segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Ricardo Teixeira. A queda livre de um peso pesado.

A queda livre de um peso pesado
20 Fev 2012

Antes todo-poderoso do futebol brasileiro, Ricardo Teixeira é levado a planejar uma nova carreira longe do esporte e dos corredores do poder
HUDSON CORRÊA E NELITO FERNANDES

Ricardo Teixeira sempre pareceu inabalável. Em seus 23 anos à frente da Confederação Brasileira de Futebol, foi senhor absoluto sobre uma das maiores paixões dos brasileiros. O excesso de poder, entretanto, muitas vezes mascara falhas estruturais graves, como já descobriram grandes empresas (Pan Am, Enron, General Motors) e líderes nacionais (Muammar Khadafi, Hosni Mubarak, Silvio Berlusconi). Como um velho dique carente de manutenção, Ricardo Teixeira começou a exibir pequenas fissuras, inicialmente controladas à custa de amigos influentes. No último ano, as rachaduras tornaram-se mais profundas – e levaram à enxurrada de informações divulgadas na semana passada sobre o desejo de Teixeira de largar o osso a que sempre teve tanto apego. O que há anos parecia impossível assumiu tom de realidade nas conversas do mundo do futebol. Exatamente como no diálogo de dois veteranos de guerra no clássico O Sol também se levanta, de Ernest Hemingway, no qual um personagem pergunta como o outro foi à falência, e ouve a resposta: “De dois jeitos. Aos poucos e, depois, de repente”.
Nos últimos dias, de repente, mas aos poucos, o presidente da CBF falou a amigos sobre sua saída do cargo e do comando da organização da Copa 2014. A família Teixeira já está em Miami, nos EUA. Isso sugere uma mudança de ares. Aos 64 anos, Teixeira não pretende, porém, pendurar sua gravata. Segundo documentos obtidos por ÉPOCA, o mandachuva futebolístico já aponta para outra direção: consultorias e transações envoltas em suspeitas. Em 2011, revelam os documentos, Teixeira retomou e ampliou um negócio apontado pelo Ministério Público Federal como o meio usado por ele nos anos 1990 para receber, de uma agência de marketing esportivo europeia, US$ 9,5 milhões de propina.Esse duto de dinheiro sujo chama-se RLJ Participações, de acordo com a Procuradoria da República uma empresa de fachada com endereço no centro do Rio de Janeiro. Durante 17 anos, não houve qualquer alteração contratual da RLJ na Junta Comercial. Em meados do ano passado, após novas denúncias de pagamento de suborno a Teixeira, ele voltou a investir na empresa, meses depois de a rede britânica BBC tê-lo acusado de receber propina. O esquema da RLJ foi mencionado pela primeira vez em 2001, pela CPI do Futebol no Congresso Nacional. Oito anos depois, durante o julgamento dos envolvidos em irregularidades na empresa de marketing suíça ISL, parceira da Fifa na década de 1990, foi revelado o pagamento de propina a dirigentes da entidade para a obtenção de contratos lucrativos. No final de 2010, alguns bois receberam nome. A BBC disse que Teixeira recebeu US$ 9,5 milhões de suborno da ISL. O pagamento, segundo a acusação, ocorreu por meio da empresa Sanud Etablissement, sediada na minúscula nação europeia Liechtenstein. A Sanud é sócia de Teixeira na RLJ Participações. Para o Ministério Público, a Sanud também pertence a Teixeira, algo que ele nega. Os documentos agora obtidos por ÉPOCA reforçam as suspeitas dos procuradores. Procurada, a assessoria de Teixeira negou haver qualquer “investigação ou acusação sobre recebimento de propina” em andamento.
O último registro sobre atividades da RLJ era datado de 1994. A empresa tinha capital de R$ 3 milhões, divididos entre a Sanud (49,99%), Teixeira (25,01%) e a então mulher do dirigente, Lúcia Havelange (25%). Dezessete anos depois desse último registro e já abalado pelo retorno da denúncia à imprensa internacional, Teixeira resolveu retomar a operação da RLJ em junho de 2011. Primeiro comunicou à Junta Comercial que uma decisão judicial de 1999 transferira para ele as ações de sua agora ex-mulher – era parte da partilha de bens na separação do casal. O segundo passo foi mudar o ramo de atividade da empresa. Ela passou a ter como objeto social a participação como sócia em empresas e entidades, prestação de serviço de administração, consultoria e assessoria técnica específica. Teixeira incluiu uma gama maior de possibilidades de atuação. Também aumentou o capital da RLJ em mais R$ 3,1 milhões. No final do mês passado, fez um novo aporte, de R$ 1,2 milhão. Isso elevou o capital social da RLJ a R$ 7,3 milhões. Teixeira ainda transformou a empresa de limitada para sociedade anônima e nomeou seu filho Roberto como diretor “sem designação específica”. Em todas as alterações registradas na Junta, consta dos documentos somente a assinatura de Ricardo Teixeira. Em nenhum dos cinco casos descritos há assinatura, nome ou procuração de representantes do outro dono, a Sanud. Sócios majoritários, como no caso de Teixeira, podem administrar sozinhos empresas do tipo limitada (Ltda.). Mas o fato de não haver qualquer menção a representantes da Sanud reforça a versão do Ministério Público de que ela também pertence a Teixeira.
A Sanud mandou ao menos R$ 2,9 milhões à RLJ em 1996 e 1997, remessas identificadas pela CPI do Futebol. Teixeira alegou na ocasião que a transação fora lícita e devidamente registrada no Banco Central como aporte de capital. Com base nos trabalhos da CPI, a Procuradoria da República iniciou uma investigação sobre o caso em 2003. Os procuradores não aceitaram o argumento de aporte de capital e denunciaram Teixeira, em 2008, por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Dois anos depois, o Tribunal Regional Federal da 2a Região, no Rio, trancou a ação por entender que, mesmo se houvesse algum crime, ele já prescrevera. Após a reportagem da BBC, a Procuradoria solicitou a instauração de um novo inquérito à Polícia Federal. A pedido de Teixeira, o TRF interrompeu a investigação, alegando a ausência de fatos novos. Especialistas ouvidos por ÉPOCA disseram que a movimentação da empresa habilita Teixeira a prestar serviços que antes não poderia. Com a transformação de limitada em sociedade anônima (S.A.), novos sócios podem ser admitidos com a negociação de ações. Isso facilita aumentos de capital. Dessa forma, a empresa pode se cacifar para participar de licitações que exijam capital mínimo maior.
A RLJ era também dona de uma agropecuária que Teixeira mantinha em sua fazenda em Barra do Piraí, Rio de Janeiro. No mesmo endereço funcionou a VSV Agropecuária e Empreendimentos Ltda., segundo revelou o jornal Folha de S.Paulo. Essa empresa pertence à Ailanto Marketing, acusada de ter superfaturado gastos com um amistoso entre Brasil e Portugal, em Brasília, em 2008. São, no mínimo, novas relações suspeitas, que abalam ainda mais a frágil situação de Teixeira. Na Fifa, ele perdeu o apoio do presidente, Joseph Blatter, depois de ter articulado a favor de seu adversário, Mohammed Bin Hammam. Em dezembro, a Justiça suíça mandou a Fifa divulgar os documentos sobre as propinas da ISL. Isso ainda não aconteceu e pode expor a verdade sobre as transações de Teixeira. No Brasil, ele nunca teve da presidente Dilma Rousseff o mesmo apoio – e intimidade – desfrutado com Luiz Inácio Lula da Silva. Antes incontáveis, as opções de Ricardo Teixeira ficaram cada vez mais escassas. Sem ofertas de emprego, restou a ele, além de brigar com a Justiça, planejar uma nova carreira de empresário.

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