadeira luta política não é na projectação dum novo curso do
Capitalismo, mas no sistema que irá substituí-lo.
Um sistema, segundo Wallerstein, que deverá ser relativamente mais democrático e igualitário:
Nunca estivemos numa tal situação no curso da
História mundial, mas é possível. A outra perspectiva é a de manter o
sistema de exploração, injusto porque polariza a desigualdade. O novo
sistema pode não ser o Capitalismo. O Capitalismo é o que nós vemos
cair. Mas existem alternativas piores dentro do próprio Capitalismo.
Dúvidas
Eu acho que o pensamento de Wallerstein tem alguns pontos notáveis e outros bastante fracos.
De facto, estamos perante um pensador "de topo" que assume o fim do
actual sistema, o Capitalismo, o que por si é facto importante. A
análise técnica não e criticável.
Há alguns passos um bocado "ingénuos", como quando afirma estarmos
perante da "maior crise da História", Seria interessante poder ouvir o
pensamento dum cidadão que viveu a queda do Império Romano, só para
fazer um exemplo.
E positivo é o facto de recusar uma marcha atrás, em direcção dum
Marxismo que já deu tudo o que tinha para dar. Não podemos esquecer que o
Marxismo nasceu como contraposição ao sistema capitalismo: lógico que,
com a queda do segundo, também o primeiro fique ultrapassado.
Todavia há uma contradição: Wallerstein reconhece a existência duma
elite que geriu o sistema ao longo de 500 anos. Mas o mesmo sociólogo
não cita quais poderiam ser a futuras escolhas desta mesma elite.
Temos de assumir que a classe dominante possa ficar atropelada pela
ruína do sistema que geriu? Tão simples como isso? Ou, pelo contrário,
não será que as elites, conscientes da condição de irremediável fraqueza
do actual sistema, prefiram organizar já o que será amanhã?
E teremos uma passagens directa, embora lenta, dum sistema para outro ou haverá sistemas intercalares?
E o papel dos povos? Bem faz Wallerstein a não considerar em demasia os
povos, pois até agora o papel deles foi secundário: mas hoje falamos de 7
biliões de pessoas.
E se é verdade que o número neste caso não reflecte o real poder, podemos excluir
a priori um "estremecimento" do tal "99%" farto do "1%"?
Talvez não, talvez não podemos esperar nada disso. E a actual letargia parece o sintoma mais evidente.
Mas já abriu-se uma época dominada por grandes incertezas.
O velho mundo entrou na derradeira fase de decadência.
E no horizonte ainda não se vislumbra nada de novo.
Ipse dixit.
Fonte:
Voltairenet