A gestão cultural precisa ser defendida por aqueles que
acreditam na viabilidade de um projeto democrático e includente para o país.
Não é razoável retrocedermos naquilo que ainda somos devedores. Os direitos
culturais mal começaram a se afirmar no Brasil.
Por Vinicius Wu.
Em 2015, vários municípios e estados brasileiros extinguiram
ou fundiram suas secretarias de Cultura. Muitas unidades gestoras de cultura
foram preservadas, mas mantidas em condições precárias. Cortes orçamentários
foram realizados em todos os níveis de governo, ameaçando a manutenção de
equipamentos e políticas culturais em diversas unidades da federação.
Já no ano de 2016, o Tribunal de Contas de Sergipe mandou
suspender o Carnaval em 53 municípios; vários prefeitos, em todo o país,
suspenderam seus festejos carnavalescos com base no argumento populista de que
vão “priorizar a Saúde” – redirecionando recursos que são irrisórios para a
Saúde, mas que comprometem negócios, turismo e a economia local em várias
cidades brasileiras.
O Tribunal de Contas da União acaba de tomar decisão que
interfere na gestão da Lei Rouanet e uma liminar da 4ª Vara Federal do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal suspendeu o recolhimento da taxa Condecine
(Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional),
retirando R$ 700 milhões ao ano do setor, o que pode desestruturar,
completamente, as políticas para o audiovisual.
Não é preciso muito esforço para concluirmos que a gestão
cultural no Brasil está sob ataque. A crise bateu forte na área cultural e ela
é uma das mais afetadas por uma política fiscal que inibe a capacidade do
Estado em desenvolver políticas públicas.
A crise econômica, associada a um entendimento precário a
respeito da relevância da afirmação dos direitos culturais por parte de
governantes e setores da sociedade, está levando a gestão cultural a uma
situação alarmante. A ideia de cultura como algo supérfluo – que deve ser
imediatamente cortado em períodos de crise – pode nos levar a um significativo
retrocesso em relação ao que foi conquistado na última década.
O Brasil avançou nos últimos anos, mas ainda estamos
distantes de uma gestão profissional das políticas culturais, que permita o
desenvolvimento de estratégias públicas mais efetivas, abrangentes e eficazes.
E a forma como os diferentes governos estão reagindo à crise pode comprometer a
continuidade do processo de aperfeiçoamento das políticas culturais no país.
E isso ocorre num momento no qual as políticas culturais
deveriam receber atenção ainda maior por parte dos agentes públicos
interessados em aprofundar as mudanças na sociedade brasileira iniciadas na
última década.
Afinal, se quisermos disputar um projeto transformador para
o Brasil nos próximos anos teremos de nos ocupar de preencher as lacunas
deixadas pelos governos de esquerda na última década. E uma das mais
importantes diz respeito à necessidade de compreensão do papel estratégico das
políticas culturais na afirmação de uma perspectiva democrática, humanista e
republicana para o Estado brasileiro e mesmo para a conformação de uma nova
cultura política no país.
Uma agenda transformadora não é sustentável, no longo prazo,
sem que sejam mobilizados elementos simbólicos indispensáveis à conformação de
uma hegemonia social e política baseada nos valores da democracia, da
solidariedade e da justiça social.
É preciso reconhecer que a mera satisfação das necessidades
materiais não é suficiente para que se gere apelo simbólico necessário à
consolidação de uma cultura democrática, republicana e de respeito à
diversidade étnica, cultural e religiosa em uma sociedade tão complexa quanto a
brasileira. Os partidos de esquerda no Brasil, em geral, têm sido negligentes
em relação à disputa do imaginário nacional e pagam um alto preço em função
dessa desatenção.
A gestão cultural precisa ser defendida por aqueles que
acreditam na viabilidade de um projeto democrático e includente para o país.
Não é razoável retrocedermos naquilo que ainda somos devedores. Os direitos
culturais mal começaram a se afirmar no Brasil.
É hora de defendermos a gestão cultural e advogar em favor
de sua centralidade na construção de uma agenda pós-crise, que nos permita superar
a paralisia, a intolerância e os diferentes bloqueios ao aprofundamento de um
projeto de desenvolvimento pleno, substancial e verdadeiramente democrático
para o país.
Foto de capa: Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil
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