Na quinta-feira (25/8), quando duas alunas da PUC-Rio apresentarem as
conclusões de uma pesquisa sobre violência contra jornalistas no Brasil
na conferência promovida pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP)
em Puebla, no México, um certo desconforto deverá silenciar os
presentes.
Em vez de vítimas heroicas como Tim Lopes, o trabalho
mostrará as mortes impunes de jornalistas como Reinaldo Coutinho da
Silva e Mário Coelho Filho, anti-heróis de um jornalismo obscuro, que
tiveram a carreira abatida a tiros quando ousaram romper com a dinâmica
que rege as relações imprensa-poder nos grotões do país.
Isso mesmo: a lista de pouco mais de duas dezenas de jornalistas
assassinados no Brasil é bem mais rica em “Reinaldos” e “Mários” do que
em “Tins”. Morto há 16 anos, Reinaldo Coutinho era diretor, editor e
proprietário do Cachoeiras Jornal, de Cachoeiras de Macacu (RJ).
O mesmo destino teve Mário Filho, repórter e diretor administrativo do jornal A Verdade,
de Magé (RJ), em 2001. Neste tempo todo, não se viu um único ato de
protesto, uma mobilização coletiva ou mesmo um apelo circulando pelas
redes sociais em memória dos colegas ou pela elucidação dos crimes.
E por que tanto esquecimento? Por um consenso informal, discreto e
definitivo na categoria sobre os colegas que tombaram em circunstâncias
sombrias: não merecem solidariedade os que usam o jornalismo para
práticas espúrias.
Relação com as elites
Dizem as más-línguas que Reinaldo e Mário eram dados a práticas nada
ortodoxas no relacionamento com as elites políticas de suas cidades.
Em mais de duas décadas de carreira, testemunhei profundas mudanças no
jornalismo brasileiro. Um dos setores que mais transformações sofreram
foi a chamada reportagem de polícia. Abandonou o tom policialesco,
ditado por colegas que eram “assim com os homi”, para dar voz a
quem padecia com os abusos da polícia. Um dos cuidados fundamentais,
emblema dessa virada, foi evitar a desqualificação moral das vítimas.
O foco, agora, era outro: a busca dos responsáveis, em reportagens que
passaram a procurar alternativas que livrassem os repórteres da camisa
de força da versão oficial.
Desqualificar as vítimas
Em Puebla, onde a SIP reunirá representantes de universidades
latino-americanas para um diagnóstico sobre a violência contra
jornalistas, as estudantes Celícia Himmelseher e Monique Vasconcelos
(que dividiram a pesquisa com outros três alunos da PUC-Rio) vão mostrar
que a opção brasileira para enfrentar a impunidade foi empurrar os
casos para debaixo do tapete, desqualificando as vítimas.
E vejam o paradoxo: para isso, bastaram as parcas informações
produzidas por inquéritos fajutos, feitos mesmo para não chegar a lugar
algum.
Se a SIP esperava uma pesquisa nobre, que interpretasse os crimes como
tentativas de silenciar uma imprensa combativa, deverá se decepcionar.
Nem a morte provocou debate
Seus dirigentes vão se mexer nas cadeiras, mostrando desconforto,
quando as alunas disserem que, entre as entidades de classe brasileiras,
poucos são os que ouviram falar dessas vítimas. Bom para os criminosos,
que nunca tiveram as autoridades públicas no seu pé e muito menos um
jornalista chato para incomodá-los.
Vítimas como Reinaldo e Mário, julgadas depois de mortas, foram
condenadas ao esquecimento. Se era para censurar o que faziam, melhor
seria se isso tivesse acontecido em vida. O destino de ambos poderia ter
sido outro se sindicatos, federação e outras entidades resolvessem
discutir os casos, nos seus conselhos de ética, e coibir as práticas
condenáveis.
O que os colegas faziam em Cachoeiro de Macacu e Magé não era uma
exceção. Faz parte da dinâmica que dita a relação entre prefeitos,
presidentes de Câmaras Municipais, delegados e outras autoridades com
centenas de donos de pequenos jornais dos grotões do Brasil. Para esse
tipo de prática, nem a morte é capaz de provocar um debate.
[Chico Otávio é repórter especial do Globo]
Copiado de: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/condenados_ao_esquecimento
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