Você pode não acreditar, mas o
texto a seguir é sério.
Trata-se do passo a passo para se abrir uma igreja.
Jesus Cristo é um grande negócio.
O objetivo deste manual é divulgar todos os macetes para fundação e controle
de uma instituição religiosa dentro dos ditames da lei, mas seu real propósito é
antes disso mostrar como o estado facilita e até incentiva a existência de picaretas
da fé que se aproveitam da ingenuidade das pessoas para obtenção de poder. Ironicamente,
Jesus Cristo foi talvez a primeira pessoa a ensinar o laicismo, o princípio filosófico
que defende a neutralidade do governo quanto a assuntos religiosos e a completa
separação do Estado das igrejas.
Na antiguidade, o poder terreno e o poder espiritual eram uma coisa só.
Os primeiros governantes foram os xamãs e os primeiros imperadores eram tratados
como deuses ou filho de deuses. Na Roma Antiga, a fé já era usada como uma poderosa
ferramenta de domínio das massas, seja no período pagão ou na posterior conversão
do cristianismo como religião oficial do Império. De lá para cá algumas coisas mudaram.
Hoje os governantes tendem a ser tolerantes com o maior número de religiões possíveis,
mas a separação completa entre as leis dos homens e das igrejas ainda está distante.
Essa postura é bem diferente da apresentada por Jesus de Nazaré na história
contada pelo evangelho. Em Lucas 4, conta-se que no deserto, foi o diabo que ofereceu
a Cristo o poder secular de governar os homens: “E disse-lhe o diabo: Dar-te-ei
a ti todo este poder e a sua glória; porque a mim me foi entregue, e dou-o a quem
quero. Portanto, se tu me adorares, tudo será teu.” Quanto a isso a esta proposta
a resposta de Jesus foi que seu interesse não era o domínio dos homens, mas a adoração
de Deus.
Mais tarde em Mateus 22, alguns fariseus perguntam a Jesus se eles devem
ou não pagar impostos a Roma, numa tentativa de fazê-lo se envolver com questões
políticas da época. Ele pegou uma moeda e perguntou: de quem é este rosto? De César,
responderam-lhe. Então Jesus deu sua resposta que ecoa até hoje no mundo como um
símbolo da separação entre as questões espirituais e terrenas: “Disse-lhes então
Jesus: Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”
Infelizmente, não é essa atitude que vemos hoje em dia. Por todo lado instituições
religiosas esticam seus tentáculos de influência sobre o Estado. Em nosso país,
o lobby é tão grande e articulado que existem partidos políticos declaradamente
cristãos. Como resultado por toda parte vemos a influência das igrejas:
● O deus patriarcal monoteísta abraamico é louvado
na Constituição Federal.
● O deus patriarcal monoteísta abraamico é mencionado
no papel-moeda.
● Os prédios públicos ostentam símbolos religiosos
como cruzes.
● Diversos dias santos católicos são considerados
feriados nacionais em detrimento das demais religiões.
● Concessão fácil de vistos nas embaixadas para
quaisquer missionários que venha converter indígenas.
● Ensino religioso explícito e implícito em escolas
públicas.
● Influência igrejeira direta e indireta nas leis
brasileiras: proibição do casamento gay, indulto de natal nos presídios etc.
● Existência de bancadas evangélicas na prática
parlamentar.
● Igrejas recebem uma infinidade de benefícios
e proteções do governo.
Este último tópico é o mais perigoso, pois deles nascem todos os outros.
Um cristão sincero que queira se comportar como Jesus se comportou deveria ser a
favor de uma completa separação entre o sistema político e as diversas religiões.
Mas o sistema já está tão engessado e protegido que dificilmente pode ser combatido
diretamente. Talvez a única opção seja destruí-lo por dentro, usando suas próprias
armas para expor o ridículo da situação.
Pensando nisso este breve manual foi escrito. O guia é focado na construção
de uma igreja neopentecostal mais por motivos de marketing do que por preferência
doutrinária. Em primeiro lugar porque nas igrejas católicas e protestantes o patrimônio
não está em nome de um líder pessoa física; e em segundo lugar as igrejas evangélicas
já são amplamente aceitas pelo grande público e muito populares, garantia de sucesso
em seu empreendimento.
Você encontrará uma listagem das vantagens que o governo concede as instituições
religiosas e dicas para a fundação jurídica e legal de sua instituição. Uma seção
será usada para dar alguns conselhos baseados na atuação de picaretas famosos e
será disponibilizado um modelo de estatuto para você fundar a sua igreja. Por fim,
uma pequena bibliografia dará ao leitor a oportunidade de se especializar neste
ramo tão lucrativo.
Conheça seus direitos
O primeiro passo para abrir sua igreja é ter sempre em mãos e em mente um
mínimo de conhecimento sobre a atual condição da liberdade de culto no Brasil. Desta
maneira, quando alguém falar qualquer coisa contra sua instituição você poderá mostrar
que conhece seus direitos e sabe que o Estado está de seu lado.
Na política internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
promulgada pela ONU e assinada pelo Brasil, estabelece em seu artigo 18º que “toda
a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este
direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade
de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como
em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.
A primeira lei brasileira sobre liberdade de culto data de 1890, nela o
então presidente marechal Deodoro da Fonseca garante a liberdade religiosa no País.
Em 1946, este se torna um direito constitucional que é reconfirmado na Constituição
de 1988, ainda hoje vigente. A Constituição Federal do Brasil assegura em seu artigo
5º, parágrafos VI, VII que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da
lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; é assegurada também, nos
termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares
de internação coletiva.”
Por fim, o primeiro parágrafo do artigo 44 do Código Civil garante ainda
que “são livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento
das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento
ou registro dos atos constitutivos e necessários a seu funcionamento”.
Aos poucos, muitas outras leis foram aprovadas para agradar diversos lobbies
religiosos de modo que hoje não existe qualquer critério doutrinário ou teológico
para a fundação de uma igreja. Em outras palavras, você pode criar o “Templo dos
travestis dos últimos dias” ou a “Igreja sincera com fins lucrativos” e a partir
de então poderá usar a lei a seu favor.
Vantagens de abrir uma igreja
Nosso País cobre de vantagens e benefícios as instituições religiosas. Abaixo
dividimos estes benefícios em três partes. A primeira são vantagens diretas, garantidas
por leis para sua igreja; a segunda são vantagens para você e para os demais sacerdotes
de seu culto, também sob força de lei; e por fim, listamos vantagens indiretas,
que são consequências destas leis e podem ser exploradas das mais diversas maneiras.
1 – Vantagens diretas para a igreja
Isenção do Imposto de Renda
Isenção do IOF (operações financeiras)
Isenção do IPTU (imóveis urbanos)
Isenção ITR (imóveis rurais)
Isenção IPVA (veículos)
Isenção ISS (serviços)
2 – Vantagens diretas para os pastores
Direito a prisão especial
Dispensa do serviço militar
3 – Vantagens indiretas
Autonomia
jurídica – Por motivos de consciência,
você poderá acionar um bom advogado para conseguir isenção de alguma lei que vá
contra sua crença. A Igreja do Vegetal, por exemplo, já conseguiu o direito do uso
de psicotrópicos em seus rituais! O limite é apenas sua imaginação e caráter.
Isenção
de direitos trabalhistas – Não
existe vínculo empregatício para os ministros que trabalharem em sua igreja e, portanto,
não existe legislação trabalhista para atrapalhar seu relacionamento com seus sacerdotes
de sua religião.
Poder
político – Com um pouco de empenho,
logo você terá em seu comando um grande número de fiéis que poderão ser usados para
preencher abaixo-assinados, reivindicar coisas às autoridades e à imprensa ou mesmo
fazer um mutirão para construção dos templos. Se você tiver talento, em poucos anos
poderá entrar para a política com seu próprio curral eleitoral.
Diversão
garantida – Você poderá organizar
seus próprios rituais públicos, como batismos, exorcismos, funerais, missas e reuniões
dos mais diversos tipos. No Brasil, por exemplo, o casamento religioso tem efeito
civil, conforme diz a Constituição Federal, artigo 226, parágrafo 3º.
Papelada para abrir sua igreja
Abrir uma igreja é algo estupidamente simples e pode ser resumido em três
etapas básicas.
1 – Fazer um estatuto
O primeiro passo é fazer um estatuto. Isso pode ser um pouco chato, mas
felizmente no final deste guia você encontrará um modelo bem simples que poderá
copiar. Para ter valor jurídico, o estatuto deve ser registrado em cartório. O cartório. por
sua vez, para registrar vai fazer algumas exigências:
● Apresentação do estatuto (2 vias originais)
● Ata de fundação da Igreja (2 vias)
● Reconhecimento de firma de todos os membros
da diretoria
● Visto do advogado em todas as folhas com carimbo
da OAB
● Requerimento para registro do representante
legal
● Constar os membros da diretoria definitiva ou
provisória com qualificação completa: nacionalidade, estado civil, RG, CPF, profissão
e endereço completo
● Relação dos sócios fundadores
● Fotocópia do livro de atas (da organização,
diretoria e do estatuto)
● Visto do presidente em todas as folhas
● Fotocópia da carteira de identidade dos membros
da diretoria e conselho fiscal (se existir conselho fiscal)
2 – Certificado jurídico
O segundo passo é dar entrada na Receita Federal com o estatuto registrado
para se adquirir o CNPJ (Certificado Nacional de Pessoa Jurídica).
3 – Alvará de funcionamento
O terceiro e último passo, é necessário apenas se você for ter um templo
onde realizará seu culto. Neste caso deverá dar entrada no alvará de funcionamento
na Prefeitura local, que deverá ser renovado anualmente. Seguindo esses três passos
tem-se uma igreja de direito e de fato.
Custos para a criação de uma igreja
Atualmente, com menos de R$400,00, você consegue abrir sua instituição religiosa.
O pagamento por folha do estatuto varia de cartório para cartório, deve-se pesquisar
para achar o mais barato. Mas dificilmente se gasta mais de R$200,00 para registrar
um estatuto. O CNPJ com a Receita Federal também sai em torno de R$200,00. Com este
pequeno investimento sua igreja já poderá abrir uma conta bancária e poderá realizar
aplicações financeiras completamente livres de impostos.
Dicas dos profissionais
Estudar os vários casos de sucesso em nosso País pode ser uma
boa ideia para quem quiser um futuro promissor. Abaixo estão relacionadas algumas
dicas fruto da observação do trabalho de missionários já consagrados em nosso País:
● Lembre-se: a Bíblia é sua maior arma. Com um
pouco de eloquência e má-fé, você poderá provar virtualmente qualquer coisa com
ela. Use-a para guiar os membros da igreja conforme seus interesses.
● Cuidado! Em seu estatuto não abra mão de ser
o presidente. A vice-presidente deve ser sua esposa!
● Os membros da diretoria devem ser pessoas da
família, para que no futuro você não perca o domínio da igreja.
● Todo o patrimônio deve estar em seu nome ou
no de preferência da família.
● Todo o dinheiro arrecadado por meio de dízimos
e ofertas, venda de santinhos, óleo santo e outros patuás, deve ser depositado numa
conta corrente aberta em nome da igreja e não em seu nome, para evitar problemas
com o fisco. Além de evitar que lhe chamem de ladrão.
● Não esqueça de colocar no estatuto que os membros
da igreja não participam do patrimônio da mesma.
Evitando escândalos
● Procure não arranjar uma amante, mas se o fizer, não faça como alguns
líderes espirituais que fazem tudo a céu aberto, procure ser discreto, marque seus
encontros em outras cidades.
● Quando for aconselhar uma mulher em seu escritório, procure estar acompanhado
por sua esposa ou uma líder de idade avançada, caso não seja possível, use um gravador
escondido para sua própria segurança em processos no futuro.
● Cuidado com os membros mais inteligentes! Eles podem colocar a igreja
contra você. Se isso ocorrer, faça como alguns líderes, diga que eles estão possuídos
pelo satanás. Abra a boca e diga: “Eu sou o ungido do Senhor, recebi orientação
de Deus para dirigir esta igreja, quem está contra mim está com o inimigo [satanás].” Dito isso, você e a diretoria
da igreja [seus comparças] convida o irmão
a se retirar da igreja dizendo o seguinte: “Irmão, nós oramos muito e durante nossa
oração, o Espírito Santo de Deus nos revelou que o irmão tem uma grande obra a fazer
em outra igreja.” Lembre-se não é você quem está expulsando o irmão, mais sim o
Espírito Santo. Nesse tipo de igreja, tudo é feito a mando do Espírito Santo.
MODELO DE ESTATUTO DE UMA IGREJA
ESTATUTO
CAPÍTULO I – DENOMINAÇÃO, SEDE E
FINS
Art. 1º – A Igreja, doravante neste estatuto denominada Igreja “JESUS É
UM BOM NEGÓCIO”, é uma comunidade religiosa, com sede na rua..., na cidade de ...,
estado de ..., e compõe-se de número ilimitado de membros, sem distinção de sexo,
idade, nacionalidade, tendo sido organizada em xx/xx/xxxx.
Art. 2º – A igreja reconhece como seu único líder e suprema autoridade somente
Jesus Cristo, e para seu governo, em matéria de fé, culto, disciplina e conduta,
rege-se pela Bíblia e pelos preceitos do pastor-presidente ... [coloque seu nome].
Art. 3º – A igreja existe para os seguintes fins:
a) Reunir-se regularmente para o culto de adoração
a Deus, estudo da Bíblia, pregação do Evangelho e ações sociais;
b) Promover por todos os meios e modos a seu alcance
o estabelecimento do reino de Deus na terra, cooperando com as demais igrejas nessa
missão.
CAPÍTULO II – DA ADMINISTRAÇÃO E
REPRESENTAÇÃO
Art. 4º – A administração dos negócios da igreja será exercida pelo pastor-presidente
... [coloque seu nome]. A diretoria da
igreja, que se comporá de um presidente, um vice-presidente, dois secretários (1º
e 2º) e dois tesoureiros (1º e 2º), que exercerão suas funções de acordo com os
deveres atribuídos a cada um, descritos em regimento interno.
§ 1º – O presidente, que será por força de seu
cargo o pastor da igreja, será vitalício e os demais membros da diretoria serão
indicados por ele.
§ 2º – Ao presidente cabe, além dos deveres atribuídos
ao cargo, representar a igreja em juízo e fora dele, e em geral nas relações para
com terceiros, e junto com o 1º e 2º (primeiro e segundo) tesoureiros assinar escrituras
de compra, venda ou hipoteca, recibos, contratos e quaisquer outros documentos alusivos
a esses atos, abrir, movimentar e liquidar contas para a igreja, em bancos ou instituições
similares, passar procurações e substabelecê-las.
Art. 5º – Para a gerência de seus negócios, em geral, a diretoria se reunirá
sob a direção e orientação do pastor-presidente.
§ 1º – Perderá todo e qualquer direito o membro
que deixar de fazer parte da igreja, quer a pedido, quer por deliberação da diretoria
da igreja.
Art. 6º – Os assuntos abaixo só podem ser tratados em reuniões, especialmente
convocadas pelo pastor-presidente, com sua diretoria.
a) Reforma deste estatuto;
b) Aprovação ou reforma de regimento interno;
c) Mudança de sede da igreja;
d) Mudança de nome da igreja;
e) Aquisição, oneração ou alienação de bens imóveis.
Parágrafo único – As alterações deste estatuto
não poderão eliminar os Artigos 2º e 3º e suas alíneas.
CAPÍTULO III – DA RESPONSABILIDADE
DE SEUS MEMBROS
Art. 7º – A diretoria e seus membros não respondem individual, nem mesmo
subsidiariamente, pelas obrigações contraídas por qualquer membro, não sendo forma
deste estatuto.
CAPÍTULO IV – DA EXTINÇÃO DA IGREJA
E DESTINO DE SEU PATRIMÔNIO
Art. 8º – O patrimônio da igreja é constituído de bens móveis, imóveis,
provenientes de contribuições voluntárias, doações e legados, que serão registrados
em seu nome, e será aplicado todo na manutenção de seus fins.
Parágrafo único – Os membros da igreja, em virtude
dos objetivos da mesma, não participam de seu patrimônio.
Art. 9º – A igreja se constitui por tempo ilimitado e só poderá ser dissolvida
por deliberação do pastor-presidente.
Parágrafo único – No caso de dissolução da igreja,
será liquidado seu passivo e o saldo, se houver, entregue ao pastor-presidente,
que deliberará sobre o seu fim.
Bibliografia recomendada
– Leonildo Silveira Campo, IURD Um
Empreendimento, 1999
– Leonildo Silveira Campo, Teatro,
templo e mercado – Organização e marketing de um empreendimento neopentecostal,
1997
– Mario Justino, Nos bastidores do
reino, 1995
Matéria copiada: http://limpinhocheiroso.blogspot.com/search?updated-max=2011-11 -15T15%3A34%3A00-02%3A00&max-results=7
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