domingo, 10 de agosto de 2014

Washington ameaça o mundo.


Dr. Paul Craig Roberts


9 de agosto de 2014
Tradução: mberublue


Desencadear o mal no mundo. Esta é a conseqüência das intervenções irresponsáveis e imprudentes de Washington em vários países, a saber: Iraque, Líbia e Síria, entre outros. Sob o governo Saddam, Kadaffi e Assad as várias seitas existentes no Oriente Médio viviam em paz. Hoje, massacram uns aos outros, enquanto um novo grupo, o DAASH, ou EI, ou ISIL ou ISIS, está em pleno processo de criação de um novo Estado, com pedaços do Iraque e da Síria.


Milhões de mortes já acontecidas e mortes incalculáveis no futuro são o que fizeram o regime de Bush e Obama pela turbulência causada no Oriente Médio. Neste exato momento em que escrevo, 40.000 iraquianos estão presos no topo de uma montanha, sem água, a esperar a morte nas mãos do EI, que vem a ser uma criação da intromissão dos EUA.

A realidade atual no Oriente Médio está em enorme contradição com o pronunciamento de George W. Bush no Porta Aviões Abraham Lincoln, dos EUA, quando declarou: “Missão Cumprida”, em maio de 2003. A verdadeira missão realizada por Washington foi destruir o Oriente Médio e a vida de milhões de pessoas, destruindo também no processo a reputação dos Estados Unidos. É graças ao regime demoníaco e neoconservador de Bush que os Estados Unidos são hoje considerados universalmente como a maior ameaça à paz mundial.  

O padrão foi fornecido pelo regime Clinton, com o ataque à Sérvia. Bush apenas incrementou a barbárie com a agressão nua de Washington contra o Afeganistão, travestindo-a, em linguagem Orwelliana, de “Operação Liberdade Duradoura”.


Para o Afeganistão, Washington não trouxe a liberdade, mas a ruína. Depois de treze anos explodindo o país, os EUA estão em retirada. O “superpoder” foi derrotado por alguns milhares de talebãs levemente armados, porém Washington larga para trás um deserto para o qual não quer assumir qualquer responsabilidade.

Outra interminável fonte de sofrimento no Oriente Médio é Israel, cujo roubo da Palestina foi permitido e apoiado pelos Estados Unidos. No transcorrer dos últimos ataques de Israel a civis em Gaza, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma resolução em apoio aos crimes de guerra de Israel e votaram pelo fornecimento de mais centenas de milhões de dólares para pagar as munições gastas por Israel. Estamos neste momento testemunhando a Moral Americana, que apóia 100% a indefensáveis e inegáveis crimes de guerra, cometidos essencialmente contra civis desarmados e impossibilitados de se defender.

Quando Israel assassina mulheres e crianças, os Estados Unidos denominam isso como “o direito que Israel tem de defender o próprio país”. O mesmo país ao qual Israel roubou dos palestinos. Mas se os palestinos retaliam, Washington os chama de “terroristas”. Apoiando Israel, os EUA declaram seu apoio a um Estado Terrorista. Porque ainda existem alguns governos morais, Israel foi acusado de crimes de guerra pelo Secretário Geral da ONU, e os Estados Unidos violam suas próprias leis ao apoiar esse Estado Terrorista.

Mas não há surpresa nisso, tendo em vista que os EUA são os líderes entre todos os Estados Terroristas e, portanto, sob a Lei dos Estados Unidos, Washington está exercendo ilegalmente o poder. Mas é sabido que Washington não aceita nem leis nacionais nem internacionais, nem qualquer restrição às suas ações. Washington é “excepcional, indispensável”. Ninguém mais será levado em conta. Nem lei, nem Constituição, nenhuma consideração humana tem autoridade para contrariar Washington em suas vontades. Washington chega a superar o Terceiro Reich com suas afirmações.

Por mais temerária e horrível que seja a imprudência de Washington em relação ao Oriente Médio, a que ostenta atualmente em relação à Rússia está vários pontos acima. Os EUA acabaram por convencer a Rússia de que Washington está a planejar um primeiro ataque nuclear. Em resposta, a Rússia está reforçando suas forças nucleares e ao mesmo tempo, testa as forças nucleares americanas, assim como as reações de seu sistema de defesa: http://freebeacon.com/national-security/russian-strategic-bombers-conduct-more-than-16-incursions-of-u-s-air-defense-zones/

É muito difícil imaginar ato mais irresponsável que levar a Rússia a acreditar que Washington pretende lançar contra os russos um primeiro ataque nuclear preventivo. Um dos conselheiros de Putin explicou à mídia russa as intenções de Washington de um primeiro ataque preventivo e um membro da Duma (Parlamento) russa fez uma explanação documentada do que seria esse primeiro ataque preventivo de Washington:http://financearmageddon.blogspot.co.uk/2014/07/official-warning-u-s-to-hit-russia-with.html 


Pela acumulação de provas, eu tenho salientado em minha coluna que, para a Rússia, é impossível deixar de chegar a essa conclusão.

 A China está consciente de que enfrenta a mesma ameaça da parte de Washington. http://yalejournal.org/2013/06/12/who-authorized-preparations-for-war-with-china/ A resposta da China aos planos de guerra de Washington foi a demonstração de como as forças nucleares chinesas seriam usadas no contra ataque, causando a destruição dos Estados Unidos. A China tornou tudo isso público, na esperança de criar uma oposição nos Estados Unidos aos planos de Washington contra a China: http://www.dailymail.co.uk/news/article-2484334/China-boasts-new-submarine-fleet-capable-launching-nuclear-warheads-cities-United-States.html Assim como a Rússia, a China é um país em ascensão e a última coisa de que precisa para ter sucesso é uma guerra.

O único país que necessita urgentemente de uma guerra é Washington, e isso acontece porque o objetivo de Washington é o exercício de uma hegemonia neoconservadora estadunidense sobre o mundo.

Antes dos regimes de Bush e Obama, todos os presidentes anteriores dos Estados Unidos envidaram seus melhores esforços em prevenir uma ameaça de guerra nuclear. A doutrina de guerra nuclear americana sempre se limitou a uma retaliação caso os Estados Unidos fossem alvo de um ataque nuclear. O objetivo das forças nucleares sempre foi evitar o uso dessas armas. O regime imprudente de George W. Bush destruiu essa política de contenção elevando as armas nucleares a um patamar de primeiro ataque preventivo. O objetivo primordial da administração Reagan foi o fim da guerra fria e por consequência,  o fim da ameaça de guerra nuclear. Os regimes de George W. Bush, juntamente com o regime de Obama, promovendo a demonização da Rússia, já derrubaram o feito único e brilhante do presidente Reagan, e acabaram por tornar novamente possível a guerra nuclear.


Quando o governo incompetente de Obama decidiu derrubar o governante democraticamente eleito da Ucrânia, trocando-o por um governo fantoche escolhido por Washington, o Departamento de Estado de Obama, que por sua vez é fantoche de ideólogos neoconservadores, acabou por se esquecer que o leste e o sul da Ucrânia são compostos por antigas províncias russas que foram alocadas à República Soviética Socialista da Ucrânia por líderes do Partido Comunista quando a Ucrânia e a Rússia eram parte de um mesmo país, a União Soviética. A seguir, quando os idiotas russófobos que Washington instalou em Kiev demonstraram não apenas por palavras, mas também por atos sua hostilidade agressiva em relação à população russa, as antigas províncias russas declararam seu desejo de tornar a fazer parte da mãe Rússia. Não há surpresa nisso, nem pode ser atribuída qualquer culpa à Rússia por esse fato.

A Criméia teve sucesso em retornar à Rússia, da qual fazia parte desde 1700, mas Putin, talvez na esperança de desarmar a propaganda de guerra manipulada que Washington disparava contra ele, não aceitou a solicitação das outras antigas províncias russas. Em consequência, os fantoches de Washington em Kiev se sentiram livres para atacar as pessoas que protestavam nas províncias, copiando a política de Israel de atacar a população, as residências e a infraestrutra civil.
A mídia prostituta do ocidente deixou os fatos de lado e prontamente acusou a Rússia de anexar partes da Ucrânia. Mentira absurda, só comparável com as mentiras ditas pelo Secretário de Estado Colin Powell na ONU, quando falou sobre as supostas armas de destruição em massa do Iraque, tudo para favorecer o regime criminoso de Bush. Mais tarde, Powell pediu desculpas pela mentira, mas isso de nada adiantou ao Iraque e às centenas de milhares de vítimas, destruídas por suas mentiras.

Quando o avião da Malásia foi abatido, antes de se conhecer quaisquer fatos, a Rússia foi responsabilizada. A mídia britânica foi especialmente virulenta em culpar a Rússia quase no mesmo instante em que se soube que o avião fora derrubado. As deturpações grosseiras e mentiras deslavadas  da BBC e da American National Public Radio só foram superadas como propaganda manipulada pelo Daily Mail. Tudo leva a crer que a “notícia” e sua propagação foi adrede orquestrada o que sugere, é claro, que Washington estava por trás de tudo.

As mortes provocadas pela queda do avião se tornaram armas propagandísticas importantes para Washington. Claro que se trata de uma infelicidade a morte de 290 vítimas, mas eles são apenas uma fração do número de palestinos mortos, no mesmo instante sem provocar qualquer rumor ou protesto nem de governos, nem dos povos ocidentais nas ruas, e os poucos que protestaram contra Israel foram convenientemente reprimidos pelas forças de segurança ocidentais.

A queda do avião, provavelmente provocada por Washington, foi usada como mais uma desculpa para nova rodada de “sanções e pressão” dos Estados Unidos, às quais se juntaram mais sanções de seus fantoches europeus.

Como Washington depende de acusações e insinuações, se recusa a liberar as provas a partir de fotos de satélite, porque tais fotos desmentiriam a versão dada pelos EUA. Fato. Não se permite qualquer tipo de interferência contra a demonização que Washington promove contra a Rússia, da mesma forma que não se permitiu que qualquer fato interferisse contra a demonização promovida por Washington contra o Iraque, a Líbia, a Síria, o Irã.

Vinte e dois senadores dos Estados Unidos, irresponsáveis e imprudentes, deram forma ao “Ato Preventivo 2014 sobre a Agressão Russa”. O projeto de Lei/2277 do Senado dos Estados Unidos patrocinado pelo Senador Bob Corcker, representa bem a ignorância e estupidez que assola a maioria da população dos Estados Unidos ou da maioria dos eleitores do Estado do Tennessee. O Projeto de Lei de Corcker é uma peça dementada de legislação destinada a promover uma guerra que muito provavelmente não deixará sobreviventes. Aparentemente os eleitores imbecis dos Estados Unidos elegerão qualquer idiota para o poder.

A convicção de que a Rússia é responsável pela queda do avião da Malásia tornou-se verdade incontestável nas capitais do ocidente, mesmo sem qualquer farrapo de evidência de que tal afirmação é verdade. Convenhamos, mesmo que a acusação fosse verdadeira, a queda de um avião é motivo para deflagrar uma Guerra Mundial?

O Comitê de Defesa do Reino Unido concluiu que o reino quebrado e seu exército impotente devem “concentrar-se na defesa da Europa contra a Rússia.” Batendo os tambores da despesas militares, se não os da própria guerra, o Reino Unido quer levar todo o ocidente em sua companhia. Uma Bretanha impotente quer defender a Europa de uma ameaça que não existe, mesmo estridulamente proclamada, de ataque do urso russo.

Alertas são emitidos por dignitários militares da OTAN e dos Estados Unidos, assim como do chefe do Pentágono, tudo baseado na alegada mas não existente presença de tropas russas na fronteira com a Ucrânia. De acordo com o Ministério de Propaganda Manipulada do ocidente, caso a Rússia defenda a população na Ucrânia dos ataques militares desfechados pelos fantoches de Washington em Kiev, isso se constitui em prova de que a Rússia é o vilão.

A campanha de propaganda mentirosa de Washington teve sucesso em transformar a Rússia em uma ameaça. Pesquisas demonstram que 69% dos estadunidenses hoje vêem a Rússia como uma ameaça, e que a confiança dos russos nos líderes americanos desapareceu. Os russos e seu governo percebem uma demonização idêntica contra o seu país e seu líder, como observaram em relação ao Iraque e Saddam Hussein, contra a Líbia e Muammar Kadaffi, contra a Síria e Assad, e contra o Afeganistão e o Taleban, imediatamente antes de serem seus países tomados de assalto pelo ocidente. Para um russo, a conclusão óbvia, a evidência gritante é que Washington pretende fazer a guerra contra a Rússia.

A irresponsabilidade e a imprudência do regime de Obama não tem precedentes, na minha opinião. Nunca antes houve nos Estados Unidos ou em qualquer outra potência nuclear, um governo que fosse tão longe em seus esforços para convencer outra potência nuclear de que seu poder estava sendo preparado para um ataque. Imaginar ato tão provocativo e mais perigoso para a vida no planeta Terra é muito difícil. Indubitavelmente, o louco da Casa Branca duplicou esse perigo, convencendo ao mesmo tempo a Rússia e a China de que os Estados Unidos preparam um primeiro ataque nuclear preventivo contra ambos.

Os republicanos querem processar ou impichar (conforme Dicionário Aulete - NT) Obama por assuntos relativamente desimportantes como o ObamaCare. Por que os republicanos não impicham Obama por causa de um assunto tão crucial como submeter o mundo ao risco de um armagedom?

A resposta está no fato de que os republicanos são tão insanos quanto os democratas. Seus líderes, como John McCain e Lindsay Graham, estão determinados a “levantar-se contra os russos!”. Para onde quer que se olhe para os políticos estadunidenses, só se vê gente louca, psicopatas e sociopatas que não deveriam estar ocupando um cargo político.

Washington mandou a diplomacia às favas há longo tempo. Washington baseia-se na força e na intimidação. O governo dos Estados Unidos é totalmente desprovido de bom senso. Não é por outra causa que uma pesquisa efetuada no resto do mundo considera que o governo dos Estados Unidos é atualmente a maior ameaça à paz mundial. Hoje (08 de agosto de 2014) Handelsblatt, o Jornal de Wall Street da Alemanha escreveu, em um editorial assinado:

“A tendência demonstrada pelos Estados Unidos de transformar uma escalada verbal em escalada militar – o isolamento, demonização e ataque aos inimigos – mostrou-se ineficaz. O último grande sucesso militar em ação dos Estados Unidos aconteceu na invasão da Normandia (em 1944). Todos os outros – Coréia, Vietnã, Iraque e Afeganistão – acabaram em claro fracasso. Mover unidades da OTAN através da fronteira Polonesa para perto da Rússia e pensar em armar a Ucrânia não passa da continuação da política de contar com os meios militares em detrimento da diplomacia.”

Os Estados fantoches de Washington – toda a Europa, Japão, Canadá e Austrália – permitem um perigo inigualável ao mundo todo através de seu apoio à agenda de Washington: continuar a exercer sua hegemonia sobre o mundo inteiro.

Acaba de acontecer o 100º aniversário da Primeira Guerra Mundial. Hoje, repete-se a loucura que causou aquela guerra calamitosa. A Primeira Guerra Mundial destruiu o mundo ocidental civilizado, e foi causado por um punhado de conspiradores. O resultado foi Lenin, a União Soviética, Hitler, o nascimento e crescimento do Império Americano, Coréia, Vietnã, intervenções militares que acabaram na criação do EI (ISIL, DAASH) e agora está sendo recriado o conflito entre Rússia e Estados Unidos, que o presidente Reagan e Mikhail Gorbachev haviam sepultado.

Como já salientou Stephen Starr em meu site, se apenas 10% das armas nucleares do arsenal dos Estados Unidos e da Rússia forem usados, a vida na Terra acabará.

Caros leitores, perguntem a vocês mesmos, quando foi que Washington falou qualquer coisa que não fosse uma mentira? As mentiras de Washington já causaram milhões de mortes. Você quer se tornar mais uma vítima dessas mentiras?

Você acha que vale a pena o risco de acabar com a vida na Terra por causa das mentiras de Washington sobre a queda do avião da Malásia e sobre a Ucrânia? Existe alguém ingênuo o suficiente para acreditar que Washington não mente sobre a Ucrânia da mesma forma que mentiu sobre as armas de destruição em massa de Hussein, sobre as bombas iranianas e sobre o uso por Assad de armas químicas?

Você não acha que a influência noeconservadora que prevalece hoje em Washington, independentemente do partido político no poder, é muito perigosa para ser tolerada?

Paul Craig Roberts (nascido em 03 de abril de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators Syndicate. Serviu como secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan e foi destacado como um co-fundador da ReaganomicsEx-editor e colunista do Wall Street JournalBusiness Week e Scripps Howard News ServiceTestemunhou perante comissões do Congresso em 30 ocasiões em questões de política econômica. Durante o século XXI, Roberts tem frequentemente publicado em Counterpunch e no Information Clearing House, escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a proteção das liberdades civis dos americanos da Constituição dos EUA, tais como habeas corpus e o devido processo legal. Tem tomado posições diferentes de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as drogas e a guerra contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel contra os palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da Geórgia e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, com pós-graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford University.

Tradução: mberublue

sábado, 9 de agosto de 2014

Sakamoto - Todo poder emana do povo (Mas não conte para o povo, ok?) Notícias de ontem.

Texto de Leonardo Sakamoto.
Muitas críticas têm sido lançadas contra o decreto presidencial que cria a Política Nacional de Participação Social, que tem por objetivo desenvolver mecanismos para acompanhar, monitorar, avaliar e articular políticas públicas.
Sim, o assunto é chato pra diabo. Mas é que feito fatura de cartão de crédito: se você não gastar uns minutos tentando entender aquele bando de números que parecem aleatórios, mais dia, menos dia, será enganado e nem perceberá.
Nunca uso um meme para começar um texto. É contra meus princípios. Mas diante da miríade de declarações de nobres deputados e senadores, dando voltas e voltas para construir justificativas estranhas, dizendo que garantir instrumentos de participação social é assassinar a nossa democracia, acho que vale a pena abrir uma exceção.
xovem2

Existe uma parcela dos leitores que, neste momento, chegaram à conclusão: “nossa, ele está defendendo a Dilma e o PT!” – como se alguma agremiação pudesse ter o monopólio da participação social. A partir de agora, não importa que eu diga que não estou defendendo ninguém, que isso é uma discussão de Estado não de governo, eles já se encontram na caixa de comentários se lambuzando. Como estou praticando a abstinência de comentários de blogs, não faço ideia ou questão do que vão escrever. Para os outros, porém, vale explicar meu ponto de vista.
Minha crítica é oposta a de outros colegas da mídia. Acho o decreto presidencial tímido demais, quase envergonhado. E vem tarde: afinal tudo o que ele organiza está previsto na Constituição Federal (aquele documento de 1988 que ninguém gosta de levar muito a sério) e não avança tanto quanto seria necessário, nem responde a demandas das manifestações de junho do ano passado – como veremos adiante.
Portanto, prefiro encará-lo como um primeiro passo para corrigir um desvio histórico de rumo, mais do que um produto acabado.
O decreto 8243/2014 não troca a democracia representativa pela direta em nosso país. Até porque não somos uma sociedade suficientemente desenvolvida, com acesso pleno à informação e consciência de seus direitos e deveres para aposentar nossos representantes. Isso é um sonho ainda distante.
Este decreto não cria instâncias, órgãos e cargos automaticamente, não diminui atribuições do Congresso Nacional ou interfere em outro poderes e não centraliza o controle da sociedade civil em “ONGs decididas a implantar o regime cubano no Brasil'' (hehehe, o povo é criativo na internet…).
O mais engraçado é que boa parte da própria base do governo no Parlamento não entendeu patavinas e nem consegue defender a ideia lá presente. Não entendeu ou não concorda, claro.
O pior é que esse debate é bizantino. Levando a sério alguns discursos que estão circulando nos plenários da Câmara e do Senado e em algumas páginas da imprensa, não poderíamos ter orçamento participativo, conselhos ligados à defesa dos direitos humanos (responsáveis por monitorar políticas como a de combate ao trabalho infantil), muito menos conselhos ligados à educação e saúde – bandeiras importantes de parlamentares ligados ao PSB, PSDB, PT, entre outros, durante a redemocratização.
Aliás, um deputado do PSDB, que tem uma luta histórica junto aos movimentos de saúde, me disse, nesta segunda, que a tese que já defendi aqui – de que ano eleitoral é péssimo para evoluir como sociedade porque ninguém ouve ninguém – pode ser comprovada pelos ataques a essa política.
Conselhos são um espaço em que governo e a sociedade discutem políticas públicas e sua implantação, e estão presentes desde o âmbito local – na escola, no posto de saúde – até o federal, onde reúnem representantes de entidades empresariais, organizações da sociedade e governo. Alguns são obrigatórios, exigidos por leis federais, mas cada município e estado pode criar os que julgar necessários.
Quem escolhe? Há diversas formas. O ideal é que seja por eleição, como ocorreu em São Paulo recentemente com as subprefeituras e áreas temáticas.
É óbvio que, para essas arenas de participação popular serem efetivas, precisam deter algum poder e não serem apenas locais de discussão e aconselhamento. E isso gera conflito entre novas instâncias de representação e as convencionais.
Afinal, senadores, deputados, vereadores, membros das esferas federal estadual e municipal e quem sistematicamente ganha com a proximidade a eles, enfim, o grupo de poder estabelecido, tendem a não gostar da ideia de ver outros atores ganharem influência, outros que não fazem parte do joguinho. Há gente que teme, com o monitoramento por parte do povo, ficar sem o instrumento clientelista de poder asfaltar uma determinada rua e não outra, empregar conhecidos e correligionários.
Durante décadas, brigamos para a implantação de instâncias de participação popular. E, agora, que elas começam a ser discutidos em determinados espaços, ainda que de forma tímida e por conta de intensa pressão social, as propostas correm o risco de serem congeladas por medidas em tramitação no Congresso e ações diretas de inconstitucionalidade.
E olha que nem estamos discutindo o vespeiro real. Pois, mesmo que tudo isso aproxime as pessoas da gestão de suas comunidades, os conselhos ainda são espaços de representatividade e não de participação direta.
Com o desenvolvimento de plataformas de construção e reconstrução da realidade na internet, as possibilidades de interação popular deram um salto.
Se tomarmos, por exemplo, as experiências de “democracia líquida'' envolvendo os Partidos Piratas na Europa – com seus sistemas que utilizam representantes eleitos pelo voto direto, mas também ferramentas possibilitando ao eleitor desse representante  ajudá-lo a construir propostas e posicionamentos de votação a partir do sofá de sua sala – percebemos que há um longo caminho a percorrer. Podemos chegar a um momento em que a representação política convencional se esvazie de sentido. Não é agora, nem com esse decreto. Mas, quem sabe, com um sociedade menos tacanha, no futuro…
Como já disse neste espaço, muitos desses jovens que foram às ruas em junho do ano passado, reivindicando participar ativamente da política não estavam pedindo a mudança do sistema proporcional para o distrital puro ou misto. Queriam mais formas de interferir diretamente nos rumos da ação política de sua cidade, estado ou país. Mas não da mesma forma que as gerações de seus pais e avós. Porque, naquela época, ninguém em sã consciência poderia supor que criaríamos outra camada de relacionamento social, que ignorasse distância e catalisasse processos. Pois, quando a pessoa está atuando através de uma rede social, não reporta simplesmente. Inventa, articula, muda. Vive.
Por isso, a molecada acha estranho quando alguém reclama com um “sai já da internet''. Como assim? – pensam eles. É como falar: “saiam já deste planeta''. Não dá, não é outra vida, é a mesma. Ele ou ela está lá, mas está aqui. Ao mesmo tempo. Os pais piram, mas é simples assim.
Então, para essa geração não é estranho que as plataformas digitais sejam usadas na discussão política, no debate de alternativas e, por que não, no processo de construção política e mesmo de eleição. Estranho é não usar essas ferramentas. Por que eu preciso ir até uma reunião com meu representante distrital, meu vereador, deputado, senador, se há maneiras mais fáceis, rápidas e interessantes que podem ser usadas na internet para isso? Por que fazer política tem que ser chato?
Não estou falando apenas das redes sociais convencionais. Mas há muita tecnologia  interessante sendo desenvolvida para esse fim que a maioria de nós desconhece (com exceção de quem está por dentro da cultura hacker, é claro) por falta de discussões sérias sobre o assunto.
Sei que não é possível adotar e universalizar processos digitais de participação direta imediatamente. Isso demanda algumas ações prévias. Por exemplo, reduzir o analfabetismo digital no Brasil, concentrado não na faixa de renda mais baixa, mas na faixa etária mais alta. Isso sem contar a ampliação da qualidade da educação formal e, mais importante que isso, da conscientização de que cada um é o protagonista de sua própria história.
Ou seja, plebiscitos, referendos, projetos de iniciativas populares, conselhos com representantes por tema ou distrito são os primeiros passos, não os últimos. Com a próxima geração, a política será radicalmente transformada pela mudança tecnológica. Participar do rumo das coisas a cada quatro anos não será mais suficiente. Pois, em verdade, nunca foi. Iremos participar em tempo real.
Por fim, aos líderes políticos, econômicos e sociais que gostam mais do cheiro da antiga naftalina do que de gente, vale um lembrete:
“Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.'' Constituição Federal, artigo 1o, parágrafo único.