Urariano Mota: O Cabo Anselmo, a ditadura, o Roda Viva e a Folha
por Conceição Lemes
O Cabo Anselmo é o entrevistado do programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, nesta segunda, às 22h.
O jornalista e escritor pernambucano Urariano Mota nunca o viu
pessoalmente, mas o “conhece”, como me contou em entrevista em junho de
2009: “Conheço o Cabo Anselmo por seus cadáveres, que ele arrasta como
uma cauda. Fui, sou amigo de quem ele perseguiu, traiu e matou”.
Na época, Urariano estava lançando o livro “Soledad no Recife”.
Soledad era uma jovem idealista, corajosa, doce e linda, muito linda.
Foi torturada e morta no Recife em 1973, grávida, depois de ser
entregue ao delegado Sílvio Paranhos Fleury, traída pelo cabo Anselmo,
de quem trazia um filho na barriga.
Por isso fiz um pedido especial ao Urariano, para que nos escrevesse
algo sobre o Cabo Anselmo e o Roda-Viva. Afinal, estamos num momento
emblemático, discutindo a Comissão da Verdade.
O texto de Urariano, sensível como sempre, está abaixo. Mais abaixo a entrevista que fiz com ele para o Viomundo sobre Soledad e o livro.
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por Urariano Mota, especial para o Viomundo
José Anselmo dos Santos, ou Daniel, ou Jadiel, ou Jônatas… ou mais
simplesmente Cabo Anselmo, que se apresenta no Roda Viva hoje à noite,
deve ganhar uma vez mais todas as luzes para falar o que entender, como
entender e quando entender. Nem de longe será apertado, como entregou
para apertos, choques, afogamentos, e degradações que não se fazem
sequer a animais em matadouros públicos, homens e mulheres que lutavam
por um Brasil socialista.
No momento em que ele volta à cena, vai ser votada por uma exigência
social a Comissão da Verdade. Nessa hora é bom esclarecer que não se
deseja a torturadores e agentes duplos o mesmo amargo remédio que
aplicaram nos militantes de esquerda de todas as filiações, até as
mortes por suplícios os mais cruéis. Não, deseja-se que apareçam à luz
os seus crimes, com suas caras e responsabilizações.
Quando se menciona que ele não será apertado no Roda Viva, mais uma
vez, entenda-se que não se deseja um constrangimento, uma violência, um
interrogatório contra a sua esquiva pessoa. Deseja-se apenas que o
repórter cumpra um insubstituível dever ético: mostrar o criminoso com a
sua cara e crime apenas. Mas isso não virá, porque os indícios e
histórico de suas entrevistas no Brasil não permitem melhor conclusão.
Fala-se que um dos entrevistadores será o blogueiro do Alerta Total, um
indivíduo de extrema-direita, que entre outras coisas já postou nestes
dias:
“O artesão septuagenário José Anselmo dos
Santos deverá enviar uma carta à Presidenta Dilma Rousseff apelando, em
tom dramático, para que lhe seja concedido o elementar direito a uma
Carteira de Identidade…. O comuno-sindicalismo o transformou no mítico
Cabo Anselmo. A malandragem criou a versão atualizada do também
marinheiro João Cândido – aquele também transformado no ‘Almirante
Negro’, no começo do século, para afrontar os esquemas militares…. O
governo comete o crime civilmente hediondo de negar a José Anselmo este
direito elementar a qualquer cidadão: uma cédula de identidade que
comprove que ele é ele mesmo. Lamentável é que a turma dos direitos
humanos é conivente com o holocausto documental contra José Anselmo dos
Santos”.
Boas perguntas teremos de um entrevistador com esse nível de pensamento. Ainda hoje na Folha de São Paulo se escreveu, na falta de melhor verbo:
“Em 1970, de volta ao Brasil, Anselmo foi
preso pela ditadura militar. Em troca da liberdade, delatou perseguidos
políticos ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Dops. A lista de
denunciados incluía sua namorada, Soledad Viedma, que acabou morta
devido à tortura”.
O que é isso? Em um só parágrafo há tantas mentiras, omissões, que
nem se percebe o mais criminoso: Soledad Barrett Viedma, a sua esposa e
companheira, se transforma em namorada, sem qualquer
menção a seu estado de gravidez. Talvez para não chocar os nervos e
corações mais sensíveis de torturadores impunes até hoje.
Hoje, no Roda Viva, qualquer semelhança com as entrevistas anteriores do Cabo Anselmo não será mera coincidência.
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Soledad no Recife em julho
Post trazido do Viomundo antigo; publicado em 27 de junho de 2009
Soledad Barret Viedma
http://www.viomundo.com.br/politica/urariano-mota-o-cabo-anselmo-a-ditadura-o-roda-viva-e-a-folha.html
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