Deixei passar alguns dias de nossa derrocada futebolística para elaborar minha modesta reflexão sobre o que move nossa Seleção, nosso elenco dirigente da CBF e o atual cenário nacional brasileiro. Li muitos artigos e análises para me orientar nesse debate necessário, pois o Brasil é Pátria, é País, é Nação e é nosso Povo, tudo muito mais do que a Seleção Canarinha. Mas esta deve nos refletir, o que não aconteceu em nenhum de seus jogos nessa nossa maravilhosa Copa.
Primeiro, contexto a linguagem emotiva e “borrasquenta” usada contra os jogadores, contra Felipão e contra a nossa Seleção. Penso que não cabe na mente e na boca de pessoas do povo e lideres militantes termos como velho, no pior sentido possível do direito à velhice, quando sugerindo pejorativamente que ele errou em virtude da idade.
Ora, isso é preconceito contra todos os nossos cidadãos brasileiros que envelhecem. Filipão não errou por ser idoso, com mais de 60 anos. Também pega mal para nossa gente chamá-lo de burro, idiota, imbecil etc. Não é aceitável grosseria por parte de nossos melhores quadros sociais, intelectuais orgânicos na definição de Antonio Gramsci. O respeito, a inteligência e a razão são nossos principais dons, mesmo que nossos corações sangrem e sejam subjacentes de nossos pensamentos e análises.
Tais ofensas, desgraçadamente, é trato dado pela direita, que a ninguém respeita, cujo setor é composto dos que se acham donos da verdade, de autoritários, de exploradores que gritam e ofendem quem trabalha para eles, muitas vezes aviltados em seus direitos mínimos, principalmente o da consciência de cidadania. A eles, os direitistas, cabe esse papel, até porque desprezam os estudos, a cultura e os textos.
Segundo, penso que a derrota da Seleção Brasileira, de forma extremamente clara, não seu deu no campo do nosso maravilhoso Mineirão.
O que aconteceu na terça-feira, no inesquecível dia 08 de julho de 2014, é causa de forças até agora ocultas, mas que são resultantes diabólicos de projetos de anos passados.
A causa de nossas lágrimas e dor nacionais com a derrota de nossa Seleção chama-se neoliberalismo, ainda forte em todos os setores de nosso País. É o que essa corrente política, ideológica, econômica e cultural mais sabe causar: dor, derrota, lágrimas e luto.
O neoliberalismo foi desencadeado no mundo pelos fatídicos monstros Ronald Reagam, bandido que presidiu os Estados Unidos, e sua consorcia capacho Margaret Thatcher, primeira ministra da Inglaterra. Ambos promoveram desmontes das soberanias nacionais pelo mundo afora, desalojando o povo e a classe trabalhadora dos países periféricos dos seus direitos sociais, marginalizando milhões no desemprego, na pobreza e na miséria. Aqui no Brasil quem mais aplicou o receituário da tragédia foi Fernando Henrique Cardoso quando, embolado no mais alto clima de corrupção do País, jogou-nos todos sob a tutela infernal do mercado desumano e adorador do deus lucro.
O neoliberalismo faz negócios de todos os bens da vida, notadamente com interesse nos lucros de uma minoria dominante e manipuladora, de extrema perversidade para com a existência humana e o ambiente ecológico. Aqui transformou igrejas em balcões de negócios ao vender orações e curas, que o digam os balconistas Edir Macedo, Silas Malafaia, RR Soares, Valdomiro Santiago, a renovação carismática romana, as igrejas mediáticas e outros de menor expressão. Seus cultos e missas são mercados de venda de tudo.
Graças a isso os donos de suas superestruturas são verdadeiros mercenários da fé, de vida fácil e luxuosa. A desgraça que causam redunda na prostituição do maior bem do cristianismo, a profunda solidariedade comunitária, que impressionou Tertuliano e muitos historiadores e teólogos que estudaram a comovente experiência do cristianismo primitivo que, ao enfrentar as perseguições impostas pelo poderoso e violento império romano, ensinou a partilhar o pão e o vinho como realização prática do amor de Deus ao próximo, sem que ninguém restasse com necessidades.
No campo econômico o neoliberalismo impõe o modelo do lucro poderoso, privilegiando os ricos, gerando o empobrecimento dos lucros sociais e coletivos da maioria produtiva do povo. Assim como nas igrejas quem manda no Banco Central, que deveria alinhar a política econômica nacional, são os bancos, os senhores que manipulam os interesses estatais da economia.
De posse do poder econômico gestam a política dos lucros das grandes empresas nacionais e internacionais em desprestígio das necessidades e direitos da maioria de nosso povo. A quantidade de dinheiro concentrada em poucas mãos, graças ao suborno da riqueza nacional empreendida pelo neoliberalismo, é coisa escandalosa. Os bancos são as maiores provas dessa devassidão.
E assim é com todas as coisas. A tudo o neoliberalismo faz mercadoria como fonte de lucro de poucos. Por isso a privatização da educação, da saúde, da habitação, da segurança, dos transportes, tudo vira mercado comandado por poderosas máfias, que substituem o povo nas pressões que fazem sobre o Estado, sempre levando vantagens. O povo? Ora o povo, esse não interessa, a menos que sirva como mercadoria.
É isso que acontece no futebol. Somente uma grande tragédia possibilitará a análise crítica honesta e racional. De tragédia o neoliberalismo entende, pois é somente isso que ele significa para a sociedade. A ele não emocionam as lágrimas de milhões de crianças, de pais, de mães e da torcida ao se derreter de dor no Mineirão e pelo Brasil adentro. A menos que essas lágrimas de derrota dessem lucro para poucos perversos.
A situação dos clubes de futebol sob a égide do mercado se agravou a partir de Fernando Henrique Cardoso e seu ministro dos esportes, o anti povo Edson Arantes do Nascimento, o bajulador dos poderosos, ao estilo de Joaquim Barbosa, o “rei” Pelé. A partir do massacre promovido por FHC os clubes de futebol perderam as características populares e culturais da grande diversão do povo, para, dominado por cartolas mafiosos, ser fonte de negócios e enriquecimento de alguns, que passaram a mandar neste esporte em todo o País.
Como só acontecer sob o neoliberalismo os jogadores, principalmente os melhores, todos provindos dentre os pobres, das vilas e favelas, se tornaram mercadoria de vendas e compras por vultosas transações espúrias e nada transparentes. Os próprios familiares desses jogadores viraram empresários desavergonhados e participantes de negócios tipicamente escravos, vendendo seus filhos e parentes para empresas europeias.
É nesse contexto que se situa a malfadada CBF. Ela é uma empresa privada que gestiona o esporte nacional, a Seleção Brasileira, fazendo de seus jogadores e equipe de treinadores atores despreparados e garotos de propagandas de grandes empresas multinacionais e monopólios bancários, de bebidas e de automóveis.
Aí reside o problema. Tudo o que o mercado administra e faz mercadoria assassina ou, no mínimo, fere pondo a vida na UTI. Desde há tempos os clubes de futebol deixaram de ser clubes populares para virarem personalidade jurídicas de empresas privadas, por tanto, mercado. Graças a isso os jogadores são objetos de compra e venda com amparo “legal” das leis feitas pelo mercado. As violências nos estádios são produto do futebol feito mercadoria, onde o povo reduzido a categoria excluída de torcedores não tem participação. Os valores dos ingressos são taxados a altos custos para sustentar os cartolas e a mídia dominante e ditadora de quem transmite os jogos e excluidora de quem ela acha que não cumpre com os requisitos do mercado perverso.
Já fui torcedor fanático. Mas deixei de sê-lo quando me dei conta de que não existem mais times nem clubes de futebol, mas empresas comandadas por mafiosos, filhos do neoliberalismo e do Pelé.
A derrota da Seleção da CBF gerará o renascimento da Seleção Brasileira. Esta precisa ser estatal, administrada pelo governo federal, sem interferência do apodrecido e apodrecedor mercado. A Seleção Nacional Brasileira deverá se encarregar de ser grande universidade de jogadores e de jogadoras cidadãs patriotas, que ao treinarem e ao jogarem o farão para defender nossa Pátria e não os negócios empresariais nem os bancos nem revendedoras de automóveis, de bebidas e de telefones, rebaixando jogadores a papeis que não são os seus, de atores de quinta e propagandistas do mercado que a todos nos desgraça.
Não basta fazer nossos jogadores, pessoas que nascem do povo, em tietes para shows por onde passam, treinados para fornecer autógrafos artísticos. O que se espera deles é que sejam competentes em campo e exemplos da cidadania. Evidentemente que o mercado não tem como fazer isso.
A Seleção Brasileira deve ser órgão de Estado. Deve ser orientada por políticas públicas e sua prática deve ser política em favor do povo e da Nação. Basta de cartolas e mercenários do mercado.
Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.
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