quinta-feira, 3 de maio de 2018

Rio de Janeiro. 159 pessoas foram presas em uma festa...

Os Cento e Trinta e Nove...
Este texto e foto foi copiado integralmente do The Intercept Brasil. 

A polícia chegou na festa na madrugada de 7 de abril. Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, de onde as milícias partiram, em meados dos anos 1990, pra dominar a cidade.

Mataram quatro pessoas ainda do lado de fora. Ao entrar, mandaram todas as mulheres embora, ordenaram que os homens deitassem no chão, de bruços e sem camisa. Poucas horas depois, imagens de ônibus cheios de jovens tranquilos e sem algemas já estavam nos jornais matinais de TV. Sem qualquer questionamento. À noite, foi destaque no Jornal Nacional: “Bandidos que fazem parte da principal milícia do Rio aproveitavam a noite em um sítio, em Santa Cruz, na Zona Oeste da cidade.”

159 presos. 148 réus primários. 8 menores. Uma pessoa identificada pelos moradores como deficiente mental.

O mais perto que a acusação chegou foi mostrar passagem pela polícia de 11 deles.

Isso mesmo: uma prisão em massa em uma festa – promovida por uma estação de rádio, com ingresso, anúncio nas redes, pulseirinha – no Brasil de 2018.

A própria delegacia que os prendeu reconheceu formalmente que 139 presos não têm “participação em grupo criminoso, especialmente em milícias ou correlatas". Elas continuam presas.

Até a semana passada, dezenas não tinham advogados. As que conseguiam estavam vendendo bens pessoais pra pagar – "bens de pobre, televisão, bicicleta essas coisas", me disse uma pessoa. As famílias estão dispersas; não há um líder claro; algumas apenas estão "orando e pedindo a deus". É o Brasil em estado bruto.

Tem uma coisa particularmente revoltante: muitos familiares defendem os seus dizendo que “são trabalhadores”. Voltamos ao tempo em que, pra provar inocência, a pessoa precisa mostrar carteira de trabalho assinada – no país em que a carteira assinada anda fora de moda. Como se apenas o capitalismo fosse capaz de dar cidadania a alguém.

No Rio de Janeiro desses dias, quem comanda a Secretaria de Segurança Pública é um general do Exército. O mesmo general que disse em coletiva, depois das prisões, que essa é a "mais exitosa operação da intervenção". A intervenção é realmente um êxito espantoso.


QUASE TUDO O QUE VOCÊ SABE SOBRE A MIDIÁTICA OPERAÇÃO QUE PRENDEU “159 MILICIANOS” ESTÁ ERRADO


A POLÍCIA CHEGOU na festa na madrugada de 7 de abril, quando a casa de shows estava lotada. Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro, de onde as milícias partiram, em meados dos anos 1990, para dominar a cidade e se tornar uma força mais potente do que as históricas facções do tráfico de drogas. Formadas por policiais, bombeiros, vigilantes, agentes penitenciários e militares, fora de serviço ou ainda na ativa, elas dominam bairros inteiros e, além de atuar no tráfico, cobram também por serviços como gás, luz, televisão a cabo, vans do transporte alternativo e proteção.
Na ação daquela madrugada, os agentes mataram quatro pessoas ainda do lado de fora da festa. Os tiros causaram pânico e correria. Ao entrar, mandaram todas as mulheres embora, ordenaram que os homens deitassem no chão, de bruços e sem camisa. Poucas horas depois, imagens de ônibus cheios de jovens tranquilos e sem algemas já estavam nos jornais matinais de TV. Sem qualquer questionamento. “A Polícia Civil acabou com a festa da milícia.” À noite, foi destaque no Jornal Nacional. Sem investigação própria, o programa decretou: “Bandidos que fazem parte da principal milícia do Rio aproveitavam a noite em um sítio, em Santa Cruz, na Zona Oeste da cidade.”
O secretário de Segurança Pública do Rio, o general Richard Nunes, nomeado pela intervenção militar federal, estava contente. Em uma entrevista coletiva, ele disse:
“Essa é uma semana muito exitosa para a segurança pública do nosso estado. A intervenção federal começa a apresentar resultados positivos. Foram diversas apreensões, diversas operações bem sucedidas e essa, sem sombra de dúvida, foi a mais exitosa.”
É difícil saber o que o general acredita ser “exitoso”. Fato é que “a maior operação contra as milícias” já feita no Rio de Janeiro foi apenas mais um show para a televisão, como tem sido a intervenção. A polícia não prendeu 159 milicianos. A polícia entrou em uma festa – promovida por uma estação de rádio, com ingresso, anúncio nas redes, pulseirinha – e prendeu indiscriminadamente todos os homens que nela estavam.
O que menos há, entre os presos, são milicianos: talvez uma dúzia, ainda não se sabe. Pior: há suspeitas de que o chefe de uma quadrilha estivesse no local. Se realmente estava, Wellington da Silva Braga, o Ecko, fugiu.
The Intercept Brasil foi atrás dos familiares de alguns presos. Oito menores também foram apreendidos e vendidos para a imprensa como milicianos – um deles falou conosco, seu depoimento está no vídeo acima. 
A Defensoria Pública está cuidando do caso de 25 pessoas, e deve ouvir mais vítimas nesta semana. Um deles é Pablo Dias Bessa Martins, artista de circo que estava com viagem programada para a Suécia, onde iria se apresentar. O ator Marcos Frota o conhece, e fez um apelo para que ele seja solto.
A intervenção federal militar no Rio de Janeiro é exitosa.

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