A taxa de reincidência de prisioneiros libertados nos Estados Unidos é de 60%. Na Inglaterra, é de 50% (a média europeia é de 55%). A taxa de reincidência na Noruega é de 20%.
A ação criminal contra o ativista de extrema-direita Anders Behring Breivik despertou a atenção dos americanos e do mundo para as “prisões de luxo” da Noruega.
No princípio, os americanos ficaram horrorizados com a ideia de que o
“monstro da Noruega” fosse parar em um estabelecimento correcional,
cujas celas são bem melhores do que qualquer dormitório universitário
dos Estados Unidos.
Uma apresentadora de uma emissora de TV repetiu a zombaria que mais se ouvia no país: “Eu quero ir para a Noruega cometer um crime” (Veja o vídeo).
Biblioteca de presídio na Noruega. Imagem: ForeignPolicy |
Mas as autoridades norueguesas se explicaram a jornalistas americanos e
ingleses. Hoje, os proponentes da reforma do sistema prisional dos EUA,
há muito debatida, miram-se no exemplo da Noruega. Em termos de
resultados, os obtidos pela Noruega são bem melhores.
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A taxa de reincidência de prisioneiros libertados nos Estados Unidos é
de 60%. Na Inglaterra, é de 50% (a média europeia é de 55%). A taxa de
reincidência na Noruega é de 20% (16% em uma prisão apelidada de “ilha paradisíaca” pelos jornais americanos,
que abriga assassinos, estupradores, traficantes e outros criminosos de
peso).
Os EUA têm 730 prisioneiros por 100 mil habitantes. Essa taxa é
bem menor nos países escandinavos: Suécia (70 presos/100 mil
habitantes), Noruega (73/100 mil) e Dinamarca (74/100 mil). Mais ao Sul,
a europeia Holanda tem uma taxa de 87/100 mil, e uma situação peculiar:
o sistema penitenciário do país tem “capacidade ociosa” e celas estão
disponíveis para aluguel. A Bélgica já alugou espaço em uma prisão da
Holanda para 500 prisioneiros. Ou seja, o melhor espelho para os
interessados de qualquer país em melhorar seus próprios sistemas, está
na Escandinávia e arredores, não nos Estados Unidos.
A diferença entre os países está nas teorias que sustentam seus
sistemas de execução penal. Segundo o projeto de reforma do sistema
penal e prisional americano, descritos na Wikipédia, eles se baseiam em
três teorias:
1) Teoria da “retribuição, vingança e retaliação”, baseada
na filosofia do “olho por olho, dente por dente”; assim, a justiça para
um crime de morte é a pena de morte, em sua expressão mais forte;
2)
Teoria da dissuasão (deterrence) que é uma retaliação contra o criminoso
e uma ameaça a outros, tentados a cometer o mesmo crime; em outras
palavras, é uma punição exemplar; por exemplo, uma pessoa pode ser
condenada à prisão perpétua por passar segredos a outros países ou a
pagar indenização de US$ 675 mil dólares a indústria fonográfica,
como aconteceu com um estudante de Boston, por fazer o download e
compartilhar 30 músicas – US$ 22.500 por música;
3) Teoria da
reabilitação, reforma e correição, em que a ideia é reformar
deficiências do indivíduo (não o sistema) para que ele retorne à
sociedade como um membro produtivo.
As duas primeiras explicam o sistema penal e o sistema prisional dos
Estados Unidos. Existem esforços para implantar e manter programas de
reabilitação, mas eles constituem exceção à regra.
Na Noruega, a
terceira teoria é a regra. Isto é, a reabilitação é obrigatória, não uma
opção. Assim, o “monstro da Noruega”, como qualquer outro criminoso
violento, poderá pegar a pena máxima de 21 anos, prevista pela
legislação penal norueguesa. Se nesse prazo, não se reabilitar
inteiramente para o convívio social, serão aplicadas prorrogações
sucessivas da pena, de cinco anos, até que sua reintegração à sociedade
seja inteiramente comprovada.
“Fundamentalmente, acreditamos que a reabilitação do prisioneiro deve
começar no dia em que ele chega à prisão”, explicou a ministra júnior
da Justiça da Noruega, Kristin Bergersen, à BBC. “A reabilitação do
preso é do maior interesse público, em termos de segurança”, disse. O
sistema de execução penal da Noruega exclui a ideia de vingança, que não
funciona, e se foca na reabilitação do criminoso, que é estimulado a
fazer sua parte através de um sistema progressivo de benefícios — ou
privilégios — dentro das instituições penais. O país tem prisões comuns,
sem o mau cheiro das prisões americanas, dizem os jornais, e duas
“instituições” que seriam lugares para se passar férias, não fosse pela
privação da liberdade: a prisão de Halden e a prisão de Bostoy, em uma
ilha.
Halden Fengsel
Qualquer projeto de construção de edifícios, na Noruega, reserva pelo
menos 1% do orçamento para a arte. A construção da prisão de Halden foi
concluída com obras do artista grafiteiro Dolk em um muro do pátio e
toilettes, que incluiu mais de R$ 2 milhões no orçamento. As paredes dos
corredores do prédio são cobertas por quadros enormes, de flores a ruas
de Paris, e azulejos de Marrocos.
A prisão foi construída em uma área
de floresta, em blocos que “servem de modelo ao chique minimalista”,
descreve a BBC. A prisão já ganhou prêmios de “melhor design interior”,
com uma decoração que tem mesas de laminado branco, sofás de couro
tangerina e cadeiras elegantes espalhadas pelo prédio (Clique aqui para ver as fotos).
Consultório dentário em presídio norueguês. Imagem: ForeingPolicy |
A prisão tem ainda estúdio de gravação de músicas, ampla biblioteca,
chalés para os detentos receberem visitas da família, ginásio de
esporte, com parede para escalar, campo de futebol e oficinas de
trabalho para os presos. Tem trabalho (com uma pequena remuneração),
cursos de formação profissional, cursos educacionais (como aulas de inglês para presos estrangeiros, porque os noruegueses em Halden já são todos fluentes).
No entanto, a musculação não é um esporte permitido porque, segundo os
noruegueses, desperta a agressividade nas pessoas. Promover muitas
atividades esportivas, educacionais e de trabalho aos detentos é uma
estratégia. “Presos que ficam trancados, sem fazer nada, o dia inteiro,
se tornam muito agressivos”, explica o governador da prisão de Halden,
Are Hoidal. “Não me lembro da última vez que ocorreu uma briga por
aqui”, afirma.
Dizer que um criminoso já está atrás das grades pode ser uma
afirmação falsa. As celas da prisão de Halden não têm grades. Têm amplas
janelas, com vistas para a floresta, e bastante luminosidade. As celas
individuais são relativamente maiores do que a de muitos hotéis
europeus, têm uma boa cama, banheiro com vaso sanitário decente,
chuveiro, toalhas brancas grandes e macias e porta.
Tem, ainda,
televisão de tela plana, mesa, cadeira e armário de pinho, quadro para
afixar papéis e fotos, além de geladeiras. Os jornais dizem que, de uma
maneira geral, são acomodações bem melhores do que quartos para
estudantes universitários nos EUA. E é normal que prisioneiros portem
suas próprias chaves. As celas são separadas em blocos: oito celas em
cada bloco (os blocos mantêm separados, por exemplo, os estupradores e
pedófilos que, também na Noruega, não são perdoados pelos demais
detentos).
Cada bloco tem sua cozinha. A comida é fornecida pela prisão, mas é
preparada pelos próprios detentos. Eles podem comprar ingredientes na
loja da prisão para refeições especiais. Podem comprar, por exemplo, de
pasta de wasabi para fazer sushi a carne de primeira (por R$ 119 o
quilo), com contribuições de todos que se sentam à mesa — normalmente,
grupos de dez. Os livros mais emprestados na biblioteca de Halden são os
de culinária. Os presos também podem ir à loja para reabastecer suas
geladeiras nas celas com iogurtes e queijos, por exemplo. No
restaurante, membros do staff da prisão (incluindo os graduados), sempre
desarmados, sentam-se à mesa com os presidiários.
Para cuidar de 245 detentos, os 340 “membros do staff” passaram por
dois anos de preparação para o cargo em uma faculdade, no mínimo. E
entre eles, há profissionais da saúde e professores. São homens e
mulheres, ainda jovens, que percorrem “sorridentes” o campus da prisão
de Halden em scooters modernos, de duas rodas, com funções bem
definidas, como as de coordenar as atividades e servir de orientadores,
motivadores e modelos para os detentos, diz o governador da prisão. Uma
das obrigações fundamentais de todos os membros do staff, a começar pelo
governador, é mostrar respeito às pessoas que estão ali, em todas as
situações. A equipe entende que ao mostrar muito respeito ao detento,
ele vai aprender a se respeitar. Quando isso acontecer, ele vai estar
preparado para respeitar os outros.
A prisão de Halden foi projetada para incorporar a ideia que os
noruegueses têm de execução penal, diz a Time Magazine. A pena é a
privação da liberdade. Não é o tratamento cruel, que só torna qualquer
pessoa em criminoso mais endurecido, diz o governador de Halden. O
objetivo é a reabilitação, não a vingança. Mas, os esforços de
reabilitação não são exclusivos do sistema. Os detentos são obrigados a
mostrar progressos nos treinamentos de qualificação profissional e de
reabilitação, para ter direito a desfrutar das “prisões mais humanas do
mundo”. Se, ao contrário, quebrarem as regras ou se recusarem a fazer
sua parte nos esforços de reabilitação, podem regredir para prisões
tradicionais.
Se a defesa de Breivik, o “monstro da Noruega”, for bem-sucedida e
ele pegar uma pena de 21 anos prisão — em vez de ser considerado
mentalmente insano e ser enviado para um manicômio judiciário, como quer
a promotoria — ele dificilmente vai aterrissar em Halden ou na ilha de
Bastoey. Elas não têm alas de segurança máxima. Ele deve permanecer em
uma prisão Ila, em Oslo, que já foi, no passado, um campo de concentração
nazista, movimento com o qual ele se identifica.
E esse é seu destino
mais provável, porque o governo da Noruega anunciou nesta quarta-feira
(27/6) planos para construir uma ala psiquiátrica nessa prisão, noticiou
o Washington Post. Mas, caso venha a ser um candidato à reabilitação
social no futuro, poderá terminar na prisão de Halden ou, melhor ainda
para ele, na prisão de Bastoy.
Prisão de Bastoy
Para chegar a “paradisíaca” ilha de Bastoy,
é preciso fazer uma viagem de uma hora de balsa, que é conduzida quase
que exclusivamente por detentos. Os visitantes — não os familiares dos
presos que embarcam com a ajuda dos detentos — se perguntam por que eles
não aproveitam a oportunidade para fugir, diz uma reportagem da Vice TV,
repercutida pela CNN. Não há registros de tentativas de fuga de Bastoy,
como não há da prisão de Halden. Os detentos dessas prisões estão
negociando seu reingresso na sociedade, não o regresso para prisões
comuns (Veja algumas fotos de Bastoy em reportagem do Mail Online).
Os detentos vivem, em pequenos grupos, em espécies de chalés
espalhados pela ilha, com quartos individuais, cozinha completa,
televisão de tela plana e todos os confortos de uma casa pequena. O
lugar tem uma grande biblioteca, escola, sala de música, sala de cinema,
sala de ginástica, capela, loja, enfermaria, dentista, oficinas para
conserto de bicicletas (o meio de transporte dos presos pela ilha) e de
outros equipamentos, carpintaria, serviços hidráulicos, estábulo (onde
os prisioneiros cuidam dos animais), campo de futebol, quadra de tênis e
sauna. Trabalham no estábulo, na oficina, na floresta e nas instalações
do prédio principal, praticam esportes, fazem cursos, pescam, nadam na
praia exclusiva da “prisão” e tomam banho de sol no verão — para o
inverno, há uma máquina de bronzear.
A comida é preparada e servida pelos detentos e todos se sentam às
mesas em companhia dos guardas, funcionários administrativos e do
governador da prisão. Todos os recém-chegados passam uma semana em uma
casa-dormitório com 18 quartos, fazendo um curso intensivo sobre como
viver em Bastoy: aprendendo as regras, a cozinhar, a limpar e a conviver
com os “colegas” e com a equipe de funcionários.
Todas as manhãs, os detentos se levantam, tomam um café da manhã
“reforçado”, preparam um lanche para levar para o trabalho, que começa
pontualmente às 8h30. Trabalham até as 14h30 (por cerca de R$ 21 por
dia), almoçam a partir das 14h45 e, depois disso, estão “livres” para
praticar outras atividades, até às 23h, quando devem se recolher a seus
aposentos. Com o trabalho dos detentos, a prisão é autossustentável e
tão ecológica quanto possível, diz o governador da prisão de Bastoy,
Arne Kvernvik-Nilsen. Os detentos fazem reciclagem, usam energia solar
e, a não ser pelos tratores, seus meios de transporte para trabalho,
diversão e tudo mais são apenas cavalos e bicicletas. Bastoy é a prisão
mais barata da Noruega.
A prisão tem um staff de 70 pessoas (35 dos quais são guardas), para
cuidar de 120 detentos. À noite, apenas cinco guardas permanecem no
local. O norueguês Gunnar Sorbye trabalha há cinco anos na prisão como
chefe da divisão e instrutor dos presos nas artes da carpintaria,
serviços hidráulicos e do “faça-você-mesmo”. Sob sua orientação, os
presos que gostam do ramo cuidam da manutenção das instalações e se
qualificam profissionalmente. O lugar também abriga professores,
enfermeiras, padre, dentista e fisioterapeuta. E tem uma creche para
cuidar dos filhos dos presos, enquanto eles passam algum tempo a sós com
suas mulheres ou namoradas. As visitas são feitas um dia por semana,
com três horas para presos sem filhos e todo o dia para os que tem
filhos.
Na prisão, existem duas pequenas celas com grades, bem escondidas.
Elas são destinadas a presos que quebram a regra cardinal: são proibidas
a violência, bebidas alcoólicas e drogas. A última vez que uma delas
foi usada foi há dois anos, quando um detento foi encontrado tomando uma
bebida alcoólica. Ele foi colocado em uma das celas, até ser removido
para uma prisão comum. Mas também já aconteceu o pouco provável: um
preso declarou que sentia falta da prisão comum, onde tinha acesso a
drogas.
Os prisioneiros provenientes das prisões normais, são os que mais se
entusiasmam com prisões como a de Bastoy e Halden, abraçando até com
certo ardor a proposta da reabilitação em troca conforto que o sistema
oferece. Réus que recebem pena de prisão e são diretamente encaminhados
para Bastoy ou Halden, se sentem infelizes, como qualquer preso que
chega em qualquer prisão. Como não viveram em uma prisão que trancafia
as pessoas 23 horas por dia, tudo o que percebem é que estão trocando a
liberdade por uma prisão — mesmo que ela tenha todos esses confortos,
diz o governador da prisão.
O sistema de execução penal da Noruega dificilmente será adotado pela
Inglaterra (que tem 155 presos por 100 mil habitantes, mais de 87 mil
prisioneiros e também não tem recursos para isso, segundo já declaram as
autoridades inglesas); nem pelo Brasil (que tem 261 presos por 100 mil
habitantes, uma população de mais de 513 mil prisioneiros e não tem
dinheiro nem para colocar defensores públicos nas instituições); muito
menos pelos Estados Unidos (que tem 730 presos por 100 mil habitantes,
uma população de 2,3 milhões de prisioneiros, falta de recursos e uma
crença indelével na teoria da vingança).
Mas, há uma percentagem de
americanos que acreditam em reabilitação. Como escreveu o articulista da
Time Magazine: “Acho que devemos parar de criticar a Noruega e nos
fazer um grande favor, observando como uma sociedade civilizada lida com
seus criminosos, mesmo com ‘monstros’ como Anders Breivik“.
FONTE:http://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/07/noruega-reabilita-maioria-criminosos-presidiarios-mundo.html
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