A ampla sala da Casa 14 de um
conjunto residencial do Lago Sul não recebe mobília definitiva há mais
de um ano. A brancura das paredes é quebrada por cartazes de
manifestações e bandeiras de movimentos sociais dispostos no ambiente.
As bandeiras dos movimentos Sem Terra e Sem Teto dividem espaço com um
cartaz de cores verde e rosa, em que o símbolo do sexo masculino é
adornado pelas palavras “homem, deixe o feminismo te libertar”.
Em um
tripé mais adiante, um banner ostenta o slogan dos jovens moradores da
Casa 14: “Imaginar para revolucionar”. Eles têm entre 22 e 26 anos.
Quando mudaram para o imóvel de dois pavimentos, na tranquila rua da
quadra QL 28, os rapazes pretendiam passar por uma vivência política
intensa. Integrantes do Brasil e Desenvolvimento (BeD), grupo político
que nasceu no universo estudantil da Universidade de Brasília (UnB),
sonhavam interferir na realidade política e social do Brasil.
“Revolução”, dizem, “é lutar por uma nova política, mais inclusiva e
participativa, mais justa e mais humana”.
Assim começa a matéria a respeito do
B&D e de vários coletivos que, em todo o país, se uniram para fazer
política transformadora. O texto foi publicado na edição impressa de
hoje (11) no jornal Correio Braziliense, o maior da capital. Publicamos,
abaixo, o texto na íntegra.
Aqui, para ler no site do jornal: Correio Braziliense
Correio Braziliense: A era do ativismo político via internet
“A internet é fundamental. É nossa
principal ferramenta de articulação e participação política. Lá,
postamos vídeos que suscitam discussões, publicamos artigos e nos
conectamos com outras pessoas e até com outros coletivos, o que nos
ajuda a montar e participar de ações mais amplas”, disse Edemilson
Paraná, jornalista, mestrando em sociologia e analista de comunicação do
Ministério Público da União que milita no BeD.
Entre as ações do grupo, pode-se listar
desde consultorias jurídicas e logísticas gratuitas a movimentos sociais
até vídeos humorísticos que usam a ironia para falar de conhecidas
figuras da política nacional. “Não somos um movimento social. Somos um
agrupamento de pessoas que acreditam num conjunto de pautas e defendem
um modelo de sociedade. Grupos como o nosso possibilitam a oxigenação,
de fora para dentro, da estrutura tradicional de representação
política”, disse Paraná.
Denúncias
O sociólogo da UnB e pesquisador do mundo virtual Antônio Flávio Testa lembra o poder que esses grupos têm de interferir na agenda política, levantando debates, fomentando denúncias e até interferindo na criação de projetos de lei. “Discussões iniciadas por alguns movimentos na internet acabam desembocando em legislações e obrigando o Congresso a se posicionar sobre o assunto”, disse. Mas ele não acredita que ações pontuais consigam interferir de forma contundente nos complexos processos decisórios. “Não enquanto a população não acordar para discutir essas coisas. As pessoas não acompanham o dia a dia dos políticos. Se dá o voto, tem que acompanhar”, defendeu.
O sociólogo da UnB e pesquisador do mundo virtual Antônio Flávio Testa lembra o poder que esses grupos têm de interferir na agenda política, levantando debates, fomentando denúncias e até interferindo na criação de projetos de lei. “Discussões iniciadas por alguns movimentos na internet acabam desembocando em legislações e obrigando o Congresso a se posicionar sobre o assunto”, disse. Mas ele não acredita que ações pontuais consigam interferir de forma contundente nos complexos processos decisórios. “Não enquanto a população não acordar para discutir essas coisas. As pessoas não acompanham o dia a dia dos políticos. Se dá o voto, tem que acompanhar”, defendeu.
Os protestos e abaixo-assinados não
foram capazes de impedir a eleição de Renan Calheiros (PMDB-AL) à
presidência do Senado. “O Congresso não tem o direito de decidir contra o
desejo da sociedade”, disse um dos diretores do Movimento de Combate à
Corrupção Eleitoral (MCCE), Márlon Reis, pouco antes da confirmação do
nome que irá comandar o Congresso nos próximos dois anos.
Nos dias que
antecederam a eleição, o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), também
disse o que pensa sobre o assunto, em entrevista publicada no Correio:
“Isso (o movimento na internet contra Calheiros, que ontem somava 1,34
milhão de assinaturas) pode ter efeito externo, não aqui dentro”.
Mobilização
Conheça as propostas de alguns grupos da sociedade criados para acompanhar e influenciar a política.
Ocupe a Câmara
Grupo nascido nas redes sociais depois que vereadores de Belo Horizonte tentaram aumentar o próprio salário em 61,8% no apagar das luzes de 2011. Internautas se organizaram nas redes sociais com a proposta de nunca deixar a Câmara Municipal vazia.
Grupo nascido nas redes sociais depois que vereadores de Belo Horizonte tentaram aumentar o próprio salário em 61,8% no apagar das luzes de 2011. Internautas se organizaram nas redes sociais com a proposta de nunca deixar a Câmara Municipal vazia.
Brasil e Desenvolvimento (BeD)
Reúne jovens que têm o objetivo de estimular as discussões sobre política, pautando não apenas a academia, como a imprensa e a própria atividade dos legisladores.
Reúne jovens que têm o objetivo de estimular as discussões sobre política, pautando não apenas a academia, como a imprensa e a própria atividade dos legisladores.
Transparência Hacker
Apesar do nome, não são piratas virtuais. Os especialistas em computadores apenas trabalham com dados que são abertos. A ideia é divulgar informações governamentais que já são públicas, tornando-as mais acessíveis.
Apesar do nome, não são piratas virtuais. Os especialistas em computadores apenas trabalham com dados que são abertos. A ideia é divulgar informações governamentais que já são públicas, tornando-as mais acessíveis.
Direitos Urbanos (DU)
Fundado no Recife, o grupo promove discussões sobre políticas que envolvem a capital pernambucana, como urbanismo e trânsito.
Fundado no Recife, o grupo promove discussões sobre políticas que envolvem a capital pernambucana, como urbanismo e trânsito.
Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
Reúne 51 entidades nacionais de todo o país com foco no processo eleitoral. Foi responsável pela campanha que originou a Lei da Ficha Limpa. Hoje, trabalha com um projeto para a reforma do sistema político brasileiro.
Reúne 51 entidades nacionais de todo o país com foco no processo eleitoral. Foi responsável pela campanha que originou a Lei da Ficha Limpa. Hoje, trabalha com um projeto para a reforma do sistema político brasileiro.
A serviço da transparência
Também nascido da vontade de provocar
mudanças, um outro grupo, o Transparência Hacker, acredita no poder do
conhecimento e trabalha coletivamente para munir a sociedade com
informação. Com braços em São Paulo, Belém e Brasília, trabalha para
transformar dados desconexos em textos passíveis de interpretação pelo
cidadão comum.
O grupo de Brasília reuniu, por exemplo, todas as emendas
parlamentares rubricadas pelos deputados distritais em 2012 e montou um
mapa geolocalizado que permite que o usuário saiba para quais ações os
recursos estão sendo direcionados, possibilitando a consulta por região
administrativa do Distrito Federal. O resultado está no site www.eufiscalizo.com.br. Agora, eles estão fazendo o mesmo com as emendas de 2013. O resultado está sendo publicado no emendas.crowdmap.com.
“A palavra hacker foi deturpada. Hacker é
aquele que revela o que está velado, partindo do conceito de que o
conhecimento pertence a toda humanidade”, disse o servidor público
formado em telecomunicações e informática Dênis Lima, 37 anos. “Nós
costumamos fazer hackerdays. Pegamos um dia e reunimos pessoas com
conhecimentos em áreas diferentes, como contabilidade, gastos públicos,
direito e informática, e criamos aplicativos em que a população consegue
acessar informações, não apenas dados não processados”.
As reuniões do grupo são feitas em
espaços cedidos ou até em praças de alimentação. O dinheiro para pagar
os domínios dos sites e as hospedagens dos bancos de dados saem dos
bolsos dos participantes. “Não é preciso ter sede. Pode-se simplesmente
fazer uso das redes sociais, por exemplo”, diz Antônio Flávio Testa.
(JC)
O modelo de cidade
É nas redes sociais que o grupo
recifense Direitos Urbanos (DU) se organiza, promove discussões que
fomentam ações coletivas. A mais conhecida é a luta para evitar que um
cartão-postal da capital pernambucana, o Cais José Estelita, hoje
ocupado por armazéns há muito em desuso, dê lugar a 13 edifícios. A
obra, defendem, alteraria a paisagem e impactaria o trânsito.
O DU conseguiu pautar a imprensa e
chamar a atenção da sociedade recifense. “Esse fenômeno que estamos
vivendo é novo e importantíssimo”, defende Raquel Rolnik, ex-diretora de
Planejamento da Cidade de São Paulo. Mas ela não doura a pílula quando
fala na capacidade que esses grupos têm de interferir nas relações de
poder. “Esses movimentos ainda são minoritários, mas estão crescendo.
Quando eles vão ter força suficiente para incidir na agenda política
real, veremos.” (JC)
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