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Cada vez mais jovens e até crianças incluem projetos literários em suas projeções de futuro. Ser autor, ter seu nome aposto ao dorso de um livro colocado na prateleira de uma livraria, ter seu livro comentado nos jornais, guarda para eles um sentido de autorrealização que parece não encontrar correspondência fora da esfera das letras.
De há muito se sabe o quanto nossas crianças leem pouco, o que produz um círculo vicioso incontornável: crianças que leem pouco se tornem adultos indiferentes ao livro, atitude que transmitem aos seus filhos, quando atingem a vida adulta e reprodutiva, e assim sucessivamente. Há alguma chance de se romper com essa corrente viciosa?
Essa velha discussão nunca é resolvida de todo, por isso é com frequência retomada, como sucedeu no recente Seminário Potiguar Prazer em Ler, já em sexta edição, e que mereceu ampla reportagem desta TN do dia 3 passado. Ali, a professora Cláudia Santa Rosa, coordenadora do evento e integrante da Rede Potiguar de Escolas Leitoras, alerta, entre outras coisas, para a falta de uma política pública para a leitura.
Uma ampla gama de questões está implícita nessa formulação, a começar pelos receios que invadem a sociedade sempre que se cogita da ação do estado na área cultural.
A democratização da leitura não supõe por princípio uma ampla liberdade de escolhas por parte dos cidadãos? Como esperar que esses cidadãos façam boas escolhas nessa área, quando eles mesmos têm pouca ou nenhuma afinidade com os livros?
A solução poderia talvez vir da escola, quando dispondo de boas bibliotecas, formando uma geração leitora e, a partir desta, replicando-a nas seguintes. Mas essa ideia é facilmente desmentida pela realidade. As bibliotecas das escolas estão comumente defasadas, desatualizadas e negligenciadas e até fechadas pelos diretores, pouco lembradas pelos professores e raramente visitadas pelos alunos.
A isso vem se somar o agravante das novidades tecnológicas, como os tablets, os smartphones e outras plataformas de leitura. Em que medida a leitura gerada da necessidade de mais leitura se beneficia delas, se essas novidades disponibilizam, além disso, inúmeras outras possibilidades, como jogos, ingresso em redes sociais, compras online, troca de e-mails, atividades que podem ser feitas simultaneamente? Como imaginar um ambiente propício à leitura cercado por tantos ruídos?
Em entrevista dada à TN do dia 3 passado, o educador português José Pacheco, um dos convidados do Seminário Potiguar Prazer em Ler, levantou, talvez graças a sua condição de estrangeiro, algumas questões intimamente relacionadas com a da leitura em nosso país e que, por tão familiares, parecemos ignorar. Opondo leitura e analfabetismo, dilema ainda em processo aqui, ele argumenta: "Um país que conta de 24 milhões de analfabetos funcionais não é um país leitor, é um país de risco".
Tirante o efeito cênico desse "país de risco", o argumento do professor Pacheco, se não é capaz de nos escandalizar, com certeza estarrece qualquer cidadão europeu, continente no qual o analfabetismo não passa de uma "curiosidade histórica", debelada há séculos.
Infelizmente não podemos afirmar o mesmo, embora estejamos sempre progredindo e a caminho de erradicar o analfabetismo, do mesmo modo como estamos a caminho de erradicar a dengue, a pobreza que hospeda a dengue, e outras mazelas próprias à pobreza, a desigualdade salarial entre homens e mulheres; entre brancos e pretos etc.
O professor Pacheco deve ter se dado conta de todas essas mazelas para sair com esse chiste: "país de risco". É possível até que a tenha emprestado do quadro político de seu país, às voltas com uma gravíssima crise socioeconômica traduzida em perdas de direitos adquiridos há longo tempo e graves preocupações com a sua caminhada rumo ao futuro.
No quesito leitura, porém, seu diagnóstico é preciso: o quadro é de risco.
Fonte:http://tribunadonorte.com.br/noticia/uma-politica-para-a-leitura-e-alguns-problemas/228539
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