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Loteamentos irregulares, onde vivem 11 milhões de famílias, tiveram a regularização suspensa com a publicação da MP, em 22 de dezembro. | Foto: Arquivo/EBC |
Cida
de Oliveira
Em todo o
país, cerca de 11 milhões de famílias vivem em moradias precárias, em favelas
ou loteamentos populares irregulares, nas periferias dos grandes centros
urbanos, conforme estimativa da Central de Movimentos Populares (CMP). São
adultos, crianças e idosos que dependem da regularização para ter acesso à
infraestrutura básica, como fornecimento de eletricidade, água, esgoto, coleta
de lixo, pavimentação, transporte e escola perto de casa.
A
situação, que já deveria ter sido superada há tempos, garantindo cidadania para
essa população, deverá se prolongar indefinidamente caso seja aprovada a Medida
Provisória (MP)
759/2016, que estabelece novas regras para a regularização
fundiária urbana, rural e da Amazônia Legal, além de liquidar créditos
concedidos aos assentados da reforma agrária e de criar mecanismos para
acelerar a venda de imóveis da União.
Pela
propaganda do governo, a medida é um avanço. Para os movimentos populares
constitucional à moradia, a MP é uma ameaça real. Com a sua publicação em 22 de
dezembro, quando os movimentos sociais se desmobilizavam em função das festas
de fim de ano, estão foram revogados artigos que regiam os processos de
legalização em andamento. É o caso da Lei 6.015/1973, do registro fundiário, e
a Lei 11.977/2009, do Minha Casa, Minha Vida, que estabelece também normas para
a regularização fundiária de assentamentos em áreas urbanas de interesse
social.
“Procedimentos
de regularização iniciados até a data de publicação da MP terão continuidade.
Outros, que estavam com tudo pronto mas não iniciaram, foram suspensos porque
foram revogados os artigos legais que respaldam esses processos. No entanto, a
MP flexibiliza a regularização para ocupações irregulares de alto padrão,
anistiando o mercado imobiliário e especuladores”, acusa a coordenadora do
Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública de São Paulo, Luiza Lins
Veloso. Segundo ela, ainda não há dados sobre o número de famílias que estavam
prestes a ter suas casas regularizadas.
Conforme a
defensora, a MP é inconstitucional porque revoga leis que regulamentam a
Constituição Federal. É o caso da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), segundo
a qual a política de desenvolvimento urbano é executada pelo município, para
gerir a cidade e o patrimônio público na perspectiva da sua função social.
Outro direito
assegurado pela lei revogada é o de aquisição de área urbana de até 250 metros
quadrados, que tiverem sido ocupados por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, poderá adquirir o
domínio desde que não seja proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
“Há agora
confusão jurídica, já que a MP traz pontos que não são autoaplicáveis, que
dependem de regulamentação”, afirma Luiza.
Diante de
tantas incertezas, movimentos, fóruns e órgãos oficiais têm realizado
seminários para debater a MP, como o que aconteceu na noite de ontem (16), na
Defensoria Pública de São Paulo.
Contradições
A exemplo de
outras MPs do governo de Michel Temer, que não foram debatidas com as partes
interessadas, a 759 é criticada pela forma autoritária e também pelo conteúdo
inconstitucional, carregado de contradições.
A advogada
Rosane Tierno, do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), critica a
ausência de participação de representantes dos movimentos populares,
defensorias, prefeituras e demais órgãos. E afirma que, ao mesmo tempo em que o
pacote impõe maiores ônus para a população de baixa renda, já prejudicada com a
revogação dos procedimentos de regularização, flexibiliza a legalização de
ocupações de alto padrão.
“Enquanto há
extinção de critérios que asseguravam o interesse social, condomínios e
especuladores urbanos e rurais terão seus terrenos legalizados. Regularização
fundiária é direito a ser preservado e não um pretexto para a concentração
fundiária e para anistia a loteamentos e condomínios dos ricos”, afirma.
Outro ponto,
segundo ela, é o fim da prioridade dada às áreas e interesse social por parte
do poder público, com investimento em obras de infraestrutura e construção de
equipamentos públicos e comunitários aos quais a população de baixa renda tem
direito.
“Essas obras
de infraestrutura são importantes para garantir direitos básicos, mas também
têm a finalidade ambiental por trás. Dependendo do terreno, a falta de galerias
para escoar a água da chuva pode levar a erosão, deslizamentos e tragédias
humanas e ambientais”, disse a advogada, ressaltando que a MP extingue o
licenciamento ambiental diferenciado para essas áreas e desobriga os loteadores
irregulares e grileiros de terras públicas a adotarem medidas medidas
corretivas.