06/08/2012
Desde
o dia 26 de julho estão suspensas as obras do maior investimento da
Vale para este ano.
Veja, a seguir, a reflexão de Lúcio Flávio Pinto.
"Essa busca pelo máximo parece ter impedido a Vale e o Ibama de
atentarem para as pessoas que existem ao longo dos quase 900 quilômetros
da ferrovia, em 20 municípios".
Veja também o artigo do Valor Econômico.
A duplicação da ferrovia de Carajás deveria absorver 2,7 bilhões de
reais no período. Esses recursos representam 20% do bilionário orçamento
de investimentos da Vale para 2012. A mineradora é a maior empresa
privada do Brasil e do continente, uma das 50 do mundo. Também é a maior
exportadora do país. De cada 10 dólares depositados no caixa do Banco
Central, US$ 2 resultam de vendas da ex-estatal.
A ferrovia tem 892 quilômetros de extensão. Vai da mina de Carajás,
no Pará, ao porto de Ponta da Madeira, na ilha de São Luiz, a capital do
Maranhão. Por ela trafega o maior tem de cargas do mundo. Com 400
vagões e quatro quilômetros de extensão, esse trem faz nove viagens
diárias. Transportou no ano passado 130 milhões de toneladas, sendo 110
milhões de minério de ferro. Ao fim de cada dia, o minério que
movimentou representa 30 milhões de dólares.
A Vale quer elevar esse volume para 230 milhões de toneladas. Para
isso, tem que praticamente duplicar a linha. Os gastos com a ferrovia
são os mais pesados desse projeto. Junto com a ampliação do porto,
consumirão R$ 23,5 bilhões dos R$ 40 bilhões totais do empreendimento.
Os outros R$ 16,5 bilhões serão aplicados na mina e na usina.
Em 2016 os trens serão maiores, a ferrovia não será mais singular, a
produção atingirá um patamar recorde. Em três anos de implantação, será
alcançada a meta estabelecida. Aos preços atuais, o faturamento em
Carajás passará então de US$ 25 bilhões.
Prevê-se que essa seja a obra mais cara da segunda década deste
século no Brasil. E das que maior faturamento – em moeda externa –
proporcionará ao país. Carajás tem a maior jazida de alto teor do mundo
de minério de ferro. Sua cotação está garantida, mesmo que haja variação
em todo mercado siderúrgico internacional. Ninguém possui nada melhor.
No dia 26, porém, o juiz federal Ricardo Felipe Rodrigues Macieira
mandou suspender as obras no Maranhão. No Pará, já foram realizados 30%
dos serviços previstos. No Estado vizinho eles estavam começando. O juiz
concedeu as medidas antecipadas de tutela requeridas em ação civil
pública por três entidades: a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, o
Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Centro de Cultura Negra do
Maranhão.
A primeira surpresa vem da correlação de forças: como é que um único
advogado, a serviço de ONGs de pequeno porte, conseguiu vencer a enorme
assessoria jurídica da poderosa Vale?
Examinando o processo, alguém concluirá que não foi propriamente a
consistência da petição inicial dos autores que levou o juiz federal a
conceder a medida: em seu favor laborou com eficiência o outro réu na
contenda, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis). Os que desejam parar a duplicação da ferrovia não
fariam melhor do que ele.
Os representantes do Ibama reconheceram que o licenciamento da obra
não seguiu o modelo completo, mas a forma simplificada. A Vale não
precisou elaborar um EIA-Rima (Estudo de Impacto Ambiental-Relatório de
Impacto Ambiental). Ela foi autoridade a realizar apenas estudos
simplificados e isolados, como se estivesse fazendo reformas e consertos
na linha férrea.
É espantoso que tenha sido assim diante de uma empreitada que vai
tornar ainda maior o impacto da ida e vinda de uma composição com quatro
locomotivas e 400 vagões, que leva quatro minutos passando em
determinado ponto. E que criará o maior corredor de escoamento de
minério do planeta.
O Ibama disse que se permitiu esse procedimento com base no seu poder
discricionário, como o órgão ambiental do governo federal, autorizado
por lei a assim agir. E foi além: está fazendo licenciamentos parciais,
que seguem, por isso mesmo, rotinas pulverizadas. Não há uma visão
global da obra nem a possibilidade de vislumbrar o seu significado. É
exposta por partes, retalhada.
Esse tipo de visão parece se basear num simplório senso comum: o eixo
da ferrovia já existe e ela está em funcionamento desde 1985. Só que o
impacto inicial de Carajás foi gradual até o final do século passado.
Sobretudo depois de 2001, entrou num ritmo frenético, com a abertura do
mercado chinês.
Hoje, a China compra 60% desse filé-mignon ferrífero. O Japão fica
com 20%. Em apenas três anos, a nova etapa de Carajás (batizada de S11D)
fará o que, antes, exigiu três vezes mais tempo. A obsessão pela
velocidade levou a Vale a inovar na tecnologia de extração do minério:
na nova mina, no lugar dos imensos caminhões carregados de minério, o
transporte será feito por esteiras rolantes. É a primeira mina de ferro
com essas características no mundo.
Essa busca pelo máximo parece ter impedido a Vale e o Ibama de
atentarem para as pessoas que existem ao longo dos quase 900 quilômetros
da ferrovia, em 20 municípios. Índios, descendentes de quilombolas,
camponeses e outros personagens viraram abstração, que acabou por se
materializar na ação e na sentença do juiz federal.
Só não se materializou na grande imprensa nacional. Quem percorrer os
jornais e circular pelos canais de televisão deixará de assistir a essa
atração do momento: a luta entre David e Golias nos sertões do
Maranhão. Como o programa não tem patrocinador, a imprensa não lhe dá
atenção.
A Vale, dentre outros títulos, é também a maior anunciante privada do
Brasil. Isso conta. E muito. Por isso, a empresa não se deu ao trabalho
de explicar-se ao distinto público.
Sua explicação deve ter sido em
petit comitê, como dizem eles, os brancos, que. assim, sempre se
entendem.
FONTE:http://www.justicanostrilhos.org/nota/1035
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