Para o escritor Antoine de Saint-Exupéry, em seu Pequeno Príncipe,
livro de cabeceira de várias gerações – com mais de 230 traduções em
todo mundo –, o baobá representava um grande perigo, quer pelas
dimensões que atinge, quer pelas raízes que tanto se aprofundam quanto
se espalham.
O pequenino protagonista da obra passa um capítulo inteiro
empenhado em destruir todas as suas “terríveis” e “más” sementes que
infestam o solo de seu planetinha. Eu era criança quando esse livro caiu
em minhas mãos e o tal baobá diabolizado pelo simpático e loiro herói,
com quem eu havia aprendido que “tu te tornas eternamente responsável
por aquilo que cativas”, enraizou-se em meu imaginário como um símbolo
de terror, de destruição, cuja semente deve ser extirpada a qualquer
custo.
Diz a lenda que antes de serem embarcados nos navios negreiros, os
escravizados africanos, sob chibatadas, eram obrigados a dar dezenas de
voltas em torno de um imenso baobá – também chamado de embondeiro, em
alguns países –, enquanto negavam seus nomes, suas crenças, suas
origens, seu território, enfim, sua essência, para em seguida serem
batizados com uma identidade cristã-ocidental e enviados para o
cativeiro.
Por isso, o baobá passou a ser chamado de a “árvore do
esquecimento”, afinal, os “esquecidos” teriam deixado depositadas alí,
no tal baobá, suas verdadeiras identidades e memórias.
Outros autores, alguns pensadores, cientistas e vários políticos, ao
longo de nossa história, também têm se empenhado em alardear o quanto é
fundamental a extinção das sementes e raízes africanas para o sucesso do
modelo de sociedade que se impôs ao nosso País, cuja terra fértil “em
se plantando, tudo dá”.
“[O BAOBÁ É] SÍMBOLO DE MADAGASCAR E EMBLEMA
NACIONAL DO SENEGAL, COM FORTE CARGA CULTURAL EM VÁRIOS PAÍSES
AFRICANOS. NÃO À TOA , RECEBE TAMBÉM O NOME DE ‘ÁRVORE DA VIDA’.”
QUE ÁRVORE É ESSA, AFINAL? - Leitura indispensável para todas as crianças e adultos,
A Semente que Veio da África, de minha amiga antropóloga social Heloisa
Pires Lima e seus parceiros, o costa-marfiense Georges Gneka e o
moçambicano Mário Lemos, me fizeram refletir sobre o que realmente está
por trás desses temores. A árvore se chama cientificamente de Adansonia –
encontrada em oito espécies –, símbolo de Madagascar e emblema nacional
do Senegal, com forte carga cultural em vários países africanos.
Não à
toa, recebe também o nome de “árvore da vida”. Com seus frutos, a mukua,
riquíssimos em vitaminas e sais minerais, e a grande quantidade de água
guardada em seu tronco, alimenta e sacia a sede de um número grande de
pessoas.
Ela vive cerca de 6 mil anos e é considerada um elo de ligação
entre os povos, seus ancestrais e suas divindades. Aos seus pés, em
países como o Mali, são sepultados os griots, guardiões e propagadores
das histórias de seu povo, para que suas memórias fiquem ali
depositadas.
“A sabedoria é como o tronco de um embondeiro. Uma pessoa sozinha não
consegue abraçá-lo”, diz um provérbio de Moçambique. Talvez seja essa
sabedoria africana e o que ela representa que assustam tanto aqueles que
se desesperam diante da possibilidade da disseminação dessas sementes e
raízes. Sequestrados e trazidos à força para as Américas, os
sobreviventes do banzo construíram com sua força de trabalho, mas também
com seus saberes, as riquezas das nações para as quais a diáspora os
levou.
Em minhas reflexões, concluí que cada um desses africanos e de seus
descendentes transformou-se numa semente de baobá. O interessante é que,
a partir do momento em que nos debruçamos sobre essas reflexões, nada
mais consegue nos deter. Eu concluí meu conto intitulado “Uma Sede de
Beber o Mar” com o seguinte pensamento: “… ao pé do baobá, você jamais
se sente saciado. Sempre querer mais, muito mais”.
LEIA - http://geografia2011.wordpress.com/2011/06/03/lenda-do-baoba/ |
A MULTIPLICAÇÃO DOS BAOBÁS -
Desde o ano 2000, na Vila Matilde, zona leste da
capital paulista, essa árvore floresce, em forma de sonoridades, danças e
outros tipos de manifestações culturais afrobrasileiras. Trata-se do
Coral Baobá, formado por crianças e adolescentes de origens étnicas
diversas, fomentado por uma associação fundada por um grupo de artistas,
educadoras, intelectuais e empresárias. Através da preparação vocal e
corporal, da contação de histórias e de outras práticas, são
transmitidos conhecimentos e exercitadas vivências de africanidade.
Durante o recente lançamento do documentário Raça, de Joelzito Araújo
e Megan Mylan, o público foi informado de que a totalidade da renda de
exibição desse filme será doada ao Fundo Baobá para Equidade Racial, uma
organização sem fins lucrativos que visa mobilizar pessoas e recursos
em apoio a projetos de organizações afro-brasileiras que objetivem a
equidade racial.
Criado em 2011 como uma das estratégias de saída do
país da Fundação Kellogg, o Fundo Baobá reúne intelectuais e ativistas
afrobrasileiros para debater alternativas que ajudem a garantir a
sustentabilidade político-financeira dos projetos desenvolvidos por
essas organizações. A Fundação deixou um legado de US$ 25 milhões, ao
qual se deve somar igual valor, advindo de doações, recursos de
indivíduos, governos e empresas, assim como a iniciativa dos produtores
do documentário.
Dessa forma, vemos florescerem baobás – plantas, pessoas,
organizações – que se somam a tantos existentes país afora, como aquele
plantado, em 2002, na praça junto à escola de Geografia da Unicamp, em
homenagem a Milton Santos. A placa de identificação registra que, assim
como o grande geógrafo de reconhecimento internacional, o baobá é
“símbolo da resistência do povo negro”.
Link original desta Matéria: http://cenpah.wordpress.com/2013/08/28/o-baoba-e-simbolo-da-resistencia-do-povo-negro/
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