domingo, 12 de agosto de 2012

VALE e a Estrada de Ferro Carajás. A Briga de David e Golias no Sertão Maranhense.


 

Desde o dia 26 de julho estão suspensas as obras do maior investimento da Vale para este ano. 

Veja, a seguir, a reflexão de Lúcio Flávio Pinto. "Essa busca pelo máximo parece ter impedido a Vale e o Ibama de atentarem para as pessoas que existem ao longo dos quase 900 quilômetros da ferrovia, em 20 municípios". 


A duplicação da ferrovia de Carajás deveria absorver 2,7 bilhões de reais no período. Esses recursos representam 20% do bilionário orçamento de investimentos da Vale para 2012. A mineradora é a maior empresa privada do Brasil e do continente, uma das 50 do mundo. Também é a maior exportadora do país. De cada 10 dólares depositados no caixa do Banco Central, US$ 2 resultam de vendas da ex-estatal.

A ferrovia tem 892 quilômetros de extensão. Vai da mina de Carajás, no Pará, ao porto de Ponta da Madeira, na ilha de São Luiz, a capital do Maranhão. Por ela trafega o maior tem de cargas do mundo. Com 400 vagões e quatro quilômetros de extensão, esse trem faz nove viagens diárias. Transportou no ano passado 130 milhões de toneladas, sendo 110 milhões de minério de ferro. Ao fim de cada dia, o minério que movimentou representa 30 milhões de dólares.

A Vale quer elevar esse volume para 230 milhões de toneladas. Para isso, tem que praticamente duplicar a linha. Os gastos com a ferrovia são os mais pesados desse projeto. Junto com a ampliação do porto, consumirão R$ 23,5 bilhões dos R$ 40 bilhões totais do empreendimento. Os outros R$ 16,5 bilhões serão aplicados na mina e na usina.

Em 2016 os trens serão maiores, a ferrovia não será mais singular, a produção atingirá um patamar recorde. Em três anos de implantação, será alcançada a meta estabelecida. Aos preços atuais, o faturamento em Carajás passará então de US$ 25 bilhões.

Prevê-se que essa seja a obra mais cara da segunda década deste século no Brasil. E das que maior faturamento – em moeda externa – proporcionará ao país. Carajás tem a maior jazida de alto teor do mundo de minério de ferro. Sua cotação está garantida, mesmo que haja variação em todo mercado siderúrgico internacional. Ninguém possui nada melhor.

No dia 26, porém, o juiz federal Ricardo Felipe Rodrigues Macieira mandou suspender as obras no Maranhão. No Pará, já foram realizados 30% dos serviços previstos. No Estado vizinho eles estavam começando. O juiz concedeu as medidas antecipadas de tutela requeridas em ação civil pública por três entidades: a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Centro de Cultura Negra do Maranhão.

A primeira surpresa vem da correlação de forças: como é que um único advogado, a serviço de ONGs de pequeno porte, conseguiu vencer a enorme assessoria jurídica da poderosa Vale?

Examinando o processo, alguém concluirá que não foi propriamente a consistência da petição inicial dos autores que levou o juiz federal a conceder a medida: em seu favor laborou com eficiência o outro réu na contenda, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Os que desejam parar a duplicação da ferrovia não fariam melhor do que ele.

Os representantes do Ibama reconheceram que o licenciamento da obra não seguiu o modelo completo, mas a forma simplificada. A Vale não precisou elaborar um EIA-Rima (Estudo de Impacto Ambiental-Relatório de Impacto Ambiental). Ela foi autoridade a realizar apenas estudos simplificados e isolados, como se estivesse fazendo reformas e consertos na linha férrea.

É espantoso que tenha sido assim diante de uma empreitada que vai tornar ainda maior o impacto da ida e vinda de uma composição com quatro locomotivas e 400 vagões, que leva quatro minutos passando em determinado ponto. E que criará o maior corredor de escoamento de minério do planeta.

O Ibama disse que se permitiu esse procedimento com base no seu poder discricionário, como o órgão ambiental do governo federal, autorizado por lei a assim agir. E foi além: está fazendo licenciamentos parciais, que seguem, por isso mesmo, rotinas pulverizadas. Não há uma visão global da obra nem a possibilidade de vislumbrar o seu significado. É exposta por partes, retalhada.

Esse tipo de visão parece se basear num simplório senso comum: o eixo da ferrovia já existe e ela está em funcionamento desde 1985. Só que o impacto inicial de Carajás foi gradual até o final do século passado. Sobretudo depois de 2001, entrou num ritmo frenético, com a abertura do mercado chinês.

Hoje, a China compra 60% desse filé-mignon ferrífero. O Japão fica com 20%. Em apenas três anos, a nova etapa de Carajás (batizada de S11D) fará o que, antes, exigiu três vezes mais tempo. A obsessão pela velocidade levou a Vale a inovar na tecnologia de extração do minério: na nova mina, no lugar dos imensos caminhões carregados de minério, o transporte será feito por esteiras rolantes. É a primeira mina de ferro com essas características no mundo.

Essa busca pelo máximo parece ter impedido a Vale e o Ibama de atentarem para as pessoas que existem ao longo dos quase 900 quilômetros da ferrovia, em 20 municípios. Índios, descendentes de quilombolas, camponeses e outros personagens viraram abstração, que acabou por se materializar na ação e na sentença do juiz federal.

Só não se materializou na grande imprensa nacional. Quem percorrer os jornais e circular pelos canais de televisão deixará de assistir a essa atração do momento: a luta entre David e Golias nos sertões do Maranhão. Como o programa não tem patrocinador, a imprensa não lhe dá atenção.

A Vale, dentre outros títulos, é também a maior anunciante privada do Brasil. Isso conta. E muito. Por isso, a empresa não se deu ao trabalho de explicar-se ao distinto público. 

Sua explicação deve ter sido em petit comitê, como dizem eles, os brancos, que. assim, sempre se entendem.

Por Lúcio Flávio Pinto, 04 de agosto de 2012

FONTE:http://www.justicanostrilhos.org/nota/1035

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