segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Tuberculose nos presídios brasileiros é emergência de saúde e de direitos humanos, dizem especialistas.

Enquanto na população brasileira em geral a incidência da tuberculose está em 33 casos para 100 mil habitantes — o que já torna o Brasil um dos 20 países com alta carga da doença, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) —, entre os detentos esse indicador sobe para alarmantes 932 ocorrências.
Para especialistas, trata-se de um cenário de emergência de saúde e de violação dos direitos humanos, uma vez que a doença se dissemina graças à superlotação dos presídios provocada pelo encarceramento massivo, especialmente da população negra e mais pobre.
A elevada incidência de tuberculose nos presídios brasileiros é uma emergência de saúde pública e de direitos humanos que demanda ações mais efetivas de controle, tratamento e prevenção, segundo especialistas.
Enquanto na população em geral a incidência da tuberculose está em 33 casos para 100 mil habitantes — o que já torna o Brasil um dos 20 países com alta carga da doença, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) —, entre os detentos esse indicador sobe para alarmantes 932 casos, apontam dados de 2015 do Ministério da Saúde.
As condições precárias às quais muitos presos são submetidos, entre elas a superlotação e a falta de ventilação e iluminação nas unidades prisionais, favorecem a disseminação da doença cuja bactéria é transmitida pelo ar. Outras condições frequentes entre presos também os tornam ainda mais vulneráveis, como a infecção por HIV, a má-nutrição e o uso de drogas.
No Brasil, há mais de 600 mil detentos, quarta maior população prisional do mundo, formada principalmente por jovens negros, de baixa escolaridade e de baixa renda. O sistema está com 161% de sua capacidade ocupada, o que significa que, em celas concebidas para custodiar dez pessoas, há em média dezesseis, de acordo com o Ministério da Justiça.
A superlotação é o fator determinante para os altos índices de tuberculose nos presídios brasileiros, de acordo com o vice-presidente da organização Rede Brasileira de Pesquisas em Tuberculose (Rede TB), Julio Croda. A população prisional é a mais vulnerável à doença, seguida da população de rua, das pessoas vivendo com HIV e da população indígena.
“Existe uma incidência maior da tuberculose na população privada de liberdade pelas próprias condições de encarceramento”, declarou Croda, lembrando que ações de combate à doença na população privada de liberdade devem passar necessariamente por uma reformulação do sistema carcerário e pelo fim da superlotação nos presídios.
“Estar preso é um fator de risco, ter passado pelo sistema prisional também”, disse por sua vez a pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Margareth Dalcolmo, citando as políticas de encarceramento massivo, especialmente da população mais pobre.
“É frustrante que estejamos diante de uma doença benigna, fácil de ser diagnosticada, com tratamento de boa qualidade e, mesmo assim, tenhamos esse universo perverso no sistema carcerário no Brasil”, completou.

Precariedade nos serviços de saúde prisionais

Além da superlotação, as condições de atendimento em saúde nos presídios brasileiros também são motivo de preocupação por parte de especialistas, já que o diagnóstico e o início rápido do tratamento são essenciais para conter o avanço da doença tanto na pessoa infectada como no ciclo de transmissão.
Segundo o Ministério da Justiça, somente 37% das unidades prisionais do país têm módulos de saúde para atender detentos. A situação varia de acordo com o estado: enquanto no Distrito Federal todos os presídios contam com unidades internas e médicos, no Rio de Janeiro apenas uma em cada dez penitenciárias tem esse serviço, e nenhuma possui equipes médicas.
De acordo com Draurio Barreira, gerente técnico de tuberculose da UNITAID — organização internacional de controle de HIV/Aids, tuberculose e malária —, é fundamental que os presídios tenham um centro médico, diante da complexa logística de segurança necessária para a transferência de presos a outros locais de atendimento.
“Um serviço dentro do presídio que atenda os detentos é incomparavelmente melhor”, afirmou Barreira. “Mas o serviço de saúde precisa ser qualificado. Muitas vezes os presídios têm auxiliar de enfermagem, enfermeiros, mas não têm médicos.”
Mariana Valença, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Microbiologia Médica (NUPEMM) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e professora da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), afirma que a transferência de presos para a realização de exames fora da penitenciária ocasiona atrasos de diagnóstico da tuberculose. “Precisamos apoiar o diagnóstico intramuros. Poucos estados possuem esse suporte”.
A instalação de laboratórios dentro das penitenciárias também esbarra nos altos custos, disse Croda, da Rede TB, enquanto em um cenário de crise econômica e fiscal, a situação tende a se agravar. Pensando nisso, a organização trabalha em um projeto de unidades móveis, que tem como objetivo viabilizar os exames dentro das unidades de detenção.
Para Barreira, da UNITAID, também é necessário ampliar a integração do sistema prisional estadual com o Sistema Único de Saúde (SUS), processo que já vem ocorrendo desde a adoção em 2014 da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP). A meta da nova iniciativa é assegurar que cada unidade prisional seja um ponto integrante da rede de atenção à saúde do SUS.
Segundo Daniele Kuhleis, consultora técnica do Programa Nacional de Controle da Tuberculose do Ministério da Saúde, 26 estados do país aderiram à nova política, com exceção do Espírito Santo, além de 273 municípios, em um total de 119 equipes médicas habilitadas a trabalhar nos presídios. Contudo, a cobertura ainda é muito baixa diante das 1,4 mil unidades prisionais existentes no Brasil.
A detecção dos sintomas entre os presos e aqueles que entram no sistema prisional também é etapa fundamental para o controle da doença, explicou Dalcolmo, da Fiocruz. Segundo ela, é preciso que o preso realize o tratamento até o final.
“O tratamento é altamente eficaz, longo, dura seis meses e em caso de resistência aos medicamentos, até um ano. E esse preso precisa ser tratado fora do ambiente em que está transmitindo para outras pessoas”, declarou Dalcomo. Um caso de tuberculose pode infectar de quatro a dez pessoas e, mesmo quando curada, pode deixar sequelas pulmonares, lembrou.

Iniciativas de combate

Um dos projetos recentes para o combate à tuberculose nos presídios foi o TB Reach, cujo foco foi ampliar a detecção da tuberculose no sistema prisional. A iniciativa também desenvolveu uma campanha educativa para os diferentes públicos da comunidade carcerária.
Criado pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose do Ministério da Saúde em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), o projeto foi realizado no Presídio Central de Porto Alegre, na Penitenciária Estadual do Jacuí (RS), e no Complexo de Bangu (RJ), entre outubro de 2014 e março de 2016. Durante esse período, foram rastreadas cerca de 11 mil pessoas e encontrados 280 casos de tuberculose.
“Sabemos que, embora os pacientes estejam em ambientes controlados, há escassez de acesso ao diagnóstico da tuberculose. O sintoma sentinela para nós é a tosse, e dentro do presídio ela é negligenciada pelos presos e pelos profissionais que trabalham lá”, declarou Denise Arakaki, coordenadora do programa do Ministério da Saúde.
Segundo ela, o TB Reach serviu para estabelecer as melhores estratégias para detectar a doença entre a população privada de liberdade. “O projeto reforçou a ideia de que é importante continuar fazendo a avaliação clínica na porta de entrada do presídio (…) e que é possível acompanhar os presos durante o tratamento”, declarou.
Para Arakaki, há sinais de avanços no combate à tuberculose nos presídios, já que a taxa de cura é maior entre os presidiários na comparação com a população em geral, enquanto os índices de abandono do tratamento são menores.
“O principal hoje é descobrirmos quem tem tuberculose (nos presídios) e tratarmos rapidamente. Enquanto não cortar esse círculo, a doença vai continuar se disseminando. Temos um trabalho imenso para os próximos anos”, ressaltou.

Mortalidade

Apesar de a mortalidade por tuberculose apresentar tendência de redução no Brasil nos últimos anos, os números ainda são altos para uma doença com alta taxa de cura.
Outra preocupação é o índice de coinfecção por HIV. Segundo o Ministério da Saúde, a tuberculose é a primeira causa de mortes dentre as doenças infecciosas definidas dos pacientes com AIDS. Em média no Brasil, 10% dos infectados com tuberculose também têm HIV.
Para Margareth Dalcolmo, da Fiocruz, mesmo que totalmente implementadas, as ações de saúde nos presídios serão modestas caso as atuais condições de encarceramento perdurem.
“Enquanto não houver uma intervenção em que a dignidade humana passe a ser olhada, independentemente de quem seja, como um componente fundamental para se manter pessoas presas, tudo será muito modesto”, declarou.

Para Barreira, da UNITAID, a punição à qual os presidiários estão submetidos é a privação da liberdade, e não ser condenado a todo tipo de maus-tratos e doenças. “A tuberculose não é uma pena à qual deveriam estar submetidos. A questão humanitária é fundamental”, concluiu.

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