sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Curitiba. Juiz federal Friedmann Anderson Wendpap diz que a propina da Lava Jato não gerou dano ao erário.

Reprodução


Postado por Simone de Moraes.
Não se pode considerar o pagamento da vantagem indevida como dano ao erário, por uma singela razão: ainda que tenha sido fixada com base no valor do contrato, a propina foi paga pelas próprias empreiteiras, e não pela Administração Pública”.
A afirmação é do juiz federal Friedmann Anderson Wendpap, da 1ª Vara Federal de Curitiba, ao analisar uma ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Federal, no âmbito da Operação Lava Jato, contra o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, a Galvão Engenharia e ex-executivos da empresa.
Segundo Wendpap, “o que a Petrobras pagou, em verdade, foi o preço do contrato e em razão de um serviço que, em tese, foi realizado a contento. Logo, o pagamento da propina não implica, ipso facto, dano ao erário, mas desvantagem, em tese, às próprias contratadas.”
Para o juiz, o dano ao erário nas ações ligadas à Operação Lava Jato podem ter decorrido pelo superfaturamento de contratos, mas não pela propina. Segundo o MP, as investigações do esquema de corrupção da Petrobras apontam que a vantagem indevida alçava o patamar de 3% sobre o valor de cada contrato, incluindo, por vezes, aditivos.
No caso em questão, o valor da propina teria alcançado o valor de R$ 75.640.231,62, sendo que os procuradores da República pedem que o valor seja devolvido aos cofres públicos.
Na decisão, Wendpap afirmou que “o raciocínio puramente silogístico não é suficiente para inferir que o erário teria sido lesado em cada contrato para cuja celebração teria havido o pagamento de propina.”
“Fazendo analogia com o direito tributário, o raciocínio é mais ou menos o seguinte: paga­sse imposto de renda (ou, no caso, a propina), cuja base de cálculo é a renda (no caso, o valor do contrato). Entretanto, embora tenham como base de cálculo o ingresso do patrimônio, nem o imposto, nem a propina simbolizam vantagem obtida pelo contribuinte ou pelo contratado, respectivamente, mas gasto destinado ora ao Fisco (no caso da tributação, ato lícito), ora aos agentes públicos (no caso da propina, ato ilícito).
O juiz identificou “carência de pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo no que diz respeito ao pedido de ressarcimento de dano ao erário e ao dano moral coletivo” e determinou a abertura de prazos para que acusados, Petrobras, União e MPF se manifestem sobre decisão de saneamento da ação de improbidade.
Wendpap apontou seis pontos controversos na ação de improbidade, entre eles 
: a Galvão Engenharia teria composto o cartel de empresas destinado a participar das licitações de grandes obras da Petrobras?  Como teria ocorrido eventual pagamento dessa vantagem indevida, por contratos de consultoria e/ou por dinheiro em espécie?.
Márcio Falcão – De Brasília para o Jota

As “soluções” desonestas do governo federal para a crise penitenciária.

por Felipe Athayde Lins de Melo e Victor Martins Pimenta.

Sem ouvir a sociedade civil e sem levar em consideração os estudos de especialistas, Temer e Alexandre de Moraes persistirão na lógica de operação que só contribuirá para ampliar o problema. 

                                                       Ilustração Junião/Ponte Jornalismo


Vivemos hoje um dos mais delicados momentos da dispersa “história” de nosso aparato prisional. Se os 111 assassinados do Carandiru formam, ainda, o número mais expressivo da violência institucional que vige nas prisões brasileiras, a ideia de que “não havia nenhum santo” entre os mortos do Dia da Confraternização Universal, na penitenciária em Manaus, prenuncia que nossa tragédia pode ser ainda maior.
Muito já se falou, muito foi analisado. Desde a “guerra de facções”, os descasos do Estado, a conhecida permanência dos maus-tratos e violações de direitos, a falta de recursos físicos, materiais e humanos, a falta de investimento na formação e nas condições de trabalho dos servidores penais e, sobretudo, a ausência ostensiva do Estado em fazer cumprir a legislação penal. Tudo isso faz do complexo aparato prisional brasileiro um ambiente propício para a produção e reprodução de cenas de horror e ódio.
O Brasil possui mais de 1.400 estabelecimentos prisionais, cada qual administrado conforme o entendimento e as possibilidades de sua equipe dirigente. Inexiste uma linha condutora que permita caracterizar um modo de administrá-los. E no vácuo criado por essa ausência, somado à necessidade de resistir à presença perversa da violência institucional – principal forma por meio da qual o Estado se faz existir no cotidiano das prisões – os diversos grupos criminais se impuseram como ator relevante na administração prisional, regulando as rotinas e comportamentos e disputando a legitimidade no controle dos estabelecimentos.
Agora, diante da tragédia e na iminência de novos acontecimentos, o Governo Federal, por meio do Ministério da Justiça, anuncia um pacote de “soluções” equivocadas e desonestas, prometendo enfrentar a caótica situação carcerária com mais prisões, mais ausências e mais terreno para fazer crescer o próprio problema que espera enfrentar. No enredo apresentado, a narrativa de que o Brasil “prende muito e prende mal” acaba por servir a tudo, inclusive para prender mais e pior ainda.
Vejamos como isso se dá, olhando para quatro medidas divulgadas pelo governo federal e para a tragédia que elas anunciam:
Agravamento da pena para “criminosos perigosos”
O Ministério da Justiça definiu a meta de reduzir em até 15% a superlotação carcerária. No entanto, ao mesmo tempo em que apresenta essa meta, propõe também uma alteração legislativa que irá, contraditoriamente, aumentar o tempo de encarceramento, em regime fechado, de presos por crimes cometidos “com violência ou grave ameaça”. A proposta é aumentar o lapso de cumprimento de pena para progressão de regime, de 1/6 (um sexto) para 1/2 (metade).
Sabe-se que há um déficit de mais de 200 mil vagas nas prisões brasileiras; sabe-se, ainda, que cerca de 40% das pessoas privadas de liberdade sequer foram condenadas pela Justiça, estando presas em regime provisório. Penas mais duras, com prolongamento do tempo em regime fechado, representarão uma perda ainda maior da vinculação social entre as pessoas privadas de liberdade, seus familiares e outras esferas da sociedade, significando menores chances de retomada do convívio em liberdade civil.
Ou seja: mais tempo de encarceramento, em unidades prisionais cuja tônica do atendimento penitenciário se dá pela escassez de serviços e assistências, tende a contribuir para a vinculação dos indivíduos com o crime, reproduzindo a violência que se espera enfrentar. De quebra, encherá ainda mais as já superlotadas prisões do país, piorando as condições de custódia e de garantia de direitos mínimos para as pessoas presas.
Segundo o ministro da Justiça Alexandre de Moraes, o agravamento da pena se aplicaria apenas para “criminosos mais perigosos”, aqueles que praticaram crimes com violência ou grave ameaça. Mas, como indica o próprio diagnóstico apresentado pelo ministro, o crime praticado “com violência ou grave ameaça” que mais encarcera no país é justamente o… roubo. Este sozinho representa 25% dos crimes pelos quais as pessoas presas estão condenadas ou respondendo a processo, conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional.
A prisão não resolve e só piora as coisas, isso já está claro. Mas, mesmo para quem gosta da prisão, que delitos se está de fato querendo punir?
Cena 1 – “a pena ficou mais dura”
Moraes é um jovem estudante de uma faculdade particular no interior de São Paulo. Nos deslumbramentos típicos de juventude, Moraes se envolveu, junto com um grupo de amigos, no consumo de cocaína. “Para alegrar as noites e festas”, costumava dizer. A dependência química, aliada à insuficiência de recursos para adquirir a droga, levou Moraes às esquinas da cidade: “Anda, anda, me passa o celular”, foi o grito que deu ao perceber o vidro do carro abaixado, tomando o celular e a bolsa de uma bem-sucedida comerciante da cidade. Sem histórico no crime ou envolvimento com quaisquer organizações, Moraes foi preso minutos depois pela viatura da PM que fazia a ronda na região. Preso por roubo, ouviria do delegado de plantão:
– Aê malandro, agora vai mofar na cadeia, a pena ficou mais dura.
Novas vagas em presídios estaduais
A abertura de 27 mil vagas em novos presídios estaduais foi descrita como estratégia importante para melhoria das condições de encarceramento. Será? Com o fluxo de entrada de pessoas nas prisões muito superior aos índices de soltura ou progressão de pena, o problema do Brasil certamente não é o baixo número de vagas em prisões. 
Pelo contrário: o país já possui 371.884 vagas no sistema penitenciário, o suficiente para manter, sem superlotação alguma, uma taxa de encarceramento de 183,4 pessoas presas por 100 mil habitantes (a média da taxa de encarceramento mundial é de 144). A questão é que prendemos demais – temos mais de 300 presos para cada 100 mil habitantes, mais do que o dobro da média do mundo.
Longe de configurar uma estratégia de redução do encarceramento, a abertura de novas vagas tende a produzir mais aprisionamento, uma vez que não enfrenta um aspecto crucial das políticas de segurança pública executadas nos estados, a saber, o uso da prisão como medida punitiva primordial.
Com o fluxo de entrada de pessoas nas prisões muito superior aos índices de soltura ou progressão de pena, o problema do Brasil certamente não é o baixo número de vagas em prisões.
A abertura de novas vagas possui a força simbólica de incentivar mais prisões, em nada contribuindo para a melhoria das condições de encarceramento. Quer dizer, ao construir mais cadeias, o Estado brasileiro não só oferece a estrutura física para a expansão da já enorme população prisional do país, como também passa um recado aos diversos agentes que operam o sistema penal (juízes, promotores, policiais): “podem prender mais”.
Como assim?
Cena 2 – “traz eles na semana que vem”
Michel é policial militar. Mora na periferia da cidade, território onde convive com vários indivíduos que “precisa combater”. E Michel não se escusa de enfrentá-los, sobretudo quando se depara com aqueles jovens de roupas suspeitas, com visual típico dos “manos”. Michel gosta, particularmente, dos dias produtivos, aqueles em que encontra grupos desses garotos em atitudes suspeitas.
Não foi diferente naquela quinta-feira, quando, passando em frente à escola do bairro, Michel avistou dois garotos vestidos com bermudões, camisas largas e bonés, apesar do clima ameno da manhã de inverno, que o fizera sair de casa com o casaco de frio do uniforme policial. A abordagem seguiu o procedimento padrão: um toque de sirene, a porta da viatura que se abre e os policiais saltando do carro com armas na mão.
Minutos depois a viatura estaciona no pátio da delegacia, onde os garotos serão apresentados ao delegado. A acusação: tráfico de drogas. A prova: um papelote de maconha, suficiente para “enrolar dois ou três baseados”, dirá um dos detidos.
Mas naquele dia o delegado tem outras preocupações: as celas do DP estavam superlotadas, devido à remoção dos presos de uma unidade local onde, na noite anterior, uma rebelião destruíra algumas celas, que precisarão ser reformadas.
– Cacete, Michel! Não tá sabendo do que tá pegando? Você vem me trazer esses dois pés-rapados aqui na delegacia? Não tenho onde pôr esses moleques, porra!
A reação do delegado desagradou Michel, que pensara estar apenas no cumprimento de seu dever.
– Solta esses moleques e traz eles na semana que vem, diz o delegado.
– Ahn?
– Isso, se derem vacilo, traz de novo na semana que vem. Vai inaugurar três cadeias de uma vez só.
Construção de cinco presídios federais
O Brasil possui hoje quatro presídios federais, originalmente concebidos para abrigar líderes de grupos criminais e lideranças identificadas em ações de enfrentamento ao Estado. Há um quinto presídio em construção, sediado em Brasília. Trata-se de um regime de exceção, para detenção das pessoas por tempo limitado. Os presídios federais, portanto, devem atender a condições específicas, não sendo um local para cumprimento de pena, mas para apoio aos entes federativos em situações de emergência.
Agora, o governo não quer apenas construir novas unidades estaduais, visando à diminuição do “déficit de vagas”. Com o recurso todo que foi “liberado” pelo Supremo Tribunal Federal para o Fundo Penitenciário Nacional, foi anunciada a construção de cinco novos presídios federais. Isso mesmo: o governo anunciou que quer dobrar o tamanho do sistema penitenciário federal.
Qual o erro?
Cena 3 – “Volta pra casa como liderança”
Alexandre é agente penitenciário federal. Todas as sextas-feiras, quando não está no plantão, ele se reúne com amigos para uma cerveja. Naquele dia, o assunto era a crise no sistema prisional e o plano do governo federal. Os amigos queriam entender como o governo solucionaria os problemas que estavam sendo mostrados nos canais de TV:
– Confesso que não entendi, disse Alexandre.
– O quê?
– Construir mais penitenciárias federais.
– Como assim? Você não trabalha com isso? As prisões no país estão todas superlotadas. Precisa construir mais.
– Lotadas? Só as estaduais. As federais são para isolar lideranças e presos mais perigosos, nunca chegaram perto da sua lotação. Sobra vaga.
Os amigos se olham desconfiados.
– Mas nem é isso o pior, acrescenta Alexandre.
– O que é, então?
– O pior é que quando o cara é mandado pra cá, muitas vezes nem é o chefe, mas volta com moral pro Estado.
– Ahn?
– Passar pelo “federal” é ganhar selo de reconhecimento. O sujeito deixa de ser soldadinho do crime e vira um cara considerado. O cara volta pra casa como liderança.
Reduzir o “encarceramento desnecessário”
Essa, diz o Ministro da Justiça, seria para reduzir o “encarceramento desnecessário”. A proposta anunciada é mudar a lei e incluir a possibilidade de uma “transação penal” na própria audiência de custódia, desde que o crime imputado seja leve e tenha sido praticado sem violência ou grave ameaça. Explicamos: em tese, a partir de resolução do Conselho Nacional de Justiça e de decisão do Supremo Tribunal Federal, toda pessoa presa em flagrante deve logo ser apresentada ao juiz, em 24 horas (na prática, um pouco mais).
O juiz avalia a necessidade de se manter a prisão ou se a pessoa pode responder ao processo em liberdade. Serve ainda (também em tese) para verificar se não houve tortura ou maus-tratos no momento da prisão ou nas primeiras horas de custódia. As audiências não estão funcionando em todos os casos e nem da forma como deveriam, mas essa é outra discussão.
A proposta de Alexandre de Moraes é que, na audiência de custódia, desde que a pessoa confesse o crime que justificou sua prisão em flagrante, possa ser realizado ali um acordo com o Ministério Público, colocando fim ao processo, com a aplicação de uma pena não privativa de liberdade – por exemplo, uma prestação de serviços à comunidade.
Bom, né? Não, péssimo. Primeiro, porque a medida se refere apenas a crimes “mais brandos”, praticados sem violência, pelos quais a pessoa geralmente não responderia presa ao processo e não seria condenada à prisão. Sempre que entender que a prisão provisória é necessária, o promotor não vai apresentar a proposta de transação e ponto – não há, portanto, o tal efeito desencarcerador anunciado.
Na verdade, o efeito é o inverso: multiplicar a aplicação de sanções no atacado, com um processo industrial de conversões de prisões em flagrante de necessidade duvidosa em penas de baixo custo para o Estado, mas com alta capacidade de causar aflições e dificuldades em vidas já vulneráveis, mantendo-as sob o “controle penal” do Estado, que eventualmente as enviará para a prisão por essa ou aquela razão. O resultado final é, portanto, mais encarceramento.
Mas não é só isso. Da “quebrada” onde foi detida pela Polícia Militar, passando pela delegacia da Polícia Civil e chegando até a sala do juiz, a trajetória de uma pessoa presa em flagrante é incompatível com qualquer possibilidade de manifestação informada e soberana de consentimento para realização de uma transação, tanto mais com a “confissão” do crime, como pretende inovar o governo na proposta de lei que deverá ser enviada ao Congresso. O processo penal é cheio de defeitos, seletividades e realmente não tem ajudado muito a garantir direitos fundamentais das pessoas mais pobres, especialmente a liberdade – ainda assim, dispensá-lo no primeiro contato de uma pessoa com o sistema de Justiça, imediatamente após sua prisão, pioraria ainda mais as coisas.
Não entendeu? Última cena.
Cena 4 – “não entendi nada”
Flávia perdeu a faxina que fazia três vezes por semana. “É a crise”, disse a patroa, reclamando também da nova lei que obrigava seu registro em carteira. Com o filho ainda bebê, desesperou-se. Foi presa em flagrante, tentando fugir correndo com um pacote de fraldas que pegou da farmácia no centro da cidade. Levada até a delegacia, foi autuada por furto. Passou a noite em claro na cela apertada, com fome, pensando em como estaria o filho, que deixou com a vizinha prometendo buscar no final da tarde.
Na manhã seguinte, sem banho e ainda faminta, foi algemada e levada ao Fórum para a tal “audiência de custódia”. Na porta da sala do juiz, enquanto o policial segurava seu braço esquerdo, o defensor explicava rapidamente o que aconteceria, informando que já combinara a “transação” com o promotor e que ela poderia sair livre dali e voltar pra casa. “Não entendi nada”, pensou, mas não houve tempo para maiores explicações.
Ao entrar na sala, Flávia se depara com o juiz, o promotor e o defensor que, amigavelmente, conversam sobre o jogo da noite anterior. A audiência é rápida e logo todos assinam um papel, que é entregue para Flávia também assinar. Ao final da audiência, o juiz informa que no dia seguinte ela deverá se apresentar no cartório do Fórum. Lá uma servidora poderia lhe explicar tudo direitinho.
Dia seguinte, após longa espera na fila de atendimento, Flavia ouviria que aquela quantidade de pessoas era resultado de uma nova lei. Ela continuaria sem compreender, mas achava que tudo ia bem, pois, afinal, estava livre.
– Vim me apresentar, me falaram para trazer esse papel.
– Bom dia. Flávia, né? Deixa eu ver. Ah tá, vamos te encaminhar para a escola que fica no seu bairro, você se apresenta lá para sua prestação de serviço comunitário.
– Como assim?
– Isso. Segunda a sexta, duas horas por dia, pela manhã, até dia 18 de novembro. A diretora da escola é a Teresa, nossa parceira, ela te explica. Se apresenta na segunda-feira, já vamos deixar avisado, o endereço está aqui.
– Mas como assim? Ninguém falou disso.
– Está aqui, na transação penal. Você assinou. Se estiver com dúvidas, podemos te passar o contato do defensor público, caso você não tenha um advogado.
Flávia olha para os lados, sem acreditar.
– E quem vai ficar com meu filho?
*
Embora fictícias, todas as cenas descritas têm como base trabalhos e pesquisas de campo, ilustrando possibilidades concretas de reação do sistema penal a quatro medidas muito ruins apresentadas pelo governo de Michel Temer e Alexandre de Moraes como “solução” para os problemas na segurança pública e no sistema prisional. Além de não resolverem, como se buscou demonstrar, essas medidas agravam ainda mais a crise nessas áreas.
Parte das medidas mencionadas já está sendo implantada, como o repasse de recursos para construção de mais prisões nos Estados, por exemplo. Outras ainda são promessas, especialmente as medidas legislativas, seja para endurecer os regimes de cumprimento de pena, seja para a introduzir o instituto da “transação penal com confissão” nas audiências de custódia.
Não obstante, podemos prever que tais medidas terão forte impacto em parcelas da sociedade brasileira, especialmente para os jovens, negros e pobres que são, justamente, os grupos populacionais mais vulneráveis à violência, à criminalização e ao encarceramento. Tudo dependerá, em grande medida, da capacidade da sociedade civil de resistir às propostas que agravam a exclusão, a repressão e a violência. Não precisamos de mais prisões e de mais mortes no país.
Ao contrário das medidas anunciadas, faz-se urgente um compromisso real com a redução do número de pessoas presas no país e com políticas de inclusão e de prevenção à violência. Sem ouvir a sociedade civil e sem levar em consideração os estudos e proposições de especialistas da área, o governo seguirá com planos sem respaldo social e persistirá numa lógica de operação que só contribuirá para ampliar o problema.
De certa forma, as medidas anunciadas representam uma espécie de federalização da política que vem sendo implantada em São Paulo nas últimas décadas, que resultou na expansão do sistema prisional, na prisão de mais gente, no afastamento do Estado de suas responsabilidades no tocante aos serviços e assistências prisionais e na transformação do PCC na principal força na gestão do cotidiano das prisões, promovendo sua expansão para os demais estados da federação.
A história nos mostra que esse não é um bom caminho. Melhor será, portanto, não seguirmos por aí.
Felipe Athayde Lins de Melo é doutorando em Sociologia na Universidade Federal de São Carlos, onde integra o Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos. Autor do livro “As prisões de São Paulo: Estado e mundo do crime na gestão da reintegração social” (Alameda Casa Editorial, 2014).
Victor Martins Pimenta é graduado em Direito (USP) e em Ciência Política (UnB), é mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade de Brasília, onde desenvolveu pesquisa sobre o encarceramento no Brasil. É especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e foi Coordenador-Geral de Alternativas Penais do Ministério da Justiça (2014-2016).

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

MPMA, Funasa e UFF discutem elaboração de Planos Municipais de Saneamento Básico.

Foto Funasa Principal
Fotos: Daucyana Castro (CCOM- MPMA)

Em uma reunião realizada na tarde desta quarta-feira, 11, na sede da Procuradoria Geral de Justiça, foi apresentado ao Ministério Público do Maranhão um projeto desenvolvido pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e Universidade Federal Fluminense (UFF), que tem como objetivo fomentar a elaboração dos Planos Municipais de Saneamento Básico no estado.

Iniciado em 2014, o projeto é voltado para municípios com até 50 mil habitantes e teve, até o momento, 118 cidades interessadas em participar. Atualmente, a equipe está desenvolvendo a etapa de diagnóstico da situação dos municípios, que será seguida pelo prognóstico e, posteriormente, a elaboração das minutas de projetos de lei que instituem os Planos Municipais de Saneamento Básico.

O procurador-geral de justiça, Luiz Gonzaga Martins Coelho, observou que o Ministério Público já vem atuando na busca dos planos municipais, sendo essa uma atividade inserida no planejamento estratégico da instituição. “A iniciativa da Funasa e UFF vai ao encontro de nosso objetivo. Somaremos esforços em busca dessa importante medida de melhoria na qualidade de vida dos maranhenses”, afirmou.

Também participaram do encontro, representando o MPMA, o coordenador do Centro de Apoio Operacional de Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Cultural (CAO-UMA), Luis Fernando Cabral Barreto Junior; o diretor da Secretaria para Assuntos Institucionais, Marco Antonio Santos Amorim; e o diretor da Secretaria de Planejamento da PGJ, Raimundo Nonato Leite.

Estiveram presentes a superintendente estadual substituta, Maria de Fátima Oliveira Chaves e o farmacêutico bioquímico Raimundo Rodrigues dos Santos Filho, ambos representando a Funasa, além de Jefferson Fernandes e Jaíza Leite, da Universidade Federal Fluminense.

ENCAMINHAMENTOS
Durante a reunião, ficou acertado que um Termo de Cooperação Técnica será assinado entre o MPMA e a Funasa, com a integração do Ministério Público ao projeto. O promotor Fernando Barreto citou como possibilidade a cessão dos dados a respeito da situação dos resíduos sólidos no Maranhão, resultado de uma ampla pesquisa realizada pelo CAO-UMA, que pode auxiliar as outras instituições na elaboração dos planos.

Combinou-se, também, que o Ministério Público terá espaço em um evento que a Funasa realizará em 14 de fevereiro, voltado para a apresentação, sensibilização e busca pela adesão dos gestores municipais ao projeto. Ao mesmo tempo, a Funasa e UFF serão convidados a participar de um evento a ser promovido pelo MPMA, ainda no primeiro semestre, tratando de diversos aspectos relacionados ao meio ambiente.

O procurador-geral de justiça também se dispôs a inserir a instituição na sensibilização de aproximadamente 40 municípios procurados pela Funasa e UFF mas que não aderiram ao projeto. Outro ponto levantado foi a necessidade de engajamento da sociedade civil na questão, visto que o controle social está previsto, inclusive, na legislação que trata do tema.

LEGISLAÇÃO
Em 2007 foi sancionada a Lei n° 11.445 que estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento básico. A lei definiu o planejamento dos serviços como instrumento fundamental para se alcançar o acesso universal aos serviços de saneamento e determinou que todos os municípios brasileiros devem formular as suas políticas públicas visando à universalização dos serviços, sendo o Plano Municipal de Saneamento Básico o instrumento de definição de estratégias e diretrizes.

A lei define como componentes do saneamento básico o abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos além da drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.

Após várias prorrogações, o prazo para que os municípios tenham os seus Planos Municipais de Saneamento Básico termina em 31 de dezembro de 2017. 

A partir desta data, a existência do plano será condição de acesso a recursos da União destinados ao setor. A nova data foi definida em 31 de dezembro de 2015, por meio do Decreto n° 8.629/2015.

De acordo com o Portal Saneamento Básico, que cita o presidente da Funasa, Henrique Pires, 60% das internações hospitalares no Brasil decorrem das péssimas condições de saneamento. As diversas doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, como a dengue, zika vírus e chikungunya, também poderiam ser minimizadas com bons sistemas de saneamento básico.

Redação: Rodrigo Freitas (CCOM-MPMA)

STJ rejeita pedido do governo do Maranhão para retomada de obras do Minha Casa Minha Vida em São Luís.

A presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Laurita Vaz, indeferiu um pedido de suspensão de liminar feito pelo governo do Maranhão em caso que envolve a disputa pelo terreno destinado à construção de 256 unidades habitacionais em São Luís.
A Justiça local suspendeu a construção, por entender que o empreendimento do programa Minha Casa Minha Vida estava sendo construído em local sob litígio.
O entendimento da Justiça maranhense é que o governo deve esperar a conclusão da disputa sobre o terreno para somente depois, reconhecida a propriedade, se for o caso, iniciar as obras.
Ausência de violação
Para a ministra Laurita Vaz, o pedido de suspensão formulado pelo Maranhão não conseguiu demonstrar violação a qualquer dos bens tutelados pela lei que disciplina esse tipo de pedido.
“O interesse público parece estar melhor resguardado pela decisão sub judice. Com efeito, resta evidenciado que a decisão impugnada é que protege o erário de indenizações decorrentes de eventual provimento da ação originária”, argumentou a magistrada.
Um dos argumentos utilizados pelo estado foi que a suspensão das obras prejudica a coletividade, já que impede a conclusão de seus programas sociais.
A ministra lembrou que a suspensão de liminar apenas se justifica pela supremacia do interesse público sobre o particular, e supõe grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia pública, algo não demonstrado de forma inequívoca no caso analisado.
Posse contestada
A obra foi embargada pela Justiça maranhense porque o terreno em questão tem a posse discutida judicialmente. Particulares que alegam ser donos do imóvel ingressaram com ação requerendo a posse. Ao ter ciência das obras, pediram a suspensão do empreendimento coordenado pelo governo estadual.
Ao analisar o pedido, o juízo competente destacou que a construção altera de forma substancial o terreno, e por isso determinou a suspensão provisória da obra enquanto a ação que discute a posse não é julgada. Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): SLS 2234
Atendimento à imprensa: (61) 3319-8598 | imprensa@stj.jus.br

MPF em Santa Cruz do Sul obtém decisão para que o município elabore Plano Básico de Zona de Proteção de Aeródromo.


MPF em Santa Cruz do Sul obtém decisão para que o município elabore Plano Básico de Zona de Proteção de Aeródromo

Objetivo é garantir a segurança da navegação aérea em Santa Cruz do Sul.

O Ministério Público Federal em Santa Cruz do Sul obteve decisão favorável da Justiça Federal, que acolheu os embargos declaratórios interpostos a decisão proferida em ação civil pública, e determinou ao Município de Santa Cruz do Sul que, no prazo de 120 dias, elabore Plano Básico de Zona de Proteção de Aeródromo e o submeta ao DECEA (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), sob pena de suspensão, por parte da União e da ANAC, da autorização para exploração e do cadastro do Aeródromo de Santa Cruz do Sul, bem como da sua abertura ao tráfego aéreo até regularização integral, conforme  dispositivo  da sentença anexa.

A ação civil pública nº 5000772-71.2016.4.04.7111, de autoria do MPF, objetiva garantir a segurança da navegação aérea no Aeródromo de Santa Cruz do Sul, que atualmente opera sem plano básico de zona de proteção de aeródromo, cuja incumbência é municipal, e sem parecer sobre a sua segurança para o tráfego aéreo, tarefa essa desempenhada pelo COMAER, mantendo, a despeito disso, cadastro junto à ANAC.

O Plano Básico de Zona de Proteção de Aeródromo é exigência obrigatória para se cadastrar junto à ANAC, porém não é exigido quando da renovação do cadastro. O Aeródromo de Santa Cruz do Sul, cadastrado antes da existência da ANAC junto ao COMAER, por essa razão, opera sem qualquer parecer técnico de ente ou órgão público que garanta a segurança da navegação aérea nesses locais.

Assessoria de Comunicação Social - Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul.
Fones: (51) 3284-7370 / 3284-7369 / 98423 9146 - Site: www.mpf.mp.br/rs - E-mail: PRRS-Ascom@mpf.mp.br - Twitter: http://twitter.com/MPF_RS - Facebook: www.facebook.com/MPFnoRS 

O Daesh e a segunda ofensiva em Palmira por Valentin Vasilescu.

Foto - Voltairenet.org
Para consolidar o controle de Palmira, o Daesh precisa ser abastecido das melhores armas do ocidente, ser auxiliado com um alto nível de planejamento, apoio do exército profissional além do suporte tácito dos EUA. Desta forma, continua a mais importante até agora na história recente desta guerra travada por mãos de mercenários.

A ofensiva Daesh em Palmira, foi realizada em 9 de dezembro surpreendendo completamente as forças locais do Exército Árabe da Síria na cidade. Este evento ocorreu paralelamente ao assalto final sobre Aleppo pelo exército sírio e todos os meios de reconhecimento russos estavam mobilizados e envolvidos na Síria, a fim de levar a cabo esta missão. A forma como o Daesh saiu de Mosul deve parecer "estranho", porque os planejadores militares deixaram a passagem livre para evacuar os combatentes do Daesh rumo ao oeste, especificamente a estrada para Rabija com um ponto livre de cruzar a fronteira do Iraque-Síria.

Foto - Voltairenet.org
Em 2 de dezembro, os EUA ordenou que as tropas iraquianas deveriam reduzir as operações de combate em Mosul, em seguida, determinou que fosse parada a ofensiva em 11 de dezembro. Isto permitiu que a coluna de veículos blindados Daesh deixasse a cidade. 

No meio da noite uma coluna foi movida no sentido norte-oeste, atravessando a fronteira para o território sírio ocupado por combatentes curdos das Forças Democráticas sírias coordenados pelos instrutores das forças especiais norte-americanas. Os Combatentes do Estado Islâmico chegaram a Rakka sem quaisquer obstáculos, percorrendo em 10 horas uma distância de mais de 460 km. E no dia seguinte eles estavam em Palmira.

Foto - Voltairenet.org
Uma coalizão de anti-PI liderado pelo Pentágono, realizando em torno dos voos relógio de reconhecimento sobre o território ocupado pelo Daesh, tanto no Iraque como na Síria, assinaram um protocolo de cooperação com a Rússia em matéria de troca de informações sobre a identificação e distribuição de impactos sobre alvos terrestres. No entanto, essa coalizão em sua área ou de alguma forma "não era detectada" moveram colunas de veículos Daesh de Mosul a Rakki, e mais tarde para Palmira, ou os EUA "falharam" em avisar os seus colegas russos.

A ofensiva em Palmira foi planejada de forma altamente profissional, pois tem oficiais do Daesh ao nível dos melhores exércitos da OTAN. O movimento foi organizado em várias colunas em Rakki e nos arredores de Palmira. Assim, cerca de 4.000 jihadistas estavam no campo equipados em carros da Toyota armados com grandes metralhadoras, veículos blindados, artilharia e tanques foram mobilizados em segredo, à noite, a uma distância de 200 km da cidade, e de lá as tropas foram colocadas diretamente na luta.

O Daesh causou um impacto muito maior que seu plano inicial, veio e atacou à noite com eficiência exemplar. Ele provou que seus soldados não são rebeldes sírios comuns que lutam contra o governo de Bashar al-Assad, mas mercenários bem armados e treinados mantido informado por seus patrocinadores sobre os movimentos da SAA. 

Eles também foram informados sobre o envio de tropas sírias no chão, porque alguns dias antes de o grupo do Daesh inciair sua ofensiva, foi feito o reconhecimento com comandos, vestidos como refugiados civis infiltrados na área suburbana de Palmira. Membros desses grupos tomaram posições perto do posto de controle do Exército Árabe da Síria ao redor da cidade e esperou a chegada da coluna dos principais ramos de choque. Graças aos comandos, o Daesh pode facilmente abrir uma brecha através da qual as colunas foram capazes de adentrar até Palmira.

Apesar disso, os soldados do Exército Árabe da Síria poderia resistir muito mais tempo, se eles tivessem recebidos previamente equipados com dispositivos de visão noturna, como os militantes do Daesh. Com excelentes equipamentos e informações precisas, unidades do Estado Islâmico manobraram de forma muito precisa, rapidamente circundante e isolando o sistema de defesa do SAA. Alguém só pode perguntar onde o Daesh comprou milhares de óculos de visão noturna nos últimos meses?

Foto - Voltairenet.org
Após a re-ocupação do Palmira pelo Daesh, especialistas russos na Síria tiraram as conclusões necessárias e forneceram aos soldados sírios que lutam pela libertação da cidade equipamentos individuais de visão noturna, equipamentos Fara-1, 1PN90-3 e Aistyonok ("lança"), que é utilizado pela brigada de infantaria motorizada russa. Radar móvel Fara-1 é acoplado com uma metralhadora 7,62 mm, de 12,7 mm e 14,5 mm e detecta a noite ou em nevoeiro lutadores individuais a partir de uma distância de 2000 m, e os veículos em distâncias de até 4000 m. Após a detecção pode com precisão orientá-los no fogo com uma metralhadora. Um infravermelho tipo de câmera 1PN90-3 também está instalado nos metralhadoras calibre 7,62 milímetros, 12,7 mm e 14,5 mm e também para detectar a noite um lutador solitário na distância de 200 a 500 m.

Foto - Voltairenet.org

Radar móvel Aistyonok é usado por baterias de artilharia de todos os calibres. Ele rastreia as trajetórias de mísseis e calcula as coordenadas para a artilharia, que começaram a bombardear a uma distância de 20 km, incluindo unidades em movimento. Radar acompanha o vôo de mísseis de sua própria capacidade de fazer ajustes após o tiro. Também pode ser instalado em automóveis e é semelhante ao radar americano.

Valentin Vasilescu - tradução. Boguslaw Jeznach Blog.

O fim da União Europeia, por Jacques Sapir.

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Coralie Delaume e David Cayla acabam de publicar um ensaio importante pelas edições Michalon intitulado La Fin de l'Union Européenne . Observemos logo de início a ausência de "?" no título. Esta ausência equivale a um programa.

Trata-se de um livro importante e oportuno. A questão europeia ocupará um lugar central na eleição presidencial [francesa] deste ano. O impacto deste livro deveria portanto ser importante. Mas é também um livro baseado num reflexão sólida e muito bem argumentada. Conhecendo um pouco os autores, não se fica surpreendido. Coralie Delaume, que anima o blog "l'arène nue", já havia assinado um ensaio notável sobre a crise que experimenta a União Europeia. Quanto a David Cayla, é um dos jovens economistas mais talentosos da sua geração. 

Um livro bem construído 

Este livro articula-se em torno de seis capítulos que, com rigor, analisam as razões da morte da União Europeia. 

O primeiro destes capítulos faz uma constatação, agora amplamente partilhada, de que os referendos nos diferentes países resultaram em rejeições da construção europeia tal como ela foi executada pela UE. Os autores, aqui, recuam ao confisco dos resultados do referendo de 2005 (p. 39) e tiram a conclusão de que se está na presença de um "federalismo dissimulado" (p. 42). Na verdade, também seria justo falar de um federalismo "furtivo" pois não assumido. Eles apontam a Jean Monnet quanto à origem do método e dedicam-se a uma edificante (mas não exaustiva) lista de injúrias proferidas contra oponentes da UE pelas diversas cliques europeístas. Concluem então no BREXIT e no êxito do referendo britânico de Junho último, com uma magnífica citação de George Bernanos proveniente da Lettre aux Anglais de 1946. 

O segundo capítulo trata do drama grego. Eles mostram ali como a eleição que deu o poder a uma coligação conduzida pelo Syriza fez explodir toda a crise de austeridade da UE e do seu braço armado, o Eurogrupo (e a "troika"). Os dois autores estabelecem de maneira rigorosa que nesta ocasião as instituições de Bruxelas foram na realidade contra a letra dos tratados, porque estavam sob a hegemonia alemã. O artigo 4 do Tratado de Lisboa não foi, obviamente, respeitado (p. 91). Mas a UE sabe mostrar-se minuciosa com os textos quando isso lhe convém, mas reservando-se o direito de lançá-los para o lado quando considera necessário. A demonstração aqui é a de um poder supranacional que se constituiu sem nenhum controle dos povos que ele pretende representar. Não seria possível mostrar melhor a ilegitimidade fundacional da UE, assim como porque ela quer a qualquer preço fazer com que o termo "soberania" desapareça do vocabulário político. 

O terceiro capítulo ataca os princípios do "mercado único". Nossos autores fazem remontar a origem da ideia de "mercado único" ao Plano Marshall e à dominação americana sobre a Europa. Pode-se aqui lamentar que não tenha utilizado o livro britânico que foi traduzido com o título La Grande Dissimulation e que permaneçam demasiado restritos a uma leitura "franco-francesa" do mercado único. Mas as consequências económicas deste mercado único são perfeitamente analisadas, quer se trate das consequências monetárias, em torno do euro e de tudo o que ele implica, ou das desordens financeiras (a crise da dívida soberana, analisada na p. 117), ou ainda dos efeitos de polarização industrial induzidos por esta política. A constatação é aqui esmagadora, mas isto não é senão o começo.

Com efeito, este capítulo quatro mostra de maneira luminosa como a União Europeia e o "mercado único" conduzem os países a políticas não cooperativas que engendram a fragmentação económica, e a seguir naturalmente a política, da União Europeia. É neste capítulo que se vê desenvolverem todas as consequências da execução de uma política económica fundamentada unicamente no livre comércio, que conduz países inteiros à ruína, faz surgir um corte entre um "centro" e uma "periferia" da UE e leva então à emergência do fenómeno dito euro-divergência, que se vê manifestar-se hoje, dentre outros, com a situação da Itália. Pelo meu lado, tenho utilizado a expressão euro-divergência para descrever a situação engendrada pelo euro e pelas regras europeias em numerosas ocasiões desde os anos 2009-2010. A crítica à lógica do dumping social ao qual se entregam os países da UE, quer diretamente ou indiretamente pelo expediente dos trabalhadores destacados (p. 149-153) é extremamente esclarecedora. Mas a análise do caso da Irlanda e de como este país conseguiu através do dumping fiscal trapacear os seus números é também absolutamente apaixonante (p. 163). Isto põe em causa a estratégia económica subjacente ao "mercado único", tal como eu indicava na minha própria obra La Démondialisation . 

Após esta longa excursão nas terras da economia, nossos autores retornam à questão política no capítulo cinco, onde analisam o défice democrático das instituições europeias. A partir do exemplo da "lei trabalho" de 2016, mostram como os governos se dobram às grandes orientações da UE, os GOPE (p. 183). Mostram também como as instituições ditam o direito, como o Tribunal de Justiça da União Europeia (p. 187), de maneira absolutamente destacada de toda soberania. E este é efetivamente um problema crucial. A França, tendo aceite o princípio da "superioridade" das diretivas europeias não pode mais senão atuar à margem efetuando as "transposição" destas famosas diretivas. Há aqui uma negação de democracia. 

O sexto e último capítulo intitula-se "Romper com a Europa alemã e sair da lógica da confrontação". Pois este é exatamente um dos eixos desta crítica radical e feroz da UE. A União Europeia, longe de construir a paz (e sabe-se que a paz deve tudo à dissuasão nuclear e nada à Europa), está em vias de lançar os povos uns contra os outros. A dominação alemã, já evocada por Jean-Luc Mélenchon em Le Hareng de Bismarck, produz na realidade um despertar da conflitualidade no seio dos países da União Europeia. Assim como seus partidários apregoam a torto e a direito que a Europa é a paz (assim como Louis-Napoléon Bonaparte dizia que o Império é a paz), a realidade crua é que a União Europeia reinstitui a guerra económica como modo de regulação das relações entre os Estados europeus, antes que esta guerra económica acabe por desembocar simplesmente na guerra. Portanto é preciso dizer que a UE é a guerra. 

A União Europeia, a democracia e a soberania

Este livro é portanto importante. É também muito bem escrito. Encontram-se nele fórmula saborosas tais como "...François Hollande, o homem que elevou a vacuidade consensual à categoria de disciplina olímpica" (p. 17). Para além destas fórmulas, este livro mostra que obviamente a União Europeia não é a Europa. Duvidava-se disso desde há uma boa vintena de anos. Que importa, a demonstração está lá e ela é irrefutável. A Europa é uma realidade cultural, é também uma realidade geográfica, que inclui, é preciso lembrar, uma parte da Rússia. É preciso pois retornar aqui à relação antagónica mantida pelas instituições de Bruxelas com a soberania, relação que nada mostra melhor que a oposição agora frontal das instituições da UE durante referendos nos países membros. Esta relação é abordada tanto no primeiro capítulo como no último desta obra. Se estes dois capítulos permitem compreender como procede a União Europeia para esbulhar os Estados membros da sua soberania, eles não dizem o porque do caso. 

Uma refutação do papel fundamental da Soberania popular, e perfeitamente convergente com o discurso mantido pela União Europeia, foi tentada por um autor húngaro contemporâneo, Andras Jakab, de resto amplamente homenageado por diversos prémios concedidos pela UE. Após uma análise comparada das diversas interpretações da soberania, ele adianta – para o caso francês – que: "A soberania popular pura foi comprometida por um abuso extensivo do referendo sob o reinado de Napoleão I e de Napoleão III, tendo a soberania nacional pura sido percebida como insuficiente do ponto de vista da sua legitimação". Mas na realidade isto é sustentar que um abuso perverteria o princípio assim abusado. Mas não pode ser assim senão se o abuso demonstrasse uma incompletude do princípio e não da sua execução. Será que viria ao espírito dos nossos contemporâneos destruir os caminhos-de-ferro em nome da sua utilização pelos nazis no genocídio de judeus e ciganos? Ora, este é exatamente o fundo do raciocínio sustentado por Jakab. 

Se o plebiscito é realmente um instrumento não democrático, todo referendo, e é evidente, não é um plebiscito. A confusão estabelecida pelo autor entre as duas noções é muito perigosa e mesmo desonesta. A prática que consiste em assimilar referendo a plebiscito, pois é isto que está em causa no texto, é um erro lógico mas é também uma confusão voluntariamente introduzida no debate. A discussão prossegue sobre o âmbito que é preciso atribuir à decisão do Conselho Constitucional referente à Nova Caledónia onde se diz que "a lei votada... não exprime a vontade geral senão no respeito à Constituição" . Aqui também se pratica de maneira voluntária a estratégia da confusão. O que reconhecia o Conselho Constitucional, no caso, é a superioridade lógica da Constituição sobre a Lei. Não é de modo algum, como pretende erradamente Jakab, o encadeamento da soberania. De facto, dizer que o processo legislativo deve ser enquadrado por uma Constituição não é senão repetir o Contrato Social de Rousseau. O que está em causa é a isenção deste autor ao recusar ou procurar limitar o conceito de Soberania. 

Para chegar a este resultado ele recorre aos trabalhos de Hans Kelsen. Sabe-se que, para este último, o direito de um Estado subordina-se ao direito internacional, existindo este de maneira implícita através de um sistema de "leis naturais" que seriam próprias da condição humana, servindo então de normas para o direito do Estados. Está-se aqui na presença de uma norma de natureza transcendental. Kelsen é fortemente influenciado pela lógica do neokantismo e a Grundnorm [norma básica] aparece no cimo da pirâmide dos diferentes níveis de leis. Mas as teses de Kelsen estão longe de encontrarem a unanimidade junto aos juristas. É-lhe censurado, e não sem algumas razões, um positivismo jurídico que resulta num achatamento dos princípios do direito. Aqui se vê bem desenvolver-se o "poder do juiz" contra o poder do responsável político, ponto que Delaume e Cayla denunciam (p. 202). 

Inversamente, pode-se considerar que o Direito Internacional decorre ao contrário do Direito de cada Estado, que é um Direito de coordenação. Esta é a lógica desenvolvida por Simone Goyar-Fabre num artigo datado de 1991 mas que permanece de uma atualidade luminosa. Além disso a noção de "lei natural" coloca aqui um verdadeiro problema na medida em que ela pretende estabelecer uma especificidade radical da ação humana, um esquema no qual é demasiado fácil ver uma representação cristã (a "criatura" à imagem do seu "criador"). Aceitar isto sem discussão equivaleria a estabelecer o cristianismo como norma superior para a totalidade dos homens e, por isso mesmo, negar a heterogeneidade religiosa com todas as consequências dramáticas que isso implicaria. Delaume e Caya observam igualmente que o discurso sobre a identidade surge porque é negada a soberania, que é uma noção política (p. 215). O novelo de normas produzidas pela UE, e que se pretende fazer passar por uma forma de soberania, acomoda-se muito bem à pior das reivindicações de identidade. 

Andras Jakab vê-se então obrigado a reconhecer que: "infelizmente, do ponto de vista da definição de noção, a soberania como tal não está definida em nenhum tratado internacional (talvez porque um acordo sobre esta questão seria impossível". Ele acrescenta, algumas linhas mais adiante: "Mas a aceitação total do primeiro direito do soberano, ou seja, a exclusividade, não é satisfatória à vista dos novos desafios, nomeadamente a mundialização". Ao assim fazer ele desliza, no mesmo movimento, de uma posição de princípio para uma posição determinada pela interpretação que ele faz – e que se pode refutar – de um contexto. Esta abordagem foi no entanto criticada a seu tempo por Simone Goyard-Fabre:"Que o exercício da soberania não possa ser feito senão por meio de órgãos diferenciados, com competências específicas e a trabalharem independentemente uns dos outros, nada implica quanto à natureza da potência soberana do Estado. O pluralismo orgânico (...) não divide a essência ou a forma do Estado; a soberania é una e indivisível". O argumento que pretende fundamentar sobre a limitação prática da soberania uma limitação do princípio desta é, no fundo, de uma grande fraqueza. A mundialização não pode servir para justificar a UE e isto é tanto assim que a UE organiza o desmantelamento dos Estados face à mundialização. Os Estados não pretenderam poder tudo controlar materialmente, mesmo e inclusive sobre o seu território. Não se pode confundir os limites ligados ao domínio da natureza e a questão dos limites da competência do Soberano. É portanto sobre este género de confusões que se constrói o pensamento institucional da União Europeia. 

A morte clínica da UE

Assim, nossos dois autores lavram a acta da morte clínica da União Europeia. Mas convém desligar os aparelhos que a mantém em estado de vida vegetativa. Ora, isto pode-se revelar mais complicado do que se pensa. 

Permanece o facto de que é preciso definir uma posição política em relação à União Europeia. Coralie Delaume e David Cayla preconizam desfazer o mercado único (p. 237), repudiar a Europa supranacional (p. 238) e reconstruir, contra a União Europeia, uma "Europa dos projetos" (p. 241). Mas vê-se bem que isto não poderá ser feito senão ao preço de um novo referendo. Será preciso então fazer votos para um referendo sobre o "FREXIT"? 

A questão das prioridades coloca-se. Parece-me que a primeira das prioridades, não tanto no plano dos princípios mas sim no da política económica, é em primeiro lugar fazer explodir o euro. Ora, para fazer isso não é necessário qualquer referendo. Em contrapartida, é claro que para por em causa o primado do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e das diretivas sobre as leis francesas, será preciso necessariamente um referendo anulando o Tratado de Lisboa e os outros tratados. Mas, se se efetuar previamente a retirada unilateral da França da União Económica e Monetária, ter-se-á assim desestabilizado o conjunto da UE. Pois é claro que se a França saísse do euro ela seria rapidamente seguida pela Itália, depois por Portugal, Espanha e Grécia. Pode-se pensar que a Eslováquia e a Finlândia aproveitariam para recuperar sua liberdade monetária. Assim, tornar-se-ia possível formular de maneira diferente a questão que seria colocada aos franceses e perguntar-lhes se dão mandato ao governo para reescrever tratados europeus que garantissem a soberania da França e a superioridade das leis francesas sobre as diretivas europeias ou, se isso não fosse possível, então lavrar a acta da saída da França da UE. Tornar-se-ia possível então convocar uma conferência europeia sobre estas bases. 

Mas é preciso compreender que não se destrói completamente instituições senão quando se propõe outras instituições para substituí-las. A UE não será destruída senão quando seu sucessor for posto sobre os trilhos. Convém refletir nisso se se pretende evitar os erros que conduziram a UE à sua morte atual.