1. O planejamento - Brevemente, pode-se dizer que o ato de planejar consiste em observar o
passado e o presente para preparar-se para o futuro. Nessa avaliação do
que já existe de evidência histórica, estabelecem-se relações de causa e
consequência a fim de entender como se dão os processos analisados,
sendo eles técnicos, econômicos, políticos, sociais, culturais ou
ambientais.
Desta maneira, assume-se um rumo a ser tomado composto por
objetivos, metas e prazos e presume-se que ocorrerão determinados
comportamentos (individuais, regionais, nacionais, governamentais,
institucionais).
O planejamento é necessário em todas escalas, desde a individual à
global, para que as tomadas de decisão tenham coerência entre si e levem
à consecução de um objetivo que se julga acertado e legítimo. Agora,
focando na gestão de instituições, estabelecer metas de curto, médio e
longo prazos costuma ser uma prática positiva, afinal, nem sempre são as
mesmas pessoas que ocupam os cargos (há rotatividade) e às vezes a
perspectiva mais ampla se perde em detrimento das questões mais
cotidianas.
Sendo necessário então haver uma perspectiva de longo prazo
nos planejamentos, é preciso também considerar que deverá haver aporte
de recursos para que se alcance o que previamente se estabeleceu como
desejo a ser perseguido.
Estes dois parágrafos precedentes apresentam uma visão simples e até
determinista do planejamento, o que não é um problema se houver ciência
de que o planejamento é um instrumento norteador, definidor e
redefinidor das ações a serem efetivadas.
Isto é, pode ser reajustado ao
longo do tempo, desde que não se ajuste o tempo todo de forma que se
faça o planejamento caminhar para a realidade presente, ao invés da
realidade presente caminhar pelo planejamento.
No setor público,
torna-se ainda mais fundamental pois os cargos de tomada de grandes
decisões sofrem periodicamente alterações – o que se é bom pelo lado de
possibilitar a alternância de poder, por outro lado, dificulta a
continuidade de políticas públicas.
Assim, o planejamento é um importante instrumento de gestão que não
deve engessar, mas nortear a ação do poder público, especialmente se
considerarmos que frequentemente encontra-se a dicotomia “recursos
limitados x necessitadas ilimitadas”.
Porém, é preciso ter em mente que o
planejamento é intrinsecamente anacrônico, tal qual a cidade Fedora de
Ítalo Calvino (2003) ilustra, é uma cristalização de desejos. E como
não se pode afirmar nada sobre o futuro, apenas supor; quando o futuro
chega é natural que o planejamento carregue um certo ar de arcaicidade.
No centro de Fedora, metrópole de pedra cinzenta, há um palácio de metal com uma esfera de vidro em cada cômodo. Dentro de cada esfera vê-se uma cidade azul que é o modelo para uma outra Fedora. São as formas que a cidade teria podido tomar se por uma razão ou por outra, não tivesse se tornado o que é atualmente, Em todas as épocas, alguém, vendo Fedora tal como era, havia imaginado um modo de transformá-la na cidade ideal, mas, enquanto construía o seu modelo em miniatura, Fedora já não era mais a mesma de antes e o que até ontem havia sido um possível futuro hoje não passava de um brinquedo numa esfera de vidro.
2. Planejamento burocrático e planejamento democrático - Já posta a importância do ato de planejar em si, é importante
esclarecer que há várias formas de se planejar e que cada uma reflete
seus pressupostos e concepções, levando a diferentes resultados. A
seguir são abordados o planejamento burocrático e o democrático.
O planejamento burocrático calca-se em uma concepção de administração
centralizadora que tem eco na economia planificada implantada na antiga
União Soviética (LÖWY, 2009), uma referência “socialista”, e também é
constatada na administração pública brasileira, uma referência de país
capitalista.
Ou seja, embora o planejamento burocrático reflita
conceitos de centralização e autoritarismo, não é necessariamente
atrelado a um modelo econômico específico ou apenas ocorre onde não há
rotatividade de poder. Sua principal característica é a centralização
em poucos atores, geralmente do governo[1], das tomadas de decisão em
relação aos rumos da nação. O processo decisório é verticalizado e não
há garantias que demandas populares serão consideradas.
O planejamento democrático implica a previsão de ferramentas
institucionais de gestão participativa. Isso significa que cidadãos(ãs)
são co-gestores na formulação e deliberação das diretrizes de políticas
públicas, juntamente com o executivo e o legislativo.
A participação
da sociedade a alça a um papel protagonista tornando seus membros
responsáveis não só pelo próprio futuro, individual, mas também pelo
coletivo. Se o objetivo do planejamento é a antecipação de ações e ações
são empreendidas por alguém, é estratégico para seu sucesso envolver
os alguens necessários tanto à adoção das medidas quanto afetados por
elas.
Já existem alguns instrumentos como orçamentos participativo,
audiências públicas, conselhos, conferências, referendo, iniciativa
popular e plebiscito além da utilização de meios digitais para promover
participação.
Alguns carecem de regulamentação ou mesmo alteração da
regulamentação existente para tornarem-se viáveis (como os referendos,
iniciativas populares e plebiscitos[2]), outros precisam precisam ser
aprimorados como os conselhos, que não existem em diversos municípios, e
as audiências públicas, cujos resultados não exigem obrigatoriedade de
serem considerados.
Constata-se então que no Brasil há iniciativas isoladas e movimentos
institucionais mais sólidos também na migração de um planejamento
burocrático para um participativo – o que não quer dizer que não
tenha-se muito a avançar ainda na questão.
3. Celso Furtado e o planejamento brasileiro - É impossível falarmos de planejamento no Brasil e não falarmos de
Celso Furtado e desenvolvimento nacional. Para Celso Furtado, fundador
da escola econômica conhecida como estruturalismo, tem em sua teoria um
grande ponto forte: “a economia brasileira e suas estruturas são
historicamente determinadas”.
E assim como um país é um produto
histórico, assim também é o homem, como ele próprio, um fruto de
historicidades. Desta forma, foi um economista que floresceu numa época
cujas preocupações eram o crescimento econômico e o pleno emprego –
colocando assim o Estado em papel determinante para atingir essas metas.
Na década de 1950 Furtado foi representante do Brasil na CEPAL[3],
onde permaneceu por oito anos e teve contato com Raúl Prebish, que
distanciou-se das concepções hegemônicas dos economistas
latino-americanos para elaborar a teoria do sistema centro-periferia.
Portanto, influenciado tanto por Prebish como pelo keynesianismo e pelo
marxismo, Furtado formula sua teoria sobre desenvolvimento e
subdesenvolvimento, título de seu livro publicado em 1961. Nessa obra,
ele apresenta uma teoria do desenvolvimento integrado e tece
considerações sobre seus limites nos países subdesenvolvidos.
No contexto da CEPAL, Furtado fez parte do grupo Misto CEPAL-BNDE no
biênio 1953-1954 cujos trabalhos subsidiaram o Plano de Metas do
governo JK, a primeira experiência de planejamento no Brasil –
empreendida pelo Estado.
Essa necessidade do economista de entender o
subdesenvolvimento brasileiro para superá-lo foi o que o motivou a, em
1959, criar a SUDENE[4] que catalisaria as ações do planejamento
regional do Nordeste brasileiro nos anos 1960. Saiu do país por causa da
Ditadura Militar e retorna após a anistia, filiando-se ao PMDB em 1981 e
fazendo parte da Comissão do Plano de Ação do governo de Tancredo
Neves.
Percebe-se que o início da história de planejamento do Estado
Brasileiro passa necessariamente pela de Celso Furtado. Para ele a
intervenção estatal e o planejamento eram remédios necessários para a
quebra do ciclo que mantém o Brasil no subdesenvolvimento, na periferia
do sistema. E se, no início tratou-se de um planejamento burocrático,
centralizado em algumas instituições com seus coordenadores e
consultores, mais tarde permaneceu um paradigma pavimentador para um
planejamento regional democrático, como pode-se perceber pela
instituição da nova SUDENE que vem apostando “no planejamento regional
participativo para impulsão do desenvolvimento nacional”.
4. Planejamento e os movimentos sociais - Apesar dos enormes aspectos positivos proporcionados pelo
planejamento democrático, como as cooperativas agrícolas conquistadas
pelo movimento camponês brasileiro (MST) ou o bem-sucedido orçamento
participativo em Porto Alegre, o foco nesta seção será nas
consequências negativas do planejamento verticalizado, centralizado e
com parco diálogo entre governo e sociedade civil / movimentos sociais.
O
movimento de educação aponta como consequências da “ideologia
autoritária de planejamento na educação pública, nas últimas décadas, as
seguintes características” (SERPA, 2000):
• enfraquecimento da unidade escolar;
• desvalorização do professor;
• crescimento de quadros técnico-burocráticos nos diversos níveis de gestão da educação;
• desvinculação da unidade escolar pública da sociedade e consequente valorização da unidade escolar privada.
Para superação desses problemas aponta a necessidade de participação
nos três níveis administrativos (municipal, estadual e federal) do poder
público no que tange à educação pública, incluindo a formulação de
planejamento estratégico[5].
Outro exemplo vem do movimento por transporte público. As recentes
manifestações que ocorrem pelo Brasil desde 18 de fevereiro[6] foram
inicialmente convocadas pelo MPL (Movimento Passe Livre). Trata-se de um
movimento nacional que luta por transporte público e que tem como “uma
das principais bandeiras a migração do sistema de transporte privado
para um sistema público, garantindo o acesso universal através do passe
livre para todas as camadas da população”.
Independentemente da exequibilidade ou não da proposta do movimento, o
eco que houve na população paulistana por conta do aumento da tarifa de
R$3,00 para R$3,20 foi impressionante.
Acompanhando a movimentação nas
redes sociais é recorrente a seguinte frase “não é (só) por causa de 20
centavos que estou indo lá” complementada por uma série de relatos de
desrespeito de direitos que deveriam ser minimamente assegurados pelo Estado e não são.
Mas daí a haver uma mobilização de milhares[7] de pessoas nas ruas
antes das 18h (fim do expediente de trabalho) há um caminho que foi
percorrido. Ou melhor, não há canais suficientes, ou suficientemente
legítimos de diálogo e participação da população, que precisa lançar mão
de arriscar sua segurança[8] para que simplesmente seja ouvido que
estão insatisfeitos.
5. Conclusão - Bastante se discutiu sobre planejamento burocrático ou democrático e
um ponto fundamental é a existência de mecanismo de controle do plano a
todos os níveis – local, regional, nacional, continental e, até
internacional[9] – por parte da população, organizada em movimentos
sociais ou ONGs, ou não.
Não se trata de abolir uma hierarquia no
planejamento, assim como não se defende aqui abolir a democracia
representativa. Trata-se de entender a complementaridade que a
participação exerce no planejamento corrigindo vácuos de diálogo e
legitimidade, fortalecendo a democracia como um todo, inclusive porque o
planejamento democrático é corolário do próprio Estado Democrático de
Direito consignado na Constituição Federal Brasileira.
São interessantes diretrizes para um planejamento democrático:
• considerar ao menos os três níveis intra-nacionais de governo;
• construir a agenda de forma ampla e participativa, abarcado necessariamente dimensões sociais, culturais, políticas e ambientais;
• garantir canais permanentes de comunicação entre governo e sociedade, de forma a manter processos contínuos e envolventes;
• fomentar debate e munir de informações precisas a população;
• garantir poder de deliberação nos processos de planejamento.
Vale lembrar que um planejamento bem sucedido depende do engajamento
de todos atores sociais envolvidos, então um planejamento democrático
não apenas intensifica a democracia, como torna todo o processo mais
eficaz, dado que pessoas e instituições dispostas a colaborar muitas
vezes são a diferença entre um bom plano acontecer ou não.
6. Referências bibliográficas.
CALVINO, I. “As Cidades Invisíveis”, São Paulo: Folha de São Paulo, 2003. pp.16 Disponível em: http://www.marcodejacob.com/uploads/1/6/2/6/16264412/italo-calvino-as-cidades-invisiveis.pdf
GUIMARÃES, J., “As culturas brasileiras da participação democrática”.
In: AVRITZER, L. (Org.) A Participação em São Paulo. São Paulo: UNESP,
2005.
GUIMARÃES, Juarez. “A trajetória intelectual de Celso Furtado”. In:
TAVARES, Maria da Conceição (Org). Celso Furtado e o Brasil. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, 2000. pp.15-32. Disponível em: http://www.fpa.org.br/uploads/Celso_Furtado_e_o_Brasil.pdf
GUIMARÃES, Juarez. A construção de um novo paradigma.
Mimeo LÖWY, M. “Ecossocialismo e planejamento democrático”, In: Crítica Marxista, n.28, 2009. pp.35-50. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo164Artigo3.pdf
VIERA, F.L. R., “Celso Furtado, pensador do Brasil”. In: CONCEITOS, Julho de 2004 I Julho de 2005.
SERPA, L. F. P. “O Paradigma de Anísio Teixeira: Uma Educação para um Estado Democrático”, 2000. Disponível em: http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/livro6/paradigma_at.html
SINGER, P. Introdução à Economia Solidária. Disponível em: http://www.incoop.ufscar.br/Links/textos/paul-singer-2002-fundamentos.
Notas:
[1] Geralmente porque muitas vezes os governos eleitos acabam tendo
grande intersecção com grandes grupos econômicos que explicitamente
participam de ações de entes do governo, como pode ser constatado no
episódio do lobby da Casa Civil (http://www.dgabc.com.br/Noticia/209818/-lobby-causa-desconforto-diz-chinaglia?referencia=buscas-lista) ou no da aprovação da MP dos Portos (http://colunistas.ig.com.br/poderonline/2013/05/27/camara-quer-restringir-entrada-de-lobistas-no-plenario/)
[2] Campanha em Defesa da Democracia e da República: http://www.adocontb.org.br/index.php?codwebsite=&codpagina=00014286
[4] SUDENE: http://www.sudene.gov.br/sudene#instituicao%20sudene e http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp125.htm
[5] O Plano Nacional de Educação (PNE) é fruto de grande debate
nacional, mas não há comprometimento do governo em seu cumprimento nem
mecanismo que vise assegurar isso. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&id=16478&Itemid=1107
[6] Protestos contra o aumento das tarifas de transporte público no Brasil: http://pt.wikipedia.org/wiki/Protestos_contra_o_aumento_das_tarifas_de_transporte_público_no_Brasil_em_2013
[7] Para a manifestação de 17/junho/2013 houve mais de 190mil pessoas confirmadas no evento do Facebook.
[8] 24 Momentos dos protestos em São Paulo que você não verá na TV: http://www.melhorquebacon.com/24-momentos-protesto-sao-paulo/
[9] O âmbito internacional se justifica principalmente nas questões
ambientais já que, por exemplo, desequilíbrio de ecossistemas e
aquecimento global não respeitam fronteiras administrativas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário