Publicada quinta-feira, 01/12/2011 às 15:15 e atualizada quinta-feira, 01/12/2011 às 16:09. por Rodrigo Vianna.
A Globo confirma a saída de Fátima Bernardes do “JN”. No lugar dela
deve entrar Patrícia Poeta – atual apresentadora do “Fantástico”. Fiz hoje pela manhã – no twitter e no facebook – algumas observações
sobre a troca; observações que agora procurarei consolidar nesse post.
Vejo que há leitores absolutamente céticos: “ah, essa troca não quer
dizer nada”. Até um colunista de TV do UOL, aparentemente mal infomado,
disse o mesmo. Discordo.
Primeiro ponto: a Patrícia Poeta é mulher de Amauri Soares. Nem todo
mundo sabe, mas Amauri foi diretor da Globo/São Paulo nos anos 90. Em
parceria com Evandro Carlos de Andrade (então diretor geral de
jornalismo), comandou a tentativa de renovação do jornalismo global.
Acompanhei isso de perto, trabalhei sob comando de Amauri. A Globo
precisava se livrar do estigma (merecido) de manipulação – que vinha da
ditadura, da tentativa de derrubar Brizola em 82, da cobertura
lamentável das Diretas-Já em 84 (comício em São Paulo foi noticiado no
“JN” como “festa pelo aniversário da cidade”), da manipulação do debate
Collor-Lula em 89.
Amauri fez um trabalho muito bom. Havia liberdade pra trabalhar. Sou
testemunha disso. Com a morte de Evandro, um rapaz que viera do jornal
“O Globo”, chamado Ali Kamel, ganhou poder na TV. Em pouco tempo,
derrubou Amauri da praça São Paulo.
Patrícia Poeta no “JN” significa que Kamel está (um pouco)
mais fraco. E que Amauri recupera espaço. Se Amauri voltar a mandar pra
valer na Globo, Kamel talvez consiga um bom emprego no escritório da
Globo na Sibéria, ou pode escrever sobre racismo, instalado em Veneza ao
lado do amigo (dele) Diogo Mainardi.
Conheço detalhes de uma conversa entre Amauri e Kamel, ocorrida em
2002, e que revelo agora em primeira mão. Amauri ligou a Kamel (chefe no
Rio), pra reclamar que matérias de denúncias contra o governo,
produzidas em São Paulo, não entravam no “JN”. Kamel respondeu: “a Globo
está fragilizada economicamente, Amauri; não é hora de comprar briga
com ninguém”. Amauri respondeu: “mas eu tenho um cartaz, com uma frase
do Evandro aqui na minha sala, que diz – Não temos amigos pra proteger,
nem inimigos para perseguir”. Sabem qual foi a resposta de Kamel? “Amaury, o Evandro está morto”.
Era a senha. Algumas semanas depois, Amauri foi derrubado.
Kamel foi o ideólogo da “retomada consevadora” na Globo
durante os anos Lula. Amauri foi “exilado” num cargo em Nova Yorque.
Patrícia Poeta partiu com ele. Os dois aproveitaram a fase de “baixa” pra fazer “do limão uma limonada”. Sobre isso, o Marco Aurélio escreveu, no “Doladodelá”.
Alguns anos depois, Amauri voltou ao Brasil para coordenar projetos
especiais; Patrícia Poeta foi encaixada no “Fantástico”. Só que Amauri e
Kamel não se falavam. Tenho informação segura de que, ainda hoje,
quando se cruzam nos corredores do Jardim Botânico, os dois se ignoram.
Quando são obrigados a sentar na mesma mesa, em almoços da direção, não
dirigem a palavra um ao outro. Amauri sabe como Kamel tramou para
derrubá-lo.
Pois bem. Já há alguns meses, logo depois da eleição de 2010, recebemos a informação de que Ali Kamel estava perdendo poder.
Claro, manteria o cargo e o status de diretor, até porque prestou
serviços à família Marinho – que pode ser acusada de muita coisa, mas
não de ingratidão.
Otavio Florisbal, diretor geral da Globo, deu uma entrevista ao UOL
no primeiro semestre de 2011 dizendo que a Globo não falava direito para
a classe C (o Brasil do lulismo). Por isso, trocou apresentadores tidos
como “elitistas” (Renato Machado saiu pra dar lugar ao ótimo Chico
Pinheiro – aliás, também amigo de Amauri). A Globo do Kamel não serve
mais.
Lembremos que, desde o começo do governo Lula, a Globo de
Kamel implicava com o “Bolsa-Família”. Kamel é um ideólogo conservador.
Por isso, nós o chamávamos de “Ratzinger” na Globo. É contra quotas nas
universidades, acha que racismo não existe no Brasil. Botou a Globo na
oposição raivosa, promoveu a manipulação de 2006 na reeleição de Lula
(por não concordar com isso, eu e mais três ou quatro colegas fomos
expurgados da Globo em 2006/2007). E promoveu a inesquecível cobertura
da “bolinha de papel” em 2010 – botando o perito Molina no “JN”.
Nas reuniões internas do “comitê” global, ao lado de Merval Pereira,
tentava convencer os irmãos Marinho dos “perigos” do lulismo.
Lula sabe o que Kamel aprontou. Tanto que no debate do
segundo turno, em 2006, nem cumprimentou Kamel quando o viu no estúdio
da Globo. Isso me contou uma amiga que estava lá.
Os irmãos Marinho parecem ter percebido que Kamel os enganou.
O lulismo, em vez de perigo, mudou o Brasil pra melhor. Mais que isso: a
Globo agora precisa de Dilma para enfrentar as teles, que chegam com
muito dinheiro e apetite para disputar o mercado de comunicação. Kamel
já não serve para os novos tempos. Assim como os “pitbulls” Diogo
Mainardi e Mario Sabino não servem para a “Veja”.
Dilma buscou os donos da mídia, passada a eleição, e propôs a
“normalização” de relações. O governo seguiu apanhando, na área “ética” –
é verdade. O que não atrapalha a imagem de Dilma. Há quem veja na tal
“faxina” um jogo combinado entre a presidenta e os donos da mídia. Será?
Dilma tiraria as “denúncias” de letra (o custo ficaria para Lula e os
aliados). Do outro lado, os “pitbulls” perderiam terreno na mídia. É a
tal “normalização”. Considero um erro estratégico de Dilma. Mas quem sou
eu pra achar alguma coisa. O fato é que a estratégia hoje é essa!
Patricia Poeta no “JN” parece indicar que a “normalização” passa por
Ali Kamel longe do dia-a-dia na Globo (ele ainda tenta manobrar aqui e
ali, mas já sem a mesma desenvoltura). Isso pode ser bom para o Brasil.
Não é coincidência que a Globo tenha permitido, há poucos dias, aquela entrevista do Boni admitindo manipulação do debate de 89. A
entrevista (feita pelo excelente jornalista Geneton de Moraes Neto) foi
ao ar na “Globo News”. Alguém acha que iria ao ar sem conhecimento da
família Marinho? Isso não acontece na Globo!
Durante os anos de poder total de Kamel, a Globo tentou “reescrever” o
passado – em vez de reconhecer os erros. Kamel chegou a escrever artigo
hilário, tantando negar que a Globo tenha manipulado a cobertura das
Diretas. Virou piada. Até o repórter que fez a “reportagem” em 84 contou
pros colegas na redação (eu estava lá, e ouvi) – “o Ali é louco de
tentar negar isso; todo mundo viu no ar”.
Ali Kamel nega o racismo, nega a manipulação, nega a realidade. Freud explica.
Agora, Boni reconhece que a Globo manipulou em 89. Isso faz parte do
movimento de “normalização”. O enfraquecimento de Kamel também faz.
Tudo isso está nos bastidores da troca de apresentadores do “JN”. Mas
claro que há mais. Há a estratégia televisiva, pura e simples. Fátima
Bernardes deve comandar um programa matutino na Globo. As manhãs são
hoje o principal calcanhar de aquiles da emissora carioca. A Record
ganha ou empata todos os dias. Com o “Fala Brasil”, e com o “Hoje em
Dia”. Ana Maria Braga não dá mais conta da briga – apesar de ainda
trazer muita grana e patrocinadores.
Fátima deve ter um novo programa nas manhãs. Ana Maria será mantida.
Até porque na Globo as mudanças são sempre lentas – como no Comitê
Central do PC da China. A Globo é um transatlântico que se manobra
lentamente.
Se a Fátima emplacar, pode virar uma nova Ana Maria. O programa dela
deve contar com outras estrelas globais (Pedro Bial, quem sabe?).
A mudança de apresentadores tem esse duplo sentido: enfraquecimento
de Kamel (que continuará a ter seu camarote no transatlântico global,
mas talvez já não frequente tanto a cabine de comando); e estratégia pra
recuperar audiência nas manhãs.
A conferir.
Matéria copiada: http://www.rodrigovianna.com.br/radar-da-midia/bastidores-da-troca-no-jn.html#more-10754
NEM TUDO ESTÁ PERDIDO
ResponderExcluirMudança no JN e as fantasias dos aloprados
Todas muito divertidas, algumas à beira do hospício, as teorias conspiratórias sobre a decisão de Fátima Bernardes de deixar o Jornal Nacional e a sua substituição por Patrícia Poeta.
Parece que profissionais de primeiro time de grandes empresas estão proibidos de fazer escolhas. Os arautos do submundo do ressentimento e da inveja anunciam: “Grande crise à vista! Mudança de rumos!!!” Sabem que estão mentindo, é claro! Mas precisam alimentar a sede de maledicência de seu público. É a velha tática do jornalismo marrom, ora tingido de vermelho só para ganhar uns tostões a mais.
O talento faculta a muitos profissionais o direito de escolher. E isso mexe com os maus bofes dos que não têm escolha fora do submundo.
PS - Peço que, neste post, não se entre no mérito desse ou daquele profissionais. Vocês sabem que aplaudo o que acho que deve ser aplaudido e critico o que acho que deve ser criticado. Este post tem apenas o objetivo de convidá-los, uma vez mais, a não embarcar na teoria ressentida dos aloprados.
Por Reinaldo Azevedo
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/mudanca-no-jn-e-as-fantasias-dos-aloprados/