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O professor Horácio Antunes Sant´Ana Júnior (com a caneta na mão) apoia a luta de pescadores e líderes comunitários da reserva. (Foto: Amazônia Real) |
As lideranças das comunidades tradicionais que lutam há dez anos pela
regularização fundiária da Reserva Extrativista (Resex) Tauá-Mirim, no sudoeste
da ilha de São Luís, no Maranhão, recebem apoio de defensores dos direitos
humanos e do meio ambiente. Um dos defensores, o professor de sociologia
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior, da Universidade Federal do Maranhão, foi
acusado recentemente de estar “interferindo no empreendimento da construção do
porto na área do Cajueiro (…)”, que fica dentro da reserva, por um panfleto
apócrifo distribuído dentro da instituição. A obra, que é da empresa WPR São
Luís Gestão de Portos e Terminais, do grupo WTorre, é contestada pelo
professor, comunidades, ambientalistas e pelo Ministério Público
Estadual.
E outro trecho, o panfleto faz uma ameaça direta ao professor Horácio
Antunes: “os trabalhadores desempregados do Maranhão irão em protesto contra
essa ação [a defesa da reserva].” A origem do panfletos e a ameaça contra o
defensor estão sendo investigados pela Polícia Federal.
O pacote com os panfletos apócrifos foi deixado na saída da cantina da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA) no dia 31 de janeiro deste ano.
Impressos em meia folha A4 sob o título ‘Comunicado’, o panfleto é direcionado
ao professo, pois cita o nome dele no título:
“Horácio Antunes e alunos da Universidade Federal do Maranhão –
UFMA vêm interferindo no empreendimento da construção do porto na área do
Cajueiro, onde a qual a licença já foi liberada pelos órgãos competentes. Os
trabalhadores desempregados do Maranhão irão em protesto contra essa ação,
estarão no local cerca de 1.600 desempregados para o que der e vier.”
No mesmo dia em que funcionários da UFMA encontraram os panfletos, cerca
de 20 integrantes da Associação de Trabalhadores Desempregados da Construção
Civil Pesada (CTDCCP) estiveram presentes na audiência popular, convocada pela
comunidade do Cajueiro da Resex Tauá-Mirim. O objetivo do encontro foi debater
com o poder público as denúncias de violência por parte de seguranças da
empresa WPR contra os comunitários.
Na ocasião, os membros da CTDCCP confirmaram à reportagem o apoio às
obras do porto da WPR, sob o argumento de que haverá geração de empregos. No
entanto, a associação negou a autoria dos panfletos e as ameaças contra o
professor.
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior é coordenador do Grupo de Estudos
Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA). Ele registrou uma
ocorrência sobre a ameaça na Polícia Federal no Maranhão , pois é servidor
público.
“Que seja averiguada e investigada a origem, por se tratar de um
panfleto anônimo. A gente está nessa expectativa de que a Polícia Federal
promova uma investigação. Nós não tivemos ainda nenhum retorno”, disse o
professor à Amazônia Real.
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Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior, coordenador do GEDMMA, em reunião na Defensoria Pública (Foto: Arquivo Amazônia Real) |
Organizador do livro “Ecos dos conflitos
socioambientais: Resex de Tauá-Mirim”, Horário Antunes é um dos
críticos da construção do porto da WPR. Em reportagem à Amazônia Real,
ele disse que a unidade de conservação esbarra nos interesses do empresariado do Maranhão. “A Federação da
Indústria do Maranhão atua fortemente na discussão do Plano Diretor [do
Município de São Luís] no sentido de transformar boa parte da área da Resex
Tauá-Mirim em zona portuária ou zona industrial. Isso inviabilizaria a
oficialização da reserva extrativista. Chamo de oficialização porque as
comunidades consideram a reserva já criada – por elas mesmas”, disse Antunes.
A reportagem entrevistou o delegado da PF, Júlio Lemos de Oliveira
Sombra. Ele disse que a investigação sobre a ameaça contra o professor da UFMA
está no início. Foi “encaminhada para a Corregedoria Regional e ainda está
aguardando análise para posterior redistribuição para outro delegado, ainda não
definido”.
A Corregedora Regional da Polícia Federal no Maranhão, Anelise Wollinger
Koerich, disse, por meio de uma secretária, que ‘os fatos estão sendo devidamente
apurados’.
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Praia do Cajueiro, ao fundo Porto do Itaqui. (Foto: Arquivo Amazônia Real) |
Como já publicou a agência Amazônia Real, o projeto do grupo Wtorre/WPR na Resex
Taurá-Mirim é apoiado pela Federação das Indústrias do Estado do Maranhão
(Fiema) e o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, do Partido Verde. O
ministro é opositor à regularização da reserva sob o argumento de que a unidade
de conservação vai impedir o desenvolvimento econômico do Maranhão. Leia aqui.
Em julho de 2016, a empresa WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais,
do grupo WTorre, recebeu uma licença prévia para a construção do terminal
portuário dentro das terras da Resex Tauá-Mirim emitida pela Secretaria do
Estado do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Sema).
A WPR é alvo de investigações por parte do Ministério Público e da
Defensoria Pública do Maranhão por suspeitas de crimes de improbidade
administrativa na compra do terreno que estaria na área de proteção ambiental
da reserva. O projeto do porto da WPR recebeu investimentos de R$ 1 bilhão.
O juiz titular da Vara de Direitos Difusos e Coletivos, Douglas de Melo
Martins, que atua na ação civil pública, movida pelo Ministério Público do
Maranhão (MP/MA) e pela Defensoria Pública, disse que a licença expedida pela
Sema para a WRP foi mantida por uma decisão do Tribunal de Justiça do Maranhão.
Mas que “embora eles [WPR] tenham a licença para a construção, há uma
decisão minha proibindo a WPR de tomar qualquer medida que constranja os
moradores do Cajueiro, inclusive quanto ao seu direito de ir e vir. Talvez esse
seja o empecilho que ainda exista para que eles construam”, explicou o
magistrado.
Com 16,6 mil hectares, a Reserva Extrativista (Resex) Tauá-Mirim abrange
12 comunidades tradicionais: Vila Maranhão, Taim, Cajueiro, Rio dos Cachorros,
Porto Grande, Limoeiro, São Benedito, Vila Conceição, Anandiba, Parnuaçu,
Camboa dos Frades e Vila Madureira. O ecossistema da reserva é formado por
manguezais, várzeas e nascentes.
Há uma década as comunidades lutam pela regularização da reserva para
reafirmar a identidade ribeirinha e quilombola, frear a poluição de rios, o
assoreamento de cursos d’água e a ocupação, sem autorização, de praias das
comunidades por embarcações das indústrias.
Em 2007 o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) reconheceu Tauá-Mirim como uma reserva extrativista, mas é
necessário para a regularização da unidade a anuência do governo do Maranhão.
A Comunidade do Cajueiro, onde vivem cerca de 200 famílias, é a mais
atingida pela obra do terminal portuário da WPR São Luís Gestão de Portos e
Terminais Ltda., do grupo WTorre S.A.
A licença prévia concedida pela Sema à WPR é para a construção do
Terminal Portuário de São Luís de Uso Privado (TUP), na praia do Parnauaçu,
local onde os ribeirinhos pescam. O Ministério Público Federal questiona o
licenciamento.
Suspeita de cooptação de trabalhadores
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Comunidade do Cajueiro na Resex Tauá Mirim (Foto: Arquivo Amazônia Real) |
O professor Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior disse que suspeita que a
empresa WPR aproximou-se do movimento dos trabalhadores da construção civil com
o intuito de cooptá-los, barganhando o engajamento deles em favor da construção
do porto em troca de futuros empregos.
“São trabalhadores especializados, que se autodenominam como
‘trabalhadores da indústria da construção civil pesada’ porque tem um tipo de
especialização. O movimento já existe há algum tempo, mas não havia nenhum
vínculo entre o movimento dos trabalhadores desempregados e o Cajueiro. Esse
vínculo foi estabelecido recentemente. Provavelmente, e muito certo, que tenha
sido a partir de uma iniciativa da própria WPR e seus agentes. Eles detectaram
este grupo atuando dentro da cidade e perceberam que poderiam provocar algo que
acontece em outros lugares também”, disse o professor.
“Aqui no Maranhão mesmo quando tem o combate ao desmatamento, vai ter
também trabalhadores das madeireiras posicionando-se contrários ao combate ao
desmatamento, porque é o emprego deles que está colocado em questão. Então,
essas disputas entre trabalhadores são, muitas vezes, fomentadas pelos próprios
empreendedores. E tudo indica que aqui em São Luís aconteceu a mesma coisa”,
explicou Horácio Antunes.
O professor afirma ainda que as medidas recentemente tomadas pela
empresa WPR, que já foi, inclusive, citada nas operações Lava Jato e
Greenfield, “são demonstrações de desespero”, diante da crise que vive.
No dia 13 de fevereiro deste ano, a revista “Exame” apontou o montante
de R$1,5 bilhões em dívidas da construtora. Na reportagem é mostrado que a
WTorres tenta se reerguer – pela 3ª vez em dez anos. Segundo a matéria, o
envolvimento com a Lava Jato fez com que a empresa perdesse contratos
importantes.
“Isso é muito importante e tem muito a ver com o que nós estamos vivendo
aqui. Porque toda essa promessa de empregos que é feita pode ser frustrada. Por
trás dessa tentativa de deslocamento da comunidade pode estar uma mera situação
de especulação imobiliária e não de construção efetiva do porto. A WTorres é
uma empresa que surgiu da especulação imobiliária, inclusive nessa matéria [da
“Exame”] faz menção a isso. A gente pode estar envolvido aqui num processo brutal
de especulação imobiliária. Eu acho que isso tudo tem que ser levado em
consideração”, explicou o professor Horácio Antunes.
Denúncia na OEA
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Movimento Cajueiro Resiste reúne militantes, artistas e pesquisadores (Foto: Arquivo Amazônia Real) |
O defensor público Alberto Tavares disse, em reunião com advogadas da
empresa WPR, que está elaborando um relatório para denunciar na Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados
Americanos (OEA), a omissão do Estado do Maranhão na resolução do conflito na
Resex Tauá-Mirim:
“Não seria razoável aguardar o desfecho desses processos que podem se
arrastar por anos e anos enquanto a comunidade permanecerá numa situação de
extrema vulnerabilidade pelos fatos que aqui já foram relatados, de ameaça, de
truculência, de ilegalidades cometidas pela empresa. Devemos estudar também a
viabilidade de denunciar para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos de
modo a responsabilizar o Estado brasileiro no que diz respeito à adoção de
medidas nesse caso”, disse Tavares.
Segundo o defensor público, o governo do Maranhão tem sido omisso. “A
gente pode especificar o Estado do Maranhão no que diz respeito à apuração da
responsabilidade dessa empresa. A questão do próprio licenciamento ambiental
que parece que tem sido conduzido muito mais politicamente do que propriamente seguindo
o regramento interno nacional”, afirmou Alberto Tavares.