Pedro Porfírio -
Desequilíbrio e chavões grosseiros mostram que o corporativismo mercantilista
é também mais embaixo.
Tudo numa tentativa infantil de mudar o foco da questão – a diferença concreta entre a profilaxia de ganhos reais exibidos pela Organização Mundial de Saúde e a indústria do tratamento robotizado, que torna o médico um autômato sem obrigação de raciocinar, custa os olhos da cara e inviabiliza a prática da medicina sem o uso abusivo da parafernália eletro-magnética.
Em nenhum momento há qualquer referência nos mais de 180
comentários postados às benesses de um Estado que gasta uma grana preta com
jovens de boa situação, que representam a grande maioria das faculdades estatais
e delas saem para o “mercado” sem
qualquer compromisso com a sociedade que os
bancou num regime absolutamente injusto de alocação dos recursos públicos para
educação: só o terceiro grau abocanha
51% (R$ 18 bilhões), isso sem falar nos facilitários de programas de renúncias
fiscais e subvenções, como o Prouni.
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A grande preocupação
dos adversários da contratação de cubanos é apontá-los como inaptos, exigindo que se submetam a uma
prova enigmática, como bem descreveu o leitor Nelson da Cunha, inspirada no
modelo doentio equivocado que drena para um ralo as verbas oficiais, impondo um
insólito constrangimento diplomático do tipo:
"Precisamos
dos seus médicos, mas não confiamos na aptidão dos mesmos atestada por suas
universidades".
Esses não são imigrantes
avulsos que se mudariam de mala e cuia, mas profissionais selecionados nos
termos de convênios entre nações que
devem respeito mútuo, com experiência em outros países, os quais só serão
chamados devido à determinação dos
patrícios de preferirem o litoral onde se esbaldam em exames sofisticados,
muitos desnecessários, e nas vantagens das variadas fontes de renda.
Prova, aliás, a que não submetem os nossos recém-formados
que, ao contrário dos advogados, podem saltar direto de um pardieiro mercantil,
com médias baixas e conhecimento relativo para o exercício pleno e
incontrolável do trato com a vida, saltos
responsáveis por alarmantes taxas de sucessivos erros médicos, o que levou o
Ministério da Saúde a lançar este ano o Programa Nacional de Segurança do
Paciente.
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A legislação do
Brasil permite que qualquer médico graduado aqui, em qualquer das 200
faculdades existentes, mesmo sem ter
feito residência médica, exerça qualquer especialidade. "Esses médicos que, por algum motivo,
não obtêm especialização costumam ir para áreas da medicina que necessitam de
mais profissionais, como na atenção primária de saúde ou nos atendimentos de
urgência ou emergência", diz Callegari: "a população acaba sendo exposta a profissionais menos experientes
e qualificados nesses atendimentos. O médico exerce a sua profissão com pouca
experiência em relação a diagnósticos e orientações de tratamentos, por
exemplo."
Resistência também aos medicamentos genéricos
Sabia que havia qualquer coisa de
deprimente e deplorável na área, fruto da
atuação perniciosa do poderoso e ultra-lucrativo complexo farmacêutico (temos
mais farmácias hoje do que padarias), do sistema viciado de terceirização
do SUS, das práticas levianas de burla das obrigações funcionais, do complexo
de interesses vorazes emanados dos planos de saúde e de uma didática acadêmica perigosamente voltada
para a robotização dos profissionais de saúde.
Mas não imaginava que o estrago já se enraizara em várias
gerações, explicando por que nenhum cidadão comum se sente no gozo do direito
constitucional à assistência médica. Ou por
que operários da construção civil (como os que reconstruíram o
Maracanã) fazem
greves para exigir contratações de planos privados de saúde. E por que
empresas e “cooperativas” de medicina de grupo deitam e rolam, arrancando
aumentos cada vez mais extorsivos principalmente nos planos-empresas, que estão
livres de controles oficiais.
Em greve, trabalhadores da obra do Maracanã pediam plano de saúde privado |
Ainda tenho esperança que os defensores da reserva de mercado que expõe um ralo
com dinheiros públicos sejam minorias. Que minorias sejam os que estão
inviabilizando os serviços de saúde para tirar proveitos pessoais
indecorosos, que sequer aceitam receitar um genérico por seus laços de dependência com
laboratórios que lhes prestam todo tipo de carinho.
Imagino que a maior parte da classe médica entende que o seu
legítimo direito à remuneração justa pela alta relevância de seu trabalho não
passa por um jogo sujo que torna muito mais numerosa a rede de sanguessugas infiltrados em todos os labirintos
da saúde ou atuando sem recato no superfaturamento
e na fraude de serviços, na indústria de exames caros, de cirurgias desnecessárias
ou mesmo na avalanche de cesarianas forçadas.
A possível contratação de médicos fora do Brasil pôs a nu
uma inquietação epidêmica e epidérmica, expondo
as vísceras de um ambiente contaminado, a certeza de que há algo de podre a
ser diagnosticado pelos médicos sérios, como o dr. Aloysio Campos da Paz, da Rede
Sarah, que teve de dar um chega pra lá
nos próprios colegas e colocar-se ao lado dos pacientes para garantir a excelência
do hospital que dirigia.
Governador de direita recorreu aos médicos cubanos
Junto com o destempero de recados intolerantes postados no
nosso blog, o pior que aconteceu foi a tendência doentia de ideologizar e partidarizar as divergências, com expressões boçais
que não podem ter partido de médicos ou estudantes de medicina, pois se assim fosse a necessidade de um choque
de sensatez numa corporação envolvida diretamente com a vida e a morte seria
uma operação de emergência inadiável. Corporação que não tem nada com maus
hábitos fatais, como daquela médica do Paraná, especialista em abreviar a morte
dos pacientes terminais.
Mal sabem esses subprodutos de um passado obscurantista que
quem primeiro recorreu aos médicos cubanos foi um GOVERNADOR ASSUMIDAMENTE DE DIREITA, no
passado ligado à linha dura do regime militar. Isso mesmo:
principal artífice do Estado de Tocantins e primeiro chefe do seu Executivo, José Wilson de Siqueira Campos, que foi
da Arena e do PDS, viu que só mesmo com um novo modelo de medicina pública, tal
como se praticava naquela ilha, seria possível equacionar os problemas de saúde
de muitos dos seus 139 municípios, dos quais 73 com menos de 5 mil habitantes.
Afinado com os militares, o governador Siqueira Campos abstraiu divergências ideológicas e chamou médicos cubanos para Tocantins. |
Quando o CRM de Tocantins conseguiu a primeira liminar
contra os médicos cubanos, seu filho, o senador Eduardo Siqueira Campos, do
PSDB, subiu à tribuna para exigir do então governador Marcelo Miranda uma
atitude corajosa em defesa daquele programa, que vinha produzindo resultados
visíveis para a população do seu estado. “Há
oito anos, em virtude de convênio, dezenas de médicos cubanos vêm atuando nos
pequenos municípios de Tocantins, onde conseguiam prestar excelentes serviços
de saúde à comunidade”.
R$ 35 mil para ter um ortopedista
A segunda aleivosia desses ignorantes de má fé foi creditar
à presidente Dilma Rousseff e ao PT, com fitos eleitorais e em face de “afinidades
ideológicas”, a iniciativa de recorrer à contratação de médicos estrangeiros,
especialmente os cubanos.
Foi a Frente Nacional dos Prefeitos que promoveu
uma ida em massa à Brasília com o objetivo de pedir ao governo federal a
imediata contratação de médicos fora do país e a redução das exigências do CFM. Muitos alegavam que nem oferecendo
salários superiores aos das grandes cidades conseguiam atrair profissionais litorâneos
para seus municípios.
Houve um caso, no município maranhense de Açailândia, a 559
km de São Luiz, em que a Prefeitura levou um tempo e teve de colocar anúncios
em jornais de outros Estados para contratar um ortopedista, oferecendo a bagatela de R$ 35.000 por mês.
E olha que
não se trata de uma cidadezinha: com a maior renda per capita do
Maranhão, 104 mil habitantes e uma crescente atividade empresarial, ela conta
com um hospital municipal de médio porte, além de 43 estabelecimentos de saúde,
dos quais 37 ligados ao SUS. Por acaso, o Estado do Maranhão é o que registra a
menor relação médico-população – 0,7 por 1000 hab.
E olha que
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Se um município desse porte teve que apelar, que dirá a
situação de mais dois mil municípios onde moram pessoas até hoje dependentes da
medicina caseira, de curandeiros ou de longos deslocamentos para avistar alguém
de jaleco branco.
Mas não foram apenas os do interior que pleitearam a
imediata contratação de médicos de fora para implementarem o programa saúde da
família. O prefeito de Fortaleza,
Roberto Cláudio, em encontro com a presidente Dilma Rousseff, defendeu a contratação de médicos estrangeiros para
atuar em hospitais da rede pública da Capital. Para ele, seria uma forma de
atender às reclamações de gestores municipais de todo o País sobre a falta de
profissionais interessados em trabalhar nas periferias das grandes cidades.
Brasileiros recusaram incentivos do governo
Toda a classe
médica está sabendo que de há muito o governo federal vem incentivando à
interiorização de profissionais. Além do
Programa Nacional de Valorização do Profissional de Atenção Básica – o Provab - , o Ministério da Saúde, em
conjunto com o da Educação, incluiu no mesmo pacote o Programa Pro - Residência,
que prevê a abertura de residências médicas para formação de profissionais nas
especialidades e nas regiões onde são necessários.
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No entanto, muitas
prefeituras não conseguiram implementar o Provab, programa que também oferece curso de pós-graduação em Saúde da Família,
e uma bolsa mensal do governo federal no valor de R$ 8 mil durante um ano.
Neste ano, o Provab recebeu 4.392 médicos nos serviços de atenção básica de
saúde em 1.407 municípios. Esses números correspondem a menos de 30% da meta
estabelecida.
Uma geração voltada para a medicina robótica
Parece claro
que o grande problema está na didática manipulada sob influência de quem ganha
excessivamente com o tratamento das doenças, em grande parte resultantes da falta de informação adequada.
Embora muitas das faculdades de medicina tenham problema até de cadáveres, o
jovem sonhador, que veio de colégios caríssimos e ganha casa, comida e roupa lavada às nossas custas, é induzido a
concentrar-se na medicina robótica, em que não terá de queimar a mufa e
recorrer à sua sensibilidade, talento e vocação. E provavelmente não lhe passa
pela cabeça a dívida que teria de saldar pela habilitação onerosa a custo zero
para ele.
Como os pilotos
dos jatos modernos, nossos acadêmicos embarcaram na dependência de diagnósticos
por aparelhos de alta tecnologia, ao contrário que acontecia com as antigas
gerações, como a do meu irmão já falecido, cearense formado na Universidade da Bahia, que
salvou muitas vidas quando tais geringonças
não existiam.
Para alguns,
provavelmente uma minoria, a farra do recurso à “medicina nuclear” tem outras motivações
nada científicas, assim como no abuso de cirurgias, prática que já levou as
autoridades norte-americanas a promoverem um choque contra os exageros, já nos
anos setenta.
É muito deprimente que alguns médicos
brasileiros tenham perdido a noção da realidade, por conta da manipulação inconsciente
em que se envolvem. É
claro que os avanços tecnológicos não podem ser recusados, mas o conhecimento
do paciente em toda a intimidade, como acontece no sistema do médico de família
é muito mais eficaz, principalmente quando a ele se tem acesso antes de
contrair doenças evitáveis pela orientação preventiva.
Muitos médicos
brasileiros, porém, se sentem ameaçados e não querem nem ouvir falar em cuidados
profiláticos e em políticas mais permanentes, como o saneamento básico e a educação alimentar, que reduziriam
ao mínimo as filas nos consultórios, clínicas e hospitais. Pelos mesmos motivos
esses profissionais se recusam a receitar genéricos, induzindo pacientes a
acreditarem que não são medicamentos confiáveis.
Veja no que dá a febre de exames como a ressonância
Gestão da saúde nas mãos de médicos de alto a baixo
Independente de
preferências ideológicas é preciso reconhecer que, embora tenha o maior
orçamento do país em relação a outras áreas, inclusive educação, a saúde
pública brasileira é extremamente precária. Somando os orçamentos da União, estaduais e
municipais, chegamos a R$ 150 bilhões em 2012 e a população continua apontando
o sistema de saúde como o maior vilão do serviço público.
É preciso
lembrar que toda a rede pública está em mãos de médicos, do Ministério da Saúde
ao diretor do posto local. Não é honesto abstrair essa informação básica.
Médicos costumam fazer lobbys, procurar políticos e apoios classistas para
assumirem as direções e os orçamentos das unidades de saúde, cortejadas por
inescrupulosas máfias de fornecedores e prestadores de serviços.
Muitos sequer
têm conhecimento de administração hospitalar, mas não medem expedientes para ter uma nesga
do poder na área. Quando um profissional
alega que falta tudo numa unidade de
saúde, e falta mesmo em muitos lugares, ele tende a culpar os governos, que
podem também ser responsabilizados. Mas e o seu colega que trocou o paciente por
uma chefia? E o material que some como um fato consumado e corporativamente
abafado?
Compras
superfaturadas, relacionamentos promíscuos com fornecedores e tolerância com
colegas que não aparecem (lembram do caso recente no Hospital Salgado Filho, do
Rio de Janeiro?) são praticados por colegas sob o constrangimento do
corporativismo: o diretor de hoje pode
ser o subordinado de amanhã e vice-versa.
Tudo isso se
junta na barricada contra o modelo preventivo, que é desprezado mesmo nas unidades públicas criadas com esse fim,
como acontece nas clínicas de saúde da família implantadas pelo prefeito Eduardo Paes, no
Rio de Janeiro. Aí, além das barreiras corporativistas, pesa também a falta de informação
da população, que não faz diferença entre uma clínica dessas e uma UPA de pronto
socorro.
Temos,
portanto,
um impasse de natureza conceitual. No Brasil onde todos querem se dar
bem da noite para o dia, é cada vez mais difícil reformular as políticas
de
saúde, sem que haja um movimento de fora para dentro do sistema,
pensando primeiro na população, sem que isso signifique postar-se
contra a
corporação.
É sobre a
necessidade de mudar que escreverei meu próximo artigo.
PEDRO PORFÍRIO é jornalista, escritor e teatrólogo.
Tornou-se repórter muito jovem e exerceu várias funções públicas, como
Secretário Municipal de Desenvolvimento Social por duas vezes, bem como
mandatos de vereador no Rio de Janeiro em 4 legislaturas.
Matéria Lincada de:
Continue Lendo sobre este Assunto:
Por que os médicos cubanos assustam? http://maranauta.blogspot.com.br/2013/05/por-que-os-medicos-cubanos-assustam.html
Médico Pedro Saraiva opina sobre a vinda dos 6.000 médicos cubanos. http://maranauta.blogspot.com.br/2013/05/pedro-saraiva-sobre-vinda-dos-6000.html
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