segunda-feira, 9 de julho de 2012

Greve expõe crise nas universidades

Professores das instituições federais alegam que a qualidade do ensino piorou com aumento do número de estudantes sem crescimento proporcional nas contratações de pessoal e na infraestrutura

PAULA FILIZOLA

Em meio à pior greve dos últimos 10 anos, que se estende há mais de 50 dias, o sistema de ensino superior público é posto em xeque. Professores federais, servidores técnico-administrativos e estudantes — que aderiram ou não a greve — reivindicam melhores condições nos câmpus mantidos pelo governo federal. 

As principais críticas são direcionadas ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), criado em 2007 pelo Ministério da Educação (MEC). Com o objetivo de aumentar a oferta de vagas, alegam integrantes da comunidades acadêmicas, a preocupação com a qualidade ficou para trás.

De acordo com essas críticas, as 59 universidades federais apresentam dificuldades para manter o padrão de excelência pelo qual ficaram conhecidas. O elenco de queixas inclui laboratórios sem equipamentos e classes lotadas. Um exemplo: turmas de mais de 50 alunos de graduação de medicina dividindo o mesmo cadáver na aula de anatomia.

Aferir essa situação com rigor é difícil. Segundo o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, o MEC pretende criar indicadores para avaliar a qualidade da expansão nas instituições. Outra ideia é aprimorar o atual sistema usado para a avaliação nas universidades federais. Atualmente, o MEC utiliza o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) para aferir o rendimento dos alunos dos cursos de graduação, ingressantes e concluintes.

O aumento das vagas de ingresso teve impacto no número total de matrículas em instituições federais, que passou de 638 mil para mais de 1 milhão, um crescimento de aproximadamente 60%. Foram criados 2.046 cursos. De acordo com o MEC, o investimento para o aumento da infraestrutura até o momento foi de R$ 8,4 bilhões.

No processo de expansão das universidades federais, o MEC criou nos últimos oito anos 42.099 vagas por meio de concurso, sendo 21.421 para docentes e 20.678 para técnicos-administrativos. De acordo com informações do Censo da educação superior, em 2003 eram 88.795 docentes nas instituições públicas. 

Em 2010, os dados mais recentes disponíveis, houve aumento para 130.789, 47% a mais — crescimento inerior, portanto, ao do número de alunos. Há duas semanas, a presidente Dilma Rousseff sancionou a criação de mais de 77 mil cargos efetivos destinados às universidades e aos institutos federais de ensino. A ocupação dos cargos deve ocorrer gradativamente até 2014.

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) registrou em nota do mês passado que o Reuni foi um dos melhores e maiores projetos para a sociedade. A entidade, no entanto, pondera que projetos de expansão precisam de tempo para ser equacionados.

Interiorização. O Reuni resultou na interiorização dos câmpus das universidades federais, aumentando o número de municípios atendidos de 114, em 2003, para 237 até o fim de 2011. Desde o início da expansão, já foram criadas 14 universidades e mais de 100 câmpus. A previsão para 2014 é chegar a 63 unidades federais no país, em 272 municípios. Do total de 3.885 obras, 2.417 já estão concluídas (62%) e 1.022 (26%) estão em execução. As obras paralisadas ou com contratos cancelados somam 163 (4%), as demais estão em processo de licitação.

Sonia Lucio Rodrigues de Lima, professora de serviço social da Universidade Federal Fluminense (UFF), não tem dúvidas de que esse crescimento resultou em precarização. "Cinco anos depois da criação do programa, a situação vem à tona. Isso contribuiu de forma decisiva para a deflagração da greve", explica. A estudante do 5º semestre de engenharia ambiental Laila de Queiroz Barbosa faz parte da primeira turma da área que vai se formar na Universidade de Brasília (UnB) — o curso foi criado em 2010 com o Reuni.
"Somos ratinhos de laboratório. O professor, a grade, tudo ainda está sendo testado com a gente", analisa a jovem de 21 anos. Para Laila, os maiores entraves do ensino superior federal encontram-se no programa de expansão do MEC. "Os calouros têm aula com 40 alunos, sendo que a turma foi projetada para comportar 25. "Eu já estudei em faculdade particular onde a dedicação dos professores era muito maior. Na UnB, temos que correr atrás de tudo", relata Laila.

O professor de engenharia mecânica da UnB Rafael Gontijo garante que não enfrenta problemas de infraestrutura. Segundo ele, a maioria dos laboratórios é bem equipada. No entanto, alerta, isso não é suficiente. Na sua opinião, faltam recursos para pesquisa. Isso se reflete na falta de interesse dos alunos em aproveitar as oportunidades acadêmicas. "O mercado de trabalho paga muito bem hoje em dia. Um iniciante chega às empresas ganhando mais de R$ 5 mil. Com as bolsas que temos, os bons alunos não querem ficar", relata. O valor médio das bolsas de doutorado, que vairam conforme a área, é de R$ 2 mil.

163 Número de obras paradas em universidades federais, 4% do total.

Duas perguntas para Célio da Cunha, professor de educação da Universidade Católica e da UnB.

Como o senhor avalia a situação das universidades federais hoje?
Há necessidade de uma mudança profunda. O quadro que temos hoje é do fim da década de 1960. O modelo se esgotou. As universidades do século 21 precisam de uma visão interdisciplinar, com núcleos integradores. Menos burocratizada e com mais autonomia.

O que precisa ser melhorado?Os acadêmicos precisam discutir o papel da universidade. As instituições de ensino federal têm que ser colocadas como instância para o desenvolvimento do país. No entanto, nada disso é possível sem uma carreira do docente mais valorizada. Hoje, é difícil convencer profissionais de altos níveis a permaneceram nas universidades.

FONTE: http://www.exercito.gov.br/web/imprensa/resenha

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