Sábado, 09 de Janeiro de 2016.
por Cláudia Cardozo.
Hellen de Souza foi agredida por vizinho | Foto: Jamile Amine | Bahia Notícias
As atividades religiosas do terreiro Ilê Axé Oyá Omim Balé, localizado no bairro da Lapinha, em Salvador, cada vez mais deixam de ser realizadas devido à ameaça constante de morte que seus líderes sofrem por conta da intolerância religiosa.
Apesar de ser garantida na Constituição Federal, no artigo 5º, a liberdade religiosa dos adeptos do candomblé vem sendo compelida.
O babalorixá Jonatas de Souza, mais conhecido como Babá Deloiá, ao Bahia Notícias, relatou que as ameaças acontecem há muito tempo e teme por sua segurança e sua vida, assim como a dos demais que compõem a comunidade religiosa. Os cultos religiosos acontecem, agora, uma vez por mês, durante o dia, e mesmo assim, com muita cautela.
As agressões, segundo o babalorixá, são praticadas pelos vizinhos, com a liderança de Josenilson Furtado Sento Sé, conhecido como Batata, e pelos demais familiares. “Eles nos xingam com os nomes de baixo calão, ameaçam, atiram pedras até mesmo nos convidados, nos clientes.
Também já quebrou nossos objetos litúrgicos”, diz o líder religioso. Jonatas diz que o vizinho se aproveita da situação dos pais, que são idosos e do irmão, que é deficiente, para praticar os atos, e assim, sair impune.
O babalorixá diz que a perseguição é perversa, que os vizinhos jogam fezes de animal em sua casa e já jogaram ácido em plantas sagradas do candomblé como tapete de oxalá, espada de ogum e folha da costa. O agressor congrega na Paróquia da Lapinha, local que, conforme o babalorixá, nunca o tratou com preconceito.
Babalorixá Jonatas de Souza, mais conhecido como Babá Deloiá |
As agressões se intensificaram na última terça-feira (5), quando o acusado agrediu a irmã de Jonatas, Hellen Joice de Souza Gonçalves.
As agressões teriam acontecido com a presença da filha de Hellen, uma criança de três anos. Quando voltava para casa, ela se deparou com Josenilson, que fechou a moto em que ela estava.
Hellen foi agredida, teve escoriações no rosto e sofreu ameaça de morte com uma arma de fogo.
O marido dela, Arivaldo da Cruz Santos também foi agredido. Ela diz que também já foi avisada por moradores da região que Josenilson ameaçou jogar ácido nela quando estiver com uma criança no colo, mesmo que não seja filha dela. Em novembro do ano passado, Jonatas de Souza, também foi ameaçado de morte quando se dirigia para Paróquia da Lapinha para celebrar uma missa.
O babalorixá diz que agressor ainda contou com apoio do Comando da 37ª Companhia da Polícia Militar para praticar os atos de intolerância. A tia de Jonatas, a yalorixá Vilma dos Santos de Souza, mais conhecida como Mãe Vilma de Ogum, disse que, na ocasião, o sobrinho, por pouco, não perdeu a vida. “Não sei até onde vai essa situação, porque eles são muito imprudentes, arrogantes, intolerantes. Não existe adjetivo para qualificá-los, porque são terríveis”, lamenta. Ela também diz que o vizinho filma o terreiro sempre, “como se fosse um BBB”.
Os adeptos do candomblé não entendem a relação que o agressor tem com a polícia e porque sempre que tentam prestar uma queixa na polícia são impedidos. “Ele faz as agressões e corre para a delegacia e presta a queixa. Em todo órgão que ele pode ir, ele dá queixa. Quando vamos até a delegacia, dizem para a gente que ele veio primeiro e que não pode registrar nossa reclamação. E quando questionamos o motivo das queixas, ninguém sabe dizer sobre o que é”, diz Mãe Vilma de Ogum.
Ao advogado do caso, Luiz Gabriel Neves, dizem que não há nenhum registro, e que só há uma tentativa de conciliação na Delegacia do Idoso. Luiz Gabriel diz que não há nenhuma formalidade na investigação por parte da polícia. A yalorixá ainda relata que os agressores dizem que são os primeiros moradores da região, que não aceitam os cultos religiosos e que atabaques incomodam. “Nós não vamos deixar de bater os atabaques.
Eu espero que os atabaques jamais sejam cessados”, defende a mãe de santo. As agressões atingem outros terreiros da mesma rua. “Na rua tem outras casas de matriz africana e eles querem coibir de toda forma. É um preconceito bem claro. Dizem que só tem ‘viado, putas’, desculpe a expressão”, afirma o Babá Deloiá. Eles já registraram uma reclamação no Ministério Público, na Delegacia do Idoso, e agora, depois do ocorrido na última terça, procuraram o advogado criminalista para fazer a notícia crime e dar origem a uma ação penal contra Josenilson.
Yalorixá Vilma dos Santos de Souza, mais conhecida como Mãe Vilma de Ogum
O advogado afirma que a situação é uma “tragédia anunciada única e exclusivamente em razão da religião”. “Eles já não fazem mais cultos a noite, só fazem de dia para não incomodar, e mesmo assim, há a perseguição, objetos de culto são danificados, e há ameaças de morte. O vizinho, certamente, não possui autorização para portar uma arma, e nisso, ele pode também estar incorrendo em um crime.
E todas as ameaças aconteceram na presença de uma criança de três anos”, diz Luiz Gabriel. A criança, segundo ele, prestará depoimento na Delegacia Especializada da Criança (Derca). “Esperamos que os órgãos competentes tomem as providencias cabíveis para tentar coibir as agressões que estamos sofrendo, de uma forma rígida. Porque, pelo o que eu vejo, nada os limita de praticar os atos de agressão. São irredutíveis. Minha porta, hoje, vive fechada porque eu tenho medo de que uma morte aconteça. Meu medo é pela morte, é o que está encaminhando para um assassinato. É o que pode acontecer. Ele já tentou uma vez, e pode ser consumado em qualquer instante”, teme o Babá Deloiá.
O Ministério Público já pediu a abertura de um inquérito policial e a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial já pediu providências da Corregedoria da Polícia Civil e da Secretaria de Segurança Pública. O Instituto Nelson Mandela também acompanha o caso.
O advogado Luiz Gabriel estuda pedir a prisão preventiva de Josenilson, por tentativa de homicídio, pois as ameaças acontecem reiteradamente. “Tudo isso acontece em um estado da Federação em que 90% da população é negra, de descendência africana, onde o candomblé tem sua matiz, e eles estão impedidos, extremamente limitados a praticar os cultos religiosos”, afirma o advogado. “Eles podem vir a óbito unicamente por serem mãe e pai de santo”, finaliza.
Objetos sagrados para o candomblé que foram quebrados
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