(JB) As tentativas de apaziguamento e de acordos discretos não reduziram o
medo, quase pânico, que sacode as glândulas de numerosos homens
públicos.
A miniaturização dos processos de captação de voz e de imagem
torna qualquer conversa um risco. Muitos deles começam a buscar, na
memória, frases ditas sem cuidados e sem malícia, pelo telefone, ou
pessoalmente, a pessoas de pouca confiança.
Teme-se, e com alguma razão,
que a manipulação dos registros de voz torne qualquer conversa um
libelo. Não obstante o medo, e, provavelmente, o surgimento de suspeitas
infundadas contra homens honrados, o vendaval será saudável. Há décadas que o público e o privado se tornaram uma coisa
só, na vida brasileira.
Apesar da luta permanente de inúmeros
representantes do povo, nas casas parlamentares e no poder executivo, e
de magistrados de lisura incontestável, contra o assalto ao bem comum,
todos os poderes republicanos se encontram infestados, principalmente a
partir do desmonte do Estado, pelo neoliberalismo.
Para que isso fosse
possível, mudaram-se as leis, para que tudo fosse permitido em favor do
mercado, até mesmo a entrega dos bens nacionais aos aventureiros, e a
equiparação, na contramão do que acontece em potências como a China, de
empresa estrangeira a empresa nacional.
Embora em casos isolados, comprovou-se também a canalhice de
juízes vendedores de sentenças, quando não cúmplices de superfaturamento
de obras do Poder Judiciário, como ocorreu com conhecido magistrado
trabalhista de São Paulo. Os juízes podem errar, e erram, mas os seus
votos não podem submeter-se a outra instância que não seja a da reta
consciência.
A mais grave infecção é a que afeta o Poder Legislativo.
Ainda que, no imaginário popular, o mais alto poder se localize na
Presidência da República, ele está no Congresso Nacional. O Congresso é,
em sua missão republicana, o povo reunido, para ditar as leis,
fiscalizar seu cumprimento pelo poder executivo, e decidir, com o seu
consentimento, a formação do mais alto tribunal da República,
encarregado de assegurar o cumprimento dos preceitos constitucionais, o
STF.
Os vícios de nossos ritos eleitorais comprometem a composição das
casas parlamentares. Não são os partidos que formam as bancadas, mas,
sim, os interesses corporativos, e até mesmo as associações de
celerados. Como estamos comprovando, o crime organizado também envia aos
parlamentos os seus representantes.
Enganam-se os que supõem ser possível domar a Comissão; ela
vacila nessas primeiras horas, mas isso não indica claudicação
duradoura. Há alguns meses, neste mesmo espaço, lembramos que um poder
adormecido começa a despertar, aqui e no mundo: o poder dos cidadãos.
A tecnologia trouxe muitos males, mas também a ágora para
dentro de casa. E a consciência da responsabilidade de cada um faz com
que as praças do mundo inteiro se tornem a ágora comum, para a afirmação
de uma humanidade que parecia perdida. A Grécia volta a ser o exemplo
da razão política, que deve prevalecer sobre o que Viviane Forester
chamou de “l’horreur économique”. O povo grego está vencendo, com seu
destemor, a poderosa coligação de banqueiros, sob a proteção da
Alemanha, e se recusando a pagar, com o desemprego e a miséria, a crise
atual do capitalismo predador.
A ação investigatória, entre nós, não pode conduzir-se pela
insensatez das caças às bruxas, nem os protestos dos cidadãos serem
manipulados pelo poder econômico. Não estamos mais no tempo das
fogueiras, mas na civilização dos direitos fundamentais do homem. Toda
punição aos culpados, se a culpa for estabelecida, terá que obedecer
aos mandamentos da lei, com o pleno direito de defesa. E, confirmado o
peculato, os valores desviados devem ser devolvidos ao Tesouro.
Os principais envolvidos nas investigações da Polícia
Federal e do Ministério Público estão sendo assistidos por advogados
caros e reputados como competentes. Eles cumprem o seu dever, definido
por uma carta famosa de Ruy Barbosa a Evaristo de Moraes: qualquer réu
tem o direito de defesa, e seu advogado deve empregar todo seu
conhecimento e toda sua inteligência no cumprimento do mandato.
Sem o furor dos savonarolas, mas com o rigor da lei e da
justiça, a CPI e, em seguida, o Poder Judiciário, são chamados a
restabelecer a ordem do estado republicano e democrático, que se
fundamenta na administração transparente dos bens comuns, no benefício
de todos. É hora de reconstruir o Estado e, assim, devolver ao povo o
que só ao povo pertence.
FONTE: http://www.maurosantayana.com/
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