Fernando Brito, via Tijolaço em
6/12/2018
Nos anos 70, escapando da censura, a peça musical Gota D’Água,
numa das geniais canções de Chico Buarque, Notícia de Jornal, ao falar dos
dramas vividos pelos pobres, dizia: “a dor da gente não sai no jornal”.
O dia clareando, percorrer as primeiras páginas dos mais “importantes”
(será?) jornais brasileiros mostra cruelmente que ainda é assim, ou é pior,
pois já não há a censura daqueles anos de chumbo a obrigar que o “Brasil
Grande” fosse manchete e o “pequeno Brasil” um canto de rodapé.
Os números oficiais do IBGE, dando conta do aumento da pobreza e da pobreza
extrema no país não mereceram neles, sequer, uma chamada de
capa. Ou, para ser rigoroso, apenas uma linha – “somada à alta da pobreza
extrema” – que orna uma pequena nota da Folha, destacando a
carência nos serviços básicos.
Nem mesmo com o relatório da Síntese de Indicadores Sociais,
oficial, produzida pelo IBGE, revelando dados dramáticos – ou, como se dizia no
jargão jornalístico importado dos EUA, “histórias de interesse humano” – como o
fato de metade das crianças e adolescentes brasileiros sobreviverem com renda
inferior a R$400 mensais foi capaz de comover os editores, certamente porque
não comoveriam seus leitores.
É curioso que tirar 40 milhões da linha de pobreza em dez anos é fruto
de um descalabro de política econômica, mas aumentar em 2 milhões o número de
pobres em apenas um ano é visto como uma “recuperação econômica” , ainda que
“tímida”.
A invisibilidade dos pobres na mídia e no olhar das elites dirigentes –
exceto quando viram índices de violência ou molambos dormindo nas calçadas
ricas, buscando esmolas e restos – acaba, por isso, sendo mais expressiva que
as tabelas e números do IBGE.
Acaba sendo um retrato mais aterrorizante de um país que é ensinado a
ver a pobreza como um inimigo e não um potencial que é desperdiçado e a uma
indignidade a que submetemos seres humanos.
E onde a indiferença passa a ser o estado natural: o médico que não se
importa com os desvalidos, o economista que se lixa para o trabalhador, o
engenheiro e arquiteto que nos raros projetos de habitação projeta cubículos, o
jornalismo que considera “celebridades” e “fait divers” mais importantes que a
realidade com que tropeça nas ruas.
Ah, sim, a propósito: em dois sites, apenas, o aumento e o agravamento
da pobreza no Brasil são manchete: A BBC, inglesa, e a Deutsche Welle, alemã.
Só mesmo lá para a dor da gente sair no jornal.
bloglimpinhoecheiroso | 8 de dezembro de 2018. - URL: https://wp.me/p2vU7H-h1K
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