Por Sergio da Motta e Albuquerque em 15/05/2012 na edição 694.
 Vem aí a rede social muçulmana que pretende ser uma alternativa ao 
Facebook e abocanhar em três anos cerca de 50 milhões de usuários em 
diversos países, em diferentes partes do mundo islâmico. 
Claramente 
inspirado (o layout e o projeto
 genérico de rede) na gigante americana, o lançamento da Salamworld está
 previsto para o feriado do Ramadã deste ano – que, de acordo com o 
calendário lunar, não tem data fixa. Em 2012 acontecerá entre 21 de 
julho e 19 de agosto.
 Os rumores de uma rede social muçulmana halal não são recentes (halal é a palavra árabe para tudo o que é permitido pela lei islâmica; é o equivalente árabe para a palavra kosher, dos israelenses). 
No ano passado, na Indonésia (um dos países a apoiar o projeto da nova rede islâmica), o Daily Social (10/10/2011) comentou a iniciativa, ainda com um pouco de ceticismo, como uma “iniciativa de empresários russos e turcos”.
 Em março deste ano, o presidente e mentor da rede Salamworld), Abdulvahit Niyazov, um muçulmano russo, declarou ao Today’s Zaman,
 da Turquia (04/03), que Istambul é vista como a locação ideal para a 
sede da empresa devido à sua única posição entre Oriente e Ocidente, por
 sua estabilidade econômica e pela proeminência que este país vem 
obtendo entre os outros países muçulmanos. A cidade conta
 também com a vantagem de ser mais aberta ao Ocidente e ao capital 
internacional. Outros dois escritórios estarão localizados no Cairo e em
 Moscou.
 Niyazov não é apenas o presidente da Salamworld. Ele é presidente do Centro Cultural Islâmico da Rússia e do Conselho russo de muftis (um mufti é um acadêmico capaz de interpretar a sharia, a lei islâmica). E pertence a uma minoria étnica aparentada aos turcos.
Tiro pode sair pela culatra. A plataforma internacional de tradução de notícias Worlcrunch publicou (30/4) tradução do artigo do jornal alemão Tages-Anzeiger
 sobre a nova mídia social. Uma boa reportagem, que começou por 
perguntar “por que os muçulmanos precisam da Salamworld?” Jawus Selim 
Kurt, porta-voz da rede, respondeu: “Existem 1,7 bilhão de muçulmanos no
 mundo. 
Cerca de 300 milhões usam a internet e quase a metade deles usam
 redes sociais. Infelizmente, nem mesmo uma dessas redes é presidida por
 muçulmanos. O alvo da rede são muçulmanos e não muçulmanos interessados
 na religião, que busquem promover a ‘paz e harmonia’ pelo 
fortalecimento de valores (islâmicos) morais e da comunidade islâmica, 
ou Umma”.
 O periódico informou
 ainda que os investidores são russos e turcos, e que a comunicação 
inicialmente entre os usuários será em oito línguas: inglês, francês, 
persa (farsi, a língua dos iranianos), turco, árabe, malaio, urdu 
(aparentada ao turco) e russo. Outros idiomas serão acrescentados 
depois. Material considerado ofensivo às leis islâmicas será removido. 
Incitação ao terrorismo e violação aos direitos humanos serão igualmente
 proibidos.
 A rede não é religiosa, garante seu presidente. Não vai haver censura. 
“Não somos uma mesquita”, declarou Niyazov, “e haverá, é claro, o mesmo 
tipo de liberdade que os outros usuários de redes sociais desfrutam.” 
Desnecessário dizer que nudez e pornografia estão proibidos desde já no 
site. O jornal alemão não pareceu muito impressionado com o projeto da 
rede islâmica. “É um projeto comercial, e não suporta ideias políticas”,
 acreditam os alemães. Veremos.
 A BBC Brasil publicou um pequeno resumo sobre a Salamworld (10/5). Três
 parágrafos e um vídeo explicando principalmente as diferenças entre as 
redes ocidentais e a islâmica, assim como o comitê de censores 
especialistas muçulmanos, que examinará todo o material apresentado na 
rede. O Último Segundo reproduziu o conteúdo no mesmo dia. Apresentaram comentários, e não artigos, sobre a Salamworld.
 A realidade que ficou fora da cobertura da mídia foi a enorme 
importância geopolítica que essa rede terá, se for bem sucedida. Sua 
cúpula, formada por Niyazov e seu lugar-tenente, o muçulmano Ahmed 
Azimov, do Daguestão é formada por russos muçulmanos abertos a ideias 
leigas. Mas também são homens de confiança de Vladimir Putin. Azimov é 
funcionário de uma organização com forte presença do Estado russo. Foi 
diretor do escritório de Moscou do Congresso Russo de Povos Caucasianos 
até 2008 e continua na organização como “presidente da filial de Moscou 
do Supremo Conselho e membro do Congresso” (ver aqui).
 Os russos têm interesses na Ásia Central. Não querem perder a 
influência que herdaram do domínio comunista. A Turquia, por sua vez, 
quer ser a potência regional do Oriente Médio. 
Uma rede social que 
nasceu de cima para baixo, controlada por simpatizantes russos do regime
 opressor de Putin e empresários turcos poderá ser um excelente 
instrumento de controle e informação para os interesses de Moscou e para
 o fortalecimento das ideias seculares nos países muçulmanos.
 Apesar de todo o controle previsto para a Salamworld, redes sociais são
 permeáveis a infiltrações e novidades inesperadas para seus 
planejadores. A rede poderá também arrefecer o poder das organizações 
terroristas, auxiliando as autoridades muçulmanas e outras com 
informações importantes. Mas seu comportamento será determinado por seus
 usuários, e não pelos padrões de seus idealizadores. O tiro pode sair 
pela culatra. Os chineses sabem disso. Seus clones do Twitter têm dado 
enorme dor de cabeça aos dirigentes do partido.
Público-alvo e equipe. Esta é a rede, segundo a informação apresentada em seu site:
 ** “Salmanworld é uma chance de muçulmanos ter seu próprio espaço na internet e nas redes sociais”.
 ** “Salmanworld é um sistema único de comunicações, a possibilitar a 
troca de conhecimento, habilidades, informação útil, empregos e 
oportunidades de negócios, para muçulmanos”.
 ** “Salmanworld é um instrumento para reviver, modernizar, desenvolver 
Umma em termos do estilo de vida (Umma é a comunidade espiritual 
muçulmana universal, que une os crentes apesar de todas as suas 
diferenças)
 ** “Salmanworld é uma janela de oportunidades para jovens”.
 ** “Salmanworld visa a preservar tradições de família buscando conteúdo seguro e inofensivo para elas.”
 Sua audiência projetada deverá atingir:
 ** “Jovens gerações de muçulmanos e não-muçulmanos”
 ** “Famílias muçulmanas modernas”
 ** “Rede internacional de acadêmicos muçulmanos internacionais”
 ** “Nova geração de líderes sociais”
 ** “Comunidades muçulmanas em regiões islâmicas e não-islâmicas” ** “Não muçulmanos buscando informação sobre o Islã”
 A equipe é composta de especialistas de 12 países. Os administradores 
da empresa são representativos de 17 países, informou o site da nova 
rede a ser lançada em breve.
Porta de entrada para o “inferno astral”. Em 2011, o presidente da Salamworld viajou pelo mundo islâmico e além, 
sempre buscando apoio de líderes moderados dentro e fora do Islã. Um 
comportamento de estadista ou lobista, e não o de promotor de uma rede 
social. Esta rede tem toda a cara de uma estrutura estatal de controle 
social, misturada a uma proposta de comércio na web controlada por 
Moscou e Istambul. Seu presidente e seu vice têm ligações com o Estado 
russo. A Salmanworld serve bem aos interesses dos dois países.
 Abdulvahit Niyazov, o presidente e idealizador da rede, conversou com 
imãs e mulás conservadores e moderados, e líderes de países muçulmanos 
da Ásia (Indonésia e Malásia são dois países a receber tratamento 
especial), África, América e Europa. Os líderes muçulmanos acharam 
conveniente apoiar uma rede social própria dos muçulmanos e sujeita as 
suas leis. Sentiram na carne os problemas que as mídias sociais 
ocidentais podem trazer para regimes autoritários. Ou falsamente 
democráticos.
 Do ponto de vista do Ocidente, o sucesso da rede é de grande interesse 
porque pela primeira vez milhões de perfis de muçulmanos de todas as 
partes do mundo estarão na web (se tudo der certo, como imaginam seus 
propositores). Os serviços de informação americanos devem estar a 
comemorar. Uma rede social islâmica na web é uma porta de entrada para o
 mundo proibido do Oriente Próximo e da Ásia Central, o “inferno astral”
 dos Estados Unidos.
 ***
[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor]FONTE: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed694_o_facebook_islamico




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