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Em editorial histórico, jornal O Globo reconhece
que errou ao apoiar o golpe militar de 1964, mas diz que outros veículos
de comunicação, como Folha e Estado, fizeram o mesmo; mea culpa
acontece um dia depois de a emissora ser alvo de um protesto violento de
Black Blocs, que atiraram esterco na emissora; ao longo de sua
história, Roberto Marinho andou de mãos dadas com os generais, como na
foto com João Batista Figueiredo; será mesmo que a Globo se arrependeu
ou são lobos que se vestem de cordeiros para aplacar a fúria das ruas?
31 de Agosto de 2013 às 21:58.
247 - Quase
meio século depois do golpe militar de 1964, a poderosa Globo fez um mea
culpa histórico. Reconheceu que errou ao apoiar a ditadura, mas disse
que seu erro foi compartilhado por outros meios de comunicação, como
Folha e Estado de S. Paulo.
O reconhecimento ocorre um dia
depois de a Globo ser alvo de um protesto violento, em São Paulo, quando
um grupo de Black Blocs atirou esterco na sede da emissora. "À luz da
História, contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente,
que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões
editoriais do período que decorreram desse desacerto original", diz o
texto, divulgado hoje pelo grupo editorial da família Marinho.
No mesmo texto, a Globo afirma que a
democracia "é um valor absoluto". Mas será que a Globo de hoje, de
fato, respeita a soberania popular ou continua combatendo, com a mesma
ênfase de sempre, governos trabalhistas, como fez com João Goulart,
antes de 1964, Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, e, agora, com o
projeto Lula-Dilma?
Terá mesmo a Globo se arrependido ou são lobos que se vestem de cordeiros para aplacar a fúria das ruas?
Abaixo, o editorial do Globo:
Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro.
RIO - Desde as manifestações de
junho, um coro voltou às ruas: “A verdade é dura, a Globo apoiou a
ditadura”. De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma
verdade dura.
Já há muitos anos, em discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio foi um erro.
Há alguns meses,
quando o Memória estava sendo estruturado, decidiu-se que ele seria uma
excelente oportunidade para tornar pública essa avaliação interna. E um
texto com o reconhecimento desse erro foi escrito para ser publicado
quando o site ficasse pronto.
Não lamentamos que essa publicação
não tenha vindo antes da onda de manifestações, como teria sido
possível. Porque as ruas nos deram ainda mais certeza de que a avaliação
que se fazia internamente era correta e que o reconhecimento do erro,
necessário.
Governos e instituições têm, de alguma forma, que responder ao clamor das ruas.
De nossa parte, é o que fazemos
agora, reafirmando nosso incondicional e perene apego aos valores
democráticos, ao reproduzir nesta página a íntegra do texto sobre o tema
que está no Memória, a partir de hoje no ar:
1964 - “Diante de qualquer reportagem ou
editorial que lhes desagrade, é frequente que aqueles que se sintam
contrariados lembrem que O GLOBO apoiou editorialmente o golpe militar
de 1964.
A lembrança é sempre um incômodo
para o jornal, mas não há como refutá-la. É História. O GLOBO, de fato, à
época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros
grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”,
“Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”, para citar apenas alguns. Fez
o mesmo parcela importante da população, um apoio expresso em
manifestações e passeatas organizadas em Rio, São Paulo e outras
capitais.
Naqueles instantes, justificavam a
intervenção dos militares pelo temor de um outro golpe, a ser desfechado
pelo presidente João Goulart, com amplo apoio de sindicatos — Jango era
criticado por tentar instalar uma “república sindical” — e de alguns
segmentos das Forças Armadas.
Na noite de 31 de março de 1964, por
sinal, O GLOBO foi invadido por fuzileiros navais comandados pelo
Almirante Cândido Aragão, do “dispositivo militar” de Jango, como se
dizia na época. O jornal não pôde circular em 1º de abril. Sairia no dia
seguinte, 2, quinta-feira, com o editorial impedido de ser impresso
pelo almirante, “A decisão da Pátria”. Na primeira página, um novo
editorial: “Ressurge a Democracia”.
A divisão ideológica do mundo na
Guerra Fria, entre Leste e Oeste, comunistas e capitalistas, se
reproduzia, em maior ou menor medida, em cada país. No Brasil, ela era
aguçada e aprofundada pela radicalização de João Goulart, iniciada tão
logo conseguiu, em janeiro de 1963, por meio de plebiscito, revogar o
parlamentarismo, a saída negociada para que ele, vice, pudesse assumir
na renúncia do presidente Jânio Quadros.
Obteve, então, os poderes
plenos do presidencialismo. Transferir parcela substancial do poder do
Executivo ao Congresso havia sido condição exigida pelos militares para a
posse de Jango, um dos herdeiros do trabalhismo varguista.
Naquele
tempo, votava-se no vice-presidente separadamente. Daí o resultado de
uma combinação ideológica contraditória e fonte permanente de tensões: o
presidente da UDN e o vice do PTB. A renúncia de Jânio acendeu o
rastilho da crise institucional.
A situação política da época se
radicalizou, principalmente quando Jango e os militares mais próximos a
ele ameaçavam atropelar Congresso e Justiça para fazer reformas de
“base” “na lei ou na marra”.
Os quartéis ficaram intoxicados com a luta
política, à esquerda e à direita. Veio, então, o movimento dos
sargentos, liderado por marinheiros — Cabo Ancelmo à frente —, a
hierarquia militar começou a ser quebrada e o oficialato reagiu.
Naquele contexto, o golpe, chamado
de “Revolução”, termo adotado pelo GLOBO durante muito tempo, era visto
pelo jornal como a única alternativa para manter no Brasil uma
democracia.
Os militares prometiam uma intervenção passageira,
cirúrgica. Na justificativa das Forças Armadas para a sua intervenção,
ultrapassado o perigo de um golpe à esquerda, o poder voltaria aos
civis. Tanto que, como prometido, foram mantidas, num primeiro momento,
as eleições presidenciais de 1966.
O desenrolar da “revolução” é
conhecido. Não houve as eleições. Os militares ficaram no poder 21 anos,
até saírem em 1985, com a posse de José Sarney, vice do presidente
Tancredo Neves, eleito ainda pelo voto indireto, falecido antes de
receber a faixa.
No ano em que o movimento dos
militares completou duas décadas, em 1984, Roberto Marinho publicou
editorial assinado na primeira página. Trata-se de um documento
revelador. Nele, ressaltava a atitude de Geisel, em 13 de outubro de
1978, que extinguiu todos os atos institucionais, o principal deles o
AI5, restabeleceu o habeas corpus e a independência da magistratura e
revogou o Decreto-Lei 477, base das intervenções do regime no meio
universitário.
Destacava também os avanços
econômicos obtidos naqueles vinte anos, mas, ao justificar sua adesão
aos militares em 1964, deixava clara a sua crença de que a intervenção
fora imprescindível para a manutenção da democracia e, depois, para
conter a irrupção da guerrilha urbana. E, ainda, revelava que a relação
de apoio editorial ao regime, embora duradoura, não fora todo o tempo
tranquila.
Nas palavras dele: “Temos permanecido fiéis aos seus
objetivos [da revolução], embora conflitando em várias oportunidades com
aqueles que pretenderam assumir a autoria do processo revolucionário,
esquecendo-se de que os acontecimentos se iniciaram, como reconheceu o
marechal Costa e Silva, ‘por exigência inelutável do povo brasileiro’.
Sem povo, não haveria revolução, mas apenas um ‘pronunciamento’ ou
‘golpe’, com o qual não estaríamos solidários.”
Não eram palavras vazias. Em todas
as encruzilhadas institucionais por que passou o país no período em que
esteve à frente do jornal, Roberto Marinho sempre esteve ao lado da
legalidade. Cobrou de Getúlio uma constituinte que institucionalizasse a
Revolução de 30, foi contra o Estado Novo, apoiou com vigor a
Constituição de 1946 e defendeu a posse de Juscelino Kubistchek em 1955,
quando esta fora questionada por setores civis e militares.
Durante a ditadura de 1964, sempre
se posicionou com firmeza contra a perseguição a jornalistas de
esquerda: como é notório, fez questão de abrigar muitos deles na redação
do GLOBO.
São muitos e conhecidos os depoimentos que dão conta de que
ele fazia questão de acompanhar funcionários de O GLOBO chamados a
depor: acompanhava-os pessoalmente para evitar que desaparecessem.
Instado algumas vezes a dar a lista dos “comunistas” que trabalhavam no
jornal, sempre se negou, de maneira desafiadora.
Ficou famosa a sua frase ao general
Juracy Magalhães, ministro da Justiça do presidente Castello Branco:
“Cuide de seus comunistas, que eu cuido dos meus”. Nos vinte anos
durante os quais a ditadura perdurou, O GLOBO, nos períodos agudos de
crise, mesmo sem retirar o apoio aos militares, sempre cobrou deles o
restabelecimento, no menor prazo possível, da normalidade democrática.
Contextos históricos são necessários
na análise do posicionamento de pessoas e instituições, mais ainda em
rupturas institucionais. A História não é apenas uma descrição de fatos,
que se sucedem uns aos outros. Ela é o mais poderoso instrumento de que
o homem dispõe para seguir com segurança rumo ao futuro: aprende-se com
os erros cometidos e se enriquece ao reconhecê-los.
Os homens e as instituições que
viveram 1964 são, há muito, História, e devem ser entendidos nessa
perspectiva. O GLOBO não tem dúvidas de que o apoio a 1964 pareceu aos
que dirigiam o jornal e viveram aquele momento a atitude certa, visando
ao bem do país.
À luz da História, contudo, não há
por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro,
assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que
decorreram desse desacerto original. A democracia é um valor absoluto.
E, quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma.”
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