Almirante Guilherme Mattos de Abreu
Para muitos, o tema Amazônia Azul
conflita com a Amazônia. Na verdade, isto não ocorre. Se verificarmos as
prioridades estabelecidas na legislação, no caso, na Política de Defesa
Nacional (PDN) b, veremos que o documento atribui primazia à “O
ENCONTRO DE DUAS AMAZÔNIAS” foi promovido pelo Centro de Atividades
Externas da Escola Superior de Guerra. Foi aberto pelo
General-de-Exército José Benedito de Barros Moreira – Comandante da
Escola, (fundador do CEPEN).
Na Amazônia Verde, a presença da Marinha é
muito discreta. Ali, indiscutivelmente, é predominante a ação do
Exército e da Força Aérea. Isso é ditado pelo ambiente. Por outro lado, a
Marinha, ainda que presente na Amazônia, tem que cuidar dos interesses
do Brasil no Oceano.
Em um enfoque estratégico, a grande área
de interesse denominada Atlântico Sul estende-se do Continente Antártico
ao hemisfério norte, à altura do paralelo 16º N. Evita-se, deste modo,
dividir-se artificialmente um dos mais significativos componentes
geoestratégicos da região, que é o estreito de cerca de 1750 milhas
náuticas entre o Nordeste brasileiro e o saliente africano. Também não
se pode esquecer que uma parte do Brasil encontra-se no hemisfério
norte. O oceano não separa – une. Para leste,
essa área de interesse vai até a África. Aqui, aplica-se um secular
conceito inglês: “onde houver um país que faça margem ao oceano, esse
país faz fronteira com a Inglaterra”.
Portanto, os países africanos que
margeiam o Oceano Atlântico são os nossos vizinhos na fronteira
oriental.
Este é um dos motivos relevantes porque o
Brasil mantém laços fortes com os países africanos. Na África, estamos,
por exemplo, ajudando a organizar a Marinha da Namíbia. Para um
brasileiro, é emocionante visitar a Base Naval de Walvis Bay e ser
recebido por oficiais e praças trajando uniformes iguais aos da Marinha
do Brasil, seguindo o mesmo cerimonial adotado em nosso país, utilizando
nossas gírias e terminologia – uma pequena amostra que exterioriza o
desenvolvimento de um bom relacionamento e empatia.
A Política de Defesa Nacional atribui
prioridade, também, às áreas vitais, que são aquelas em que existe
concentração dos poderes político e econômico. No Brasil, observamos que
cerca de 90% do petróleo é produzido no mar. O restante é produzido em
terra, em sua maior parte nas áreas costeiras – ou seja, próximas ao
mar. Cerca de 80% da população concentra¬se em uma faixa de duzentos
quilômetros do litoral, ao alcance de ações vindas do mar. É lógico
inferir que a maior parte dos poderes econômico e político encontra-se
nessa faixa, a qual reúne inúmeras regiões classificáveis como vitais. Tais aspectos indicam que há uma concentração de macrovalores ao alcance de ações vindas do mar.
Conclui-se que, em sentido amplo, a área
costeira e a área marítima marginal ao Continente -e que constitui a
denominada Zona Econômica Exclusiva (ZEE) – inserem-se no conceito de
área vital. Essa ZEE, com alguns acréscimos, é denominada Amazônia Azul.
Mais adiante veremos o que é ZEE, quais foram esses acréscimos e o
porquê da denominação Amazônia Azul.
Antes de prosseguirmos, faz-se necessário apresentar os conceitos de segurança e defesa, pois ambos permearão a abordagem. A PDN (Política de Defesa Nacional)
aponta que, no passado, a segurança era vista somente pelo ângulo da
confrontação entre Estados, ou seja, pela necessidade básica de defesa
externa. À medida que as sociedades se desenvolveram, novas exigências
foram agregadas. Gradualmente, o conceito de segurança foi ampliado,
abrangendo os campos político, militar, econômico, social, ambiental e
outros.
As medidas que visam à segurança são de
largo espectro, envolvendo, além da defesa externa: defesa civil;
segurança pública; políticas econômicas, de saúde, educacionais,
ambientais e outras áreas, as quais, em sua maior parte, não são
tratadas por meio dos instrumentos político-militares. Pode, ainda, ser
enfocada a partir do indivíduo, da sociedade e do Estado, do que
resultam definições com diferentes perspectivas.
Em linhas gerais, segurança é a
condição em que o Estado, a sociedade ou os indivíduos não se sentem
expostos a riscos ou ameaças, enquanto que defesa é ação efetiva para se
obter ou manter o grau de segurança desejado.
Especialistas convocados pela Organização
das Nações Unidas (ONU), no ano de _990, definiram a segurança como
“uma condição pela qual os Estados consideram que não existe perigo de
uma agressão militar, pressões políticas ou coerção econômica, de
maneira que podem dedicar-se livremente a seu próprio desenvolvimento e
progresso”.
A PDN adotou os seguintes conceitos:
I -Segurança é a condição que permite ao
País a preservação da soberania e da integridade territorial, a
realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de
qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e
deveres constitucionais;
II -Defesa Nacional é o conjunto de
medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a
defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra
ameaças preponderantemente externas,
potenciais ou manifestas.
Como isso a Amazônia, com área superior a
metade do território nacional, ainda que possa ser protegida e
explorada economicamente, dentro de condições que assegurem a
preservação do meio ambiente, como estabelece a Constituição, passa a
valer proporcionamente muito pouco, em termo mensuráveis e práticos,
para o brasileiro.
Na Amazônia Azul, como veremos a seguir, o Brasil também apresenta demandas importantes no que se refere à segurança. Também veremos que, na Amazônia Azul, em
pleno século XXI, essa proeza chamada Brasil estabelece os seus limites
orientais a sua última fronteira.
Um pouco de história
O Brasil nasceu do mar! Trata-se de uma
afirmativa por demais óbvia. Todos sabemos que os nossos descobridores
chegaram pelo mar. Mas é importante visualizar-se o fato histórico por
um outro prisma. O Brasil é uma proeza histórica, fruto de um
empreendimento do qual não faltou visão de futuro, muito estudo,
obstinação, sacrifício, fé e coragem ao longo de séculos.
Ao pesquisarmos a história das Grandes
Navegações Portuguesas, podemos colocar o início do processo no longo
reinado de D. Diniz entre outras iniciativas, deu continuidade ao
plantio dos pinhais em Leiria (ainda hoje existentes), iniciado por seu
pai, D. Afonso III, com o propósito de proteger as plantações dos
avanços das dunas, mas que – logo se verificou -poderiam ser utilizados
como fonte de matéria prima para a construção de embarcações. Criou uma
armada destinada a proteger a costa dos ataques dos piratas e organizou a
construção naval e o ensino das técnicas de navegação e de táticas de
luta no mar.
O fato é que Portugal com muito menos poderia se contentar, mas escolheu perseguir a grandeza!
No século XVI, o recém-descoberto Brasil
logo despertou a cobiça estrangeira. O período colonial é permeado por
confrontos freqüentes, onde o mar sempre esteve presente, seja como
cenário de luta ou como via para o apoio logístico das forças pelejando
em terra.
As providências luso-espanholas para
recuperar Pernambuco dos holandeses, por exemplo, incluíram o envio de
três esquadras ao Brasil. Na época, ocorreram grandes batalhas navais,
como o Combate de Abrolhos, e a Batalha Naval de 1640, no Nordeste, da
qual participaram 66 navios e embarcações luso-espanholas e 15
holandesas. Por vezes, os combates contavam com o concurso dos
indígenas, como ocorreria na Baía de Guanabara em 1567, ocasião em que
índios formaram ao lado dos portugueses, reforçando-lhes a esquadra com
embarcações a remo e contribuindo para a expulsão dos invasores.
Mas, em 1580, ocorreu um episódio
marcante, que teria profundos reflexos na construção de nosso país: A
União Ibérica. Em decorrência do falecimento do Rei D. Sebastião I
(1578), sem deixar herdeiros diretos, Portugal e Espanha passam a ter um
único rei. Note-se que se configurou o que, em monarquias, denomina-se
“união pessoal”, onde dois ou mais estados são governados por um mesmo
soberano, mas permanecem independentes.
Temos, como conseqüência, as invasões
holandesas (visto que os inimigos de Espanha passaram a ser inimigos de
Portugal) e o início da expansão territorial da colônia, pois, na
prática, inibiram-se os entraves em se ultrapassar o limite estabelecido
em Tordesilhas, que delimitava a fronteira com a possessão espanhola.
Bandeirantes e entradistas, partindo
principalmente de São Paulo, incursionaram pelo interior, estabelecendo
estações de apoio, que evoluiriam para cidades e posições fortificadas.
Algumas dessas últimas virariam fortes, ao longo da imensa região
centro-oeste.
Nessa época, ocorreu um episódio
relativamente pouco conhecido. Trata-se da expedição de Pedro Teixeira.
Evento que dá início a uma história que, de certo modo, liga as duas
“Amazônias”.
Em 1616, alguns padres e soldados
espanhóis chegam a Belém, vindos do Equador, onde, atacados pelos índios
Encabelados, fugiram por um caminho não usual, descendo o Rio Amazonas.
Pediram auxílio ao Governador do Grão-Pará, Jacomé Raimundo de Noronha,
que decidiu enviar uma expedição rio acima. Confiou o comando da
empreitada a Pedro Teixeira um militar português que, desde a campanha
do Maranhão (1616), se destacara no combate a invasores holandeses,
franceses, irlandeses e ingleses na região da foz do Amazonas.
O governador era um homem de visão e
vislumbrara no episódio uma oportunidade para alargar o domínio
português. Por iniciativa própria, dá ordens a Pedro Teixeira para que
coloque marcos em nome da coroa portuguesa na região a ser explorada.
São feitos como esses que, mais tarde,
vão delinear o contorno do Brasil. No século seguinte, o diplomata
Alexandre de Gusmão, um brasileiro a serviço da Corte portuguesa,
lideraria as negociações que levariam à assinatura do Tratado de Madrid
(1750), o qual teria como base o princípio do uti possidetis. Foram as
estações de apoio e fortificações implantadas pelos exploradores e os
pontos assinalados por Pedro Teixeira que serviriam como referência para
a aplicação do uti possidetis no Continente. O Tratado não durou muito,
mas implantou o princípio que serviria como referência para os tratados
subseqüentes entre Portugal e Espanha.
Aqui vale um questionamento: Ao longo de
nossa história, muito se fala sobre a série de conflitos na região do
Prata. As lutas no norte pouco aparecem. Como é que a Amazônia –
equivalente à metade do território nacional -foi preservada como
brasileira?
A Amazônia brasileira foi preservada
graças ao controle do acesso ao Rio Amazonas, por meio de fortificações
em terra e de forças navais na região da foz e área marítima adjacente. A
Marinha Portuguesa passou a ter unidades em caráter permanente na
região a partir de 1718, quando foi criada a Divisão Naval do Norte, com
sede em Belém.
Portanto, a Amazônia continuou brasileira
porque se conseguiu controlar o seu acesso a partir do mar, ou seja,
por ações em sua interface com a Amazônia Azul. Ainda hoje, a despeito
de o desenvolvimento tecnológico ter criado novas variáveis, o controle
da foz do rio Amazonas mostra-se vital para a proteção da região.
Desde o século XVI, toda a
coerção de conteúdo militar, exercida por alguma potência do norte foi
conduzida a partir do mar, tendo como objetivo primeiro as comunicações
marítimas e o litoral.
Das incursões dos piratas e corsários no período
colonial, até os ataques dos submarinos do Eixo na Segunda Guerra
Mundial, passando pelas agressões isoladas promovidas pela Marinha
Britânica no século passado, assim tem sido e nada do que preconiza a
nova ordem nos leva a crer que será diferente no futuro.
As possíveis
intervenções por razões econômicas, respaldadas pelo ”dever de
ingerência”, sob a capa de razões éticas, defesa da humanidade ou do
meio ambiente virão, com certeza, pelos caminhos do mar.
A Amazônia brasileira seria preservada
graças ao controle do acesso ao Rio Amazonas, por meio de fortificações
em terra e de forças navais. Portanto, a Amazônia continuou brasileira
por ações em sua interface com a Amazônia Azul.
Passemos ao século XX -para a Segunda
Guerra Mundial. Naquela época, o Brasil importava praticamente tudo que
era necessário para a vida moderna. Além disso, éramos, na prática, um
arquipélago, pois não possuíamos vias terrestres de qualidade. O país
praticamente parou, ao se restringir o tráfego marítimo em decorrência
da ação de submarinos alemães e italianos.
A memória nacional pouco destaca o que se
viveu nessa fase. O país aparenta não ter sentido muito o problema. As
características da população podem justificar esse desconhecimento:
éramos pouco mais de 41 milhões de habitantes (1940), dos quais menos de
um terço residiam em área urbana; 56% dos indivíduos com mais de quinze
anos eram analfabetos . As pessoas que viviam na zona rural, naquele
tempo, tinham poucas exigências e gozavam de relativa auto suficiência; e
os analfabetos têm dificuldades para interpretar fatos e se manterem
informados, bem como para registrar e preservar as suas experiências.
Na Guerra, nós perdemos cerca de 1.500
brasileiros no mar, sendo que 501 eram passageiros de navios mercantes.
Ao todo, as embarcações civis (quase todas navios mercantes, sendo que
dezenove antes da declaração de guerra) foram afundadas por ação de
submarinos alemães ou italianos, no exterior ou navegando próximo ao
litoral brasileiro. Inúmeros navios mercantes foram avariados por
ataques ou em acidentes devido à navegação em situações-limite (em águas
rasas para evitar ataques; navegando muito próximos e com luzes de
navegação apagadas nos comboios, o que facilitava a ocorrência de
colisões; etc.). A Marinha do Brasil (MB) perderia três navios de guerra
e 486 militares no conflito.
A história de Pirapora, Minas Gerais,
registra que, durante a Segunda Guerra Mundial, o movimento na cidade,
aumentou significativamente. É que, por segurança e, certamente, por
carência de meios, passou a ser atraente viajar entre o Sudeste e o
Nordeste pelo Rio São Francisco. Naquela época, chegava¬se de trem à
Pirapora; descia-se o rio até Juazeiro ou Petrolina, de onde se
prosseguia de trem. O quase centenário Vapor “Benjamim Guimarães”, de
propulsão a roda e ainda em atividade, é testemunha daquele tempo.
Entre
15 e 19 de agosto de 1941, um único submarino alemão (U-507) afundou,
na costa do nordeste (Bahia e Sergipe), cinco navios mercantes, matando
607 pessoas entre passageiros e tripulantes. Na ocasião, uma unidade de
artilharia estava sendo transferida para o Nordeste e muito militares do
Exército pereceram.
Note-se que o Brasil perdeu nesses poucos
dias, por ação de um único submarino, mais vidas do que perderia na
Itália durante a Guerra. E esse submarino tinha uma tripulação em torno
de 55 homens, apenas!
Foram as ações do U-507 que levaram o
Brasil à Guerra. Em 11 de agosto de 1941 o governo brasileiro reconheceu
o estado de beligerância com a Alemanha e Itália, que evoluiu para
Estado de Guerra, em 11de agosto.
Poderia ser muito pior! A Alemanha
planejava desencadear uma operação no litoral brasileiro com diversos
submarinos. Incluiria, não só ataques aos navios em trânsito, mas também
bombardeios a portos e navios atracados, à semelhança do que realizara
no Caribe algum tempo antes. Razões de natureza logística, como a
indisponibilidade de navios reabastecedores, impediu a realização de um
ataque de tal envergadura, que por fim, limitar-se-ia à ação do U-507.
Na Guerra, as perdas só não foram maiores
por causa do sistema de comboios adotado pelos Aliados (do qual a MB
participou escoltando mais de 1.000 navios), o que permitiu ao país
assegurar o suprimento do material vital que necessitava.
A Marinha envolveu-se nesse conflito por
mais tempo que o próprio país, uma vez que sua participação iniciou-se
em Outubro de 1941, com o posicionamento da Corveta “Camaquã” em
patrulha no Nordeste; e só terminaria alguns meses após o fim da Guerra,
depois de assegurado que o Atlântico Sul estava efetivamente livre de
submarinos desinformados do término do conflito.
É importante destacar, ainda, que a
Segunda Guerra Mundial encontrou a Marinha em situação material bastante
precária -principalmente para enfrentar submarinos -devido ao abandono
que fora relegada pelos governos. Foi com enorme esforço e com auxílio
norte-americano que, em pouco tempo, conseguiu-se dispor de uma força de
navios anti-submarino bem equipados e aguerridos.
Trata-se de situação recorrente na
História do Brasil. Fruto de deficiente análise estratégica, a Marinha
Imperial viu-se compelida a travar a Guerra da Tríplice Aliança
despreparada para combates em cenário fluvial -o que contribuiria para o
prolongamento do conflito, ao impedir o aproveitamento do êxito da
vitória na Batalha Naval de Riachuelo (11de junho de 1865). O despreparo
apareceria novamente quando, também em decorrência do afundamento de
navios mercantes, o Brasil ingressou na Primeira Guerra Mundial.
O resultado devastador da ação do
submarino alemão U-507 em agosto de 1941 destaca a importância desse
meio. O submarino é, de longe, a maior ameaça existente no mar. Oculto
nas profundezas e tendo o próprio meio ambiente como aliado, esse
tubarão de aço fez surgir a mística do combatente solitário, caçador,
que faz a hora e tem no ataque a sua única forma de agir. Sua presença
acarreta tal grau de incerteza, que obriga os adversários a constituírem
forças expressivas para – com discutíveis chances – poder enfrentá-lo.
Por essa superioridade intrínseca, o submarino vem sendo empregado, por
excelência, como a principal arma de dissuasão dos países cuja
estratégia global se insere no contexto defensivo, como é o caso do
Brasil. Eles não podem exercer o domínio do mar, mas impedem que outros
países o façam.
Passemos ao ano de 1961, para um episódio denominado “Guerra da Lagosta”.
Ainda que tenha sido batizada como
“guerra”, o que ocorreu foi uma crise decorrente de um conflito de
interesses que chegaria a seu ápice em Fevereiro de 1961. Crise essa
freqüente e injustamente ridicularizada. Entretanto, o evento merece ser
encarado com maior seriedade e atenção, principalmente pelas lições que
encerra. Destaca-se que foi um confronto que envolveu um tema
ambiental, possivelmente, o primeiro com essa característica em que o
Brasil se envolveu.
O fato gerador foi a presença de barcos
de pesca franceses capturando lagostas na costa do Nordeste, fora do Mar
Territorial. Os franceses defendiam a tese que a lagosta nadava e era
um recurso da água; portanto, poderia ser pescada. Para o Brasil, a
lagosta necessitava manter-se em contato físico com o fundo, logo era um
recurso da plataforma continental, e como tal, pertencia ao país
costeiro.
Note-se que o Brasil quase chegou ao
enfrentamento bélico, não só para preservar um recurso econômico
existente em sua plataforma continental, mas também, à luz dos
argumentos empregados, para proteger o seu habitat, que os franceses já
teriam impactado em outras áreas, devido às técnicas de captura que
empregavam.
Eles pescavam arrastando redes no fundo
do mar, sistema que não é seletivo, pois pega tudo o que encontra:
lagostas ovadas ou muito pequenas e outros espécimes, tanto da flora
quanto da fauna marinha. No processo, o que não servia era devolvido à
água. Em suma: um desastre ecológico.
Houve acusações – comprovadas por ocasião
das inspeções em barcos franceses apresados – de que as redes também
capturavam e destruíam os dispositivos artesanais de pesca dos
pescadores brasileiros.
A crise foi um problema bastante grave,
com condução por vezes deficiente por parte dos diversos atores
envolvidos. Poderia evoluir para um confronto militar, uma vez que
unidades da Marinha Francesa estavam relativamente próximas, realizando
exercícios de adestramento de rotina nas costas do Senegal. Tanto que a
escalada da crise ocorreu em decorrência do presidente De Gaulle decidir
enviar um dos navios de guerra que participava do adestramento (o
Contratorpedeiro “Tartu”) para proteger os barcos de pesca franceses.
Daí a reação brasileira de enviar navios da Esquadra do Rio de Janeiro
para o Nordeste, a qual seria acompanhada por uma mídia alvoroçada.
A conformação de nossas fronteiras
Hoje em dia, o Brasil possui as suas fronteiras terrestres perfeitamente definidas.
Foram estabelecidas ao longo de um
processo que culminou com as ações de José Maria da Silva Paranhos
Júnior, o Barão de Rio Branco, em sua gestão como Ministro das Relações
Exteriores.
O Barão do Rio Branco lançava mão de
todas as expressões do poder. Ele aplicava o “poder suave”, fundamentado
em seu extenso conhecimento e cultura. Era um homem muito estudioso,
capaz de apresentar, na mesa de negociações, argumentos e documentos
difíceis de contestar. Ele também conseguiu o respaldo do poder
econômico nacional, obtendo recursos para fazer concessões à Bolívia e
para indenizar o Bolivian Syndicate, que detinha a concessão das terras
hoje acreanas.
Rio Branco também procurou obter o
respaldo de um poder militar, que então era insuficiente e que,
portanto, necessitava ser ajustado para um nível que conferisse
credibilidade. No longo período em que o Barão exerceu o cargo de
Ministro, reestruturou-se o Exército e modernizou-se a Marinha, por
sinal, então muito deteriorada, em função dos conflitos internos que
ocorreram no início da República. O Barão entendia que era preciso ter a
capacidade de mostrar cara feia ao oponente; defendia a tese de que era
necessário ser forte para ser pacífico.
A Amazônia Azul
E as fronteiras marítimas?
Historicamente, as fronteiras marítimas evoluíram em função dos avanços
tecnológicos e do conhecimento. Houve época, que eram referenciadas ao
alcance do tiro de canhão – três milhas marítimas (uma milha marítima é
equivalente a 1.851metros).
Mais tarde, em alguns países, passou-se a
seis ou a doze milhas. Os recursos da plataforma continental, que é a
extensão da massa continental sob o mar, pertenciam ao país costeiro,
até duzentas milhas. Por ocasião da Guerra da Lagosta (1961), o Brasil
adotava três milhas de Mar Territorial, doze milhas de Zona Contígua l e
até duzentas milhas de plataforma continental. Nos anos setenta, alguns
países (inclusive o Brasil) tentaram impor um Mar Territorial de
duzentas milhas, o que foi motivo de muita discussão no cenário
internacional.
Na situação atual, em consonância com a
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar (CNUDM – 1981),
temos: até doze milhas, o Mar Territorial, onde o estado costeiro exerce
soberania plena em relação às águas, solo, subsolo e espaço aéreo
sobrejacente. A partir do limite exterior do Mar Territorial, o estado
costeiro não mais exerce soberania, mas jurisdição sobre os diversos
espaços marítimos, nos termos da Convenção. Seguem¬se doze milhas de
Zona Contígua, que se superpõe, nesta faixa, à Zona Econômica Exclusiva
(ZEE), a qual se estende do limite do Mar Territorial até duzentas
milhas, ou seja, por uma extensão de 188 milhas.
Na Zona Econômica Exclusiva, o estado
costeiro exerce direitos de soberania para fins de exploração e
aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais vivos e
não-vivos das águas, do solo e do subsolo marinhos e, no que se refere a
outras atividades, para exploraçãoe aproveitamento econômicos,como a
geraçãode energia a partir da água, de correntes marítimas e ventos; e
jurisdição, no que se refere à instalação e utilização de ilhas
artificiais, instalações e estruturas (plataformas de petróleo, por
exemplo), investigação científica marinha e proteção e preservação do
meio marinho.
Em alto mar, existe a denominada Área,
onde não há jurisdição nacional. Pela Convenção a Área e seus recursos
são patrimônio da humanidade e qualquer país pode exercer os direitos de
exploração econômica, mediante ajustes com a Autoridade Internacional
dos Fundos Marinhos, que tem sede na Jamaica.
A Convenção das Nações Unidas sobre os
Direitos do Mar estabeleceu normas relevantes. Entrou em vigor em
novembro de 1994, após ser depositado o instrumento de ratificação pela
Guiana, o sexagésimo país a assinar a Convenção. Atualmente, cerca de
150 países aderiram à Convenção.
Uma parte importante da Convenção é a de
número VI, onde encontramos que, quando um Estado costeiro tiver a
intenção de estabelecer o limite exterior de sua Plataforma Continental
(PC) além das 200 milhas marítimas (até 350 milhas), apresentará à
Comissão de Levantamento da Plataforma Continental (CLPC) da ONU as
características de tal limite, juntamente com informações científicas e
técnicas de apoio.
Estabeleceu-se, ainda, o prazo de até dez
anos, após a entrada em vigor da Convenção, para que fosse apresentada a
reivindicação à Comissão de Limites da Plataforma Continental da
Organização das Nações Unidas.
Aqui se vislumbrou uma oportunidade de
expansão, que os brasileiros souberam aproveitar. Trata-se de um
daqueles eventos que não ganham repercussão quando implementados, mas
que só a história é capaz de julgar a relevância.
Mas o que foi escrito até agora pode não
ter grande significado para quem não está familiarizado com o tema.
Vamos abordá-lo de forma mais simples. Como é o fundo do mar?
O fundo do mar é, em linhas gerais, um
grande declive. A uma distância variável da costa, ocorre um mergulho
para as grandes profundidades. Obviamente, o fundo do mar é irregular e
repete o relevo presente na superfície dos continentes. Ali temos
planícies, vales e montanhas. Eventualmente, as elevações afloram a
superfície, formando ilhas ou simples rochedos; ou chegam próximo à
superfície, formando o que os navegantes batizaram de “alto fundo”, que
podem ser perigosos à navegação, quando muito rasos.
A novidade é que, a partir da entrada em
vigor da Convenção, caso a plataforma continental exceda as 200 milhas, o
país costeiro passou a poder reivindicar os recursos do subsolo e do
leito marinho na extensão excedente (até 350 milhas) devendo apresentar
essa reivindicação à Comissão de Limites da ONU, em prazo determinado
(os recursos da água não estão incluídos). O prazo limite original de
dez anos após a entrada em vigor da Convenção (portanto, a contar de
1994), posteriormente, foi estendido, uma vez que a maior parte dos
países não conseguiu apresentar as suas reivindicações na moldura de
tempo estabelecida.
Mencionou-se que, nessa Convenção,
vislumbrou-se uma oportunidade. Ao longo de dez anos, desde 1987, a
Marinha e a Petrobrás, com o auxílio da comunidade científica,
desenvolveram um trabalho de levantamento intenso e acurado, denominado
Levantamento da Plataforma Continental -LEPLAC, de modo a delimitar o
relevo submarino, para que o Brasil pudesse reivindicar essa área
excedente à linha de 200 milhas.
Em setembro de 2004, já no limiar do
prazo original, o Brasil apresentou a sua proposta, sendo o segundo país
a fazê-lo. A proposta ainda hoje está em avaliação na ONU. Trata-se do
ônus do pioneirismo. Volta e meia,a Comissão retorna com perguntas e
pedidos de esclarecimento.
Novas reuniões estão previstas.
A proposta brasileira é ao mesmo tempo
grandiosa e relativamente incontroversa, uma vez que, nas distâncias
envolvidas, não existem territórios pertencentes a outros Estados e o
Brasil se acertou com os vizinhos – Uruguai e França (a Guiana Francesa é
um départements d’outre-mer – estado ultramarino – da França). Mesmo
que não seja aceita em sua plenitude representará ganho considerável.
Em vista das dificuldades observadas por
países como a Rússia em sua demanda, alguns Estados estão apresentando
as propostas em conjunto, aparando, antecipadamente, as possíveis
arestas existentes. Um detalhe importante é que, como poucos respeitaram
o prazo dedeza no se hoje correm para recuperar o tempo perdido,
abriu-se uma oportunidade de negócios muito interessante para o Brasil:
assessorar outros paises na delimitação de sua plataforma continental.
Cabe destacar, ainda, a ampliação
decorrente do guarnecimento permanente por pesquisadores, de uma Estação
Científica no Arquipélago de São Pedro e São Paulo, que até
recentemente era desabitado. A presença humana no arquipélago
permitiuoestabelecimento de uma ZEE de 450.000km2, representando um
acréscimo equivalente à área do Estado da Bahia.
O relevo submarino da costa brasileira, conforme levantado pelo LEPLAC.
O somatório das áreas inseridas no
contorno das duzentas milhas em relação ao continente e ilhas oceânicas,
acrescido da área adicional reivindicada entre 200 e 350 milhas, perfaz
um total de 4.451.766 km2, da mesma ordem de grandeza da área da
Amazônia. É como se tivéssemos uma outra Amazônia!
Fruto dessa analogia, o
Almirante-de-Esquadra Roberto de GUIMARÃES CARVALHO, então Comandante da
Marinha, escreveu um artigo no jornal Folha de São Paulo m (25 de
fevereiro de 2004), onde, entre outros argumentos, apontava que “há uma
outra Amazônia, cuja existência é, ainda, tão ignorada por boa parte dos
brasileiros quanto o foi aquela por muitos séculos. Trata-se da
Amazônia Azul, que, maior do que a verde, é inimaginavelmente rica.
Seria, por todas as razões, conveniente que dela cuidássemos antes de
perceber-lhe as ameaças.”
A partir daí, a expressão Amazônia Azul
passou a ser utilizada com freqüência. É empregada em documentos
formais, como, por exemplo, na Política de Defesa Nacional.
O relevante desse tópico é que, decorrido
um século do estabelecimento de nossas fronteiras terrestres, estamos
traçando a nossa última fronteira – a fronteira marítima.
Aspectos Estratégicos
Passemos aos aspectos estratégicos relacionados ao Atlântico Sul, mais precisamente à Amazônia Azul.
Zonas Econômicas Exclusivas (ZEEs) no Atlântico Sul. Mapa elaborado por Lucas K. Oliveira
A presença britânica
Esse imenso Oceano, até as costas da
África, parece um grande vazio. Mas não é! A Grã-Bretanha, por exemplo,
está presente, de posse de um cordão de ilhas oceânicas das quais as
mais importantes são Ascensão, onde existe uma base militar, e o
Arquipélago das Malvinas ou Falklands, militarmente guarnecido,
inclusive com a presença de ao menos um navio de guerra, obedecendo a um
sistema de revezamento. A partir de Ascensão, é possível controlar o
tráfego oceânico no estreitamento existente entre o Nordeste brasileiro e
a costa ocidental africana. Na Guerra das Malvinas (1982), Ascensão foi
ponto de apoio importante para a retomada das Malvinas, Geórgia do Sul e
Sandwich do Sul.
O arquipélago das Malvinas está situado
na extensão da plataforma continental, de rico subsolo marinho (petróleo
e gás) e recursos pesqueiros.
Tráfego Marítimo
Um aspecto importante é a necessidade de se acompanhar e controlar o tráfego marítimo que circula pelo Atlântico Sul.
Este Oceano, inclusive, é uma via
marítima vital para as nações mais desenvolvidas do hemisfério norte.
Com relação ao Brasil, esta importância é potencializada. Cerca de 95%
do nosso comércio exterior flui pelo mar. Além disso, existe a navegação
de cabotagem, ou seja entre portos e terminais dentro do Brasil, como
por exemplo, o transporte de petróleo e gás das plataformas de
explotação marítimas para as refinarias; distribuição de combustível
entre terminais litorâneos, etc.
A distribuição das linhas marítimas de
interesse, envolvendo o tráfego de, em média, quinhentos navios
mercantes por dia. Este número pode parecer pouco expressivo para quem
não está familiarizado com o tema, mas um único navio é capaz de
transportar uma grande quantidade de carga. Exemplos:
• Os navios porta-contentores
transportam carga em caixas padronizadas de 20 e 40 pés (6,058 e 12.192
metros), denominados contentores ou containers, que podem ser
transferidos rapidamente para um trem, caminhão ou barcaças, o que os
tornam ideais para os sistemas integrados de transporte. Existem navios
de diversas dimensões. O maior porta-contentores do mundo e primeiro de
uma série, o navio mercante EMMA MAERSK (entrou em operação em 2006), de
158.000 TDW e 397 metros de comprimento, tem capacidade para
transportar cerca de 11.000 contentores de 20 pés, ou seja, a carga
equivalente a de 11.000 caminhões. Esse navio opera entre a Europa e o
Extremo Oriente.
• O maior navio graneleiro em operação, o
Berge Stahl, que realiza o transporte de minério de ferro da Companhia
Vale do Rio Doce (CVRD) do Terminal Marítimo Ponta da Madeira
(Maranhão), para Roterdã, na Holanda, já tendo realizado viagens para a
China, tem capacidade para transporter 355 mil toneladas. O navio tem
343 metros de comprimento e 65 metros de largura.
• O Navio tanque “Ouro do Brasil”, com
140 metros de comprimento, transporta, a granel, em seus tanques
frigoríficos, 9.200 toneladas de suco concentrado congelado de laranja,
do terminal da Citrosuco, no Porto de Santos, para a Europa e Estados
Unidos.
• Navios especializados em transporte
de veículos, denominados Ro-Ro (abreviação da expressão inglesa roll
on-roll of, que descreve a peculiaridade da carga embarcar e desembarcar
por seus próprios meios, ou seja, rodando, através de rampas),
transportam milhares de veículos por viagem. No Brasil, terminais
portuários foram construídos ou adaptados para essa modalidade de
transporte.
As linhas comerciais marítimas de
interesse do Brasil representam um tráfego de 500 Navios Mercantes por
dia. O acompanhamento, ao mostrar a reduzida participação da bandeira
brasileira, permite avaliar como o Brasil perde oportunidades. Apenas 3%
desse tráfego é atendido por navios nacionais. Enquanto isto, a Índia,
em seu planejamento estratégico, busca aumentar a participação de navios
próprios em seu comércio exterior. Gradativamente, amplia a
participação nesse mercado, já sendo, atualmente, responsável por cerca
de um terço do transporte.
Existem países que auferem receitas
substanciais atuando no tráfego marítimo como terceira bandeira (de
forma simplificada: o país participa da linha comercial entre o país “A”
e o país “B”, vendedor e comprador, que seriam as primeira e segunda
bandeira). Esses países possuem uma legislação mais flexível, de modo a
reduzir os custos para o armador.
Se tirássemos os navios estrangeiros do
mqpa, não sobraria, praticamente, nada. Trata-se de uma perda de
oportunidade acentuada. Uma perda tripla, uma vez que:
• estamos drenando recursos, da ordem de vários bilhões de dólares, pagando frete ao estrangeiro;
• deixamos de aproveitar um segmento
capaz de gerar uma enorme quantidade de empregos diretos e indiretos, em
vários níveis de capacitação; e
• perdemos uma posição de relevo no
setor, tanto no que se refere ao transporte marítimo nas linhas de
interesse nacional, quanto na construção naval, por aspectos que podem
ser atribuídos a fatores externos, mas também a um conjunto de decisões
tomadas no passado, modernizadoras, mas que não levaram em conta a
necessidade de salvaguardas que preservassem os ganhos auferidos nas
etapas anteriores.
O fato é que a construção naval somente
conseguiu sobreviver graças às necessidades da indústria do petróleo.
Entretanto, há alguma reação no setor e a navegação de cabotagem vem
apresentando boas perspectivas.
Destaca-se que algumas empresas têm se
voltado para o transporte multimodal, incluindo um componente fluvial ou
marítimo, com a finalidade de reduzir os custos logísticos de suas
operações. A Aracruz Celulose S. A., por exemplo, ao aumentar a
capacidade de produção da Unidade Barra do Riacho (ES), viu crescer
significativamente o volume de madeira de eucalipto e o tráfego
rodoviário de carretas vindas do norte do Espírito Santo e do extremo
sul da Bahia. Com base em diversos estudos, decidiu adotar o transporte
de madeira por via marítima, reduzindo consideravelmente o número de
carretas em circulação nas rodovias. Cada embarcação transporta até
cinco mil toneladas de madeira – o equivalente a 95 carretas. O sistema
iniciou a operação em2003.
Em 2004, com três barcaças e um
empurrador em atividade, eliminou cerca de 40 mil viagens de carretas
(“tritrens” ou “treminhões”) pela BR- 101. Ao menos mais uma barcaça e
um empurrador entraram em operação desde então. O sistema foi
dimensionado para, em sua plenitude, eliminar duzentas viagens de
carretas por dia.
Petróleo e Gás
Mapa Pré-Sal. Fonte: Petrobrás
O nosso petróleo, basicamente, está no
mar. Quando em terra, salvo poucas exceções, é explorado próximo a ele.
Isto cria uma vulnerabilidade estratégica bastante acentuada.
Isto é particularmente agravado pelo fato
de existirem cerca de 150 plataformas e sondas espalhadas na ZEE,
algumas a mais de cem milhas da costa (cem milhas marítimas equivalem a
185,2 km).
Acrescente-se que é praticamente
impossível impor restrições ao tráfego marítimo, pois a legislação
reconhece o direito à livre navegação internacional na ZEE. Isso
significa que qualquer país pode deslocar uma força naval para operar
nas proximidades das áreas marítimas onde se localizam as nossas
plataformas, sem nenhum constrangimento de ordem jurídica, embora possa
haver de ordem política.
Na Amazônia Azul, independentemente de um
cenário de crise, uma preocupação diuturna tem sido a proteção das
instalações de petróleo no mar contra ações aparentemente inofensivas.
As estruturas atraem vida marinha aderente, que por sua vez atraem
peixes pequenos e esses os grandes. Obviamente, áreas piscosas funcionam
como um chamariz para pescadores, cuja atividade pode causar acidentes
de material e de pessoal (“pescando” mergulhadores imersos, por
exemplo). Por este motivo, é proibida a aproximação de embarcações não
autorizadas às plataformas. Proibição esta que é desrespeitada com
relativa freqüência, quando se alivia a fiscalização.
A preocupação com a segurança e a
fiscalização de áreas de explotação de petróleo é tão relevante, que o
México estabeleceu um comando próprio, com embarcações e helicópteros,
na Bacia de Campeche, porque aquela é uma área importante para a
produção de petróleo do país, o qual é um grande exportador.
No Brasil, os legisladores compreenderam a
importância do problema – o agravamento das tarefas cometidas à Marinha
com o aumento da produção de petróleo – tanto que estabeleceram um
percentual dos royalties para a Força. Ocorre que substancial parcela
desses recursos não chega à Marinha.
Se a Marinha conseguisse trabalhar com a
expectativa concreta de um aporte regular e previsível desses recursos,
seria possível planejar e executar a obtenção de meios com racionalidade
e economicidade. Navios são itens de grande maturação; o tempo
decorrido entre a concepção, construção e a entrada em operação mede-se
em vários anos -dependendo do tipo, mais de dez anos. A produção de gás
natural segue o caminho do petróleo, e também assume valores expressivos
no mar.
O gás não tinha importância e era
desperdiçado até passado recente. Hoje em dia, cada vez tem maior valor,
a ponto de ser motivo de pressão internacional contra o Brasil.
Recursos vivos
Iniciemos pela pesca. Apesar dessa costa imensa, o Brasil não possui áreas pesqueiras muito distribuídas.
Isto está relacionado às características
de nossas águas. Elas são predominantemente quentes. Em raros lugares
ocorre o processo de renovação (ressurgência – subida das águas
profundas) capaz de trazer nutrientes do fundo. Acontece, por exemplo,
na região de Cabo Frio (RJ) e na Região Sul, prolongando-se para o
Uruguai e Argentina. Por este motivo, vez por outra, são capturados
barcos de pesca brasileiros que invadem as águas uruguaias -a cata de
regiões mais produtivas, esses barcos ultrapassam a fronteira e se
envolvem em dificuldades. Acrescente-se que a pesca acentuada e
predatória nas áreas costeiras reduziu em demasia os estoques.
Mas são boas oportunidades na pesca de
alto mar. Para transformar essas oportunidades em realidade necessita-se
de recursos e de tecnologias, de embarcações mais preparadas, etc. Na
área oceânica, existem peixes muito valorizados no mercado internacional
e que, portanto, possibilitariam auferir elevada receita.
No Atlântico Sul, o ente estatal de maior
atividade é a Comunidade Européia, basicamente embarcações de pesca
espanholas. Existem acordos de distribuição de cotas por espécie e a
Comunidade Européia detém cotas elevadas. O Brasil tem lutado por cotas
maiores e às vezes consegue obtê-las, como aconteceu recentemente com
relação à determinada espécie.
O setor comemorou, mas não por muito
tempo. Boa parte dos países compradores desse pescado de alta qualidade
são, também, os que o pescam, ou seja, são concorrentes na atividade de
captura.
Assim, podem ser criados empecilhos para a
atuação do Brasil nesse mercado. Nesse contexto, a Comunidade Européia,
recentemente, estabeleceu uma barreira sanitária para a importação de
peixe fresco, exigindo a certificação do produto em laboratório, para a
qual seria necessária a realização de exames de certa sofisticação. O
problema é que este tipo de pescado é exportado a partir do Nordeste e,
ao que consta, o único laboratório no Brasil que capacitado para
realizar os exames exigidos está localizado no Rio de Janeiro. Tal
exigência criou dificuldades que poderão ser contornadas ou não. De
qualquer modo afetará a atividade produtiva, ao menos no que se refere
aos custos.
Poderá também implicar no não atendimento
da cota estabelecida, o que poderá acarretar dificuldades na próxima
rodada de negociações, quando correremos o risco de sofrer pressão para
abrir mão de parcela de nossa participação.
Chama-se a atenção que poderemos ter
problemas mesmo na nossa ZEE, a luz da Convenção das Nações Unidas sobre
os Direitos do Mar. No artigo 62 lê-se que: “Quando o Estado costeiro
não tiver capacidade para efetuar a totalidade da captura permissível,
deve dar a outros Estados acesso ao excedente dessa captura, mediante
acordos e outros ajustes.”
Nossa extensa ZEE possui regiões
oceânicas ricas. Se não a explorarmos economicamente poderemos ser
pressionados ou convencidos a ceder a pesca para outros países, a luz
desse artigo.
Outro segmento com grande possibilidade
de desenvol¬vimento é a aqüicultura, A criação de espécies em cativeiro –
peixes, ostras, camarões, etc. – apresenta alta rentabilidade e reduz
sobremaneira os danos ao meio ambiente. A atividade não está limitada às
áreas marítimas. Constitui, inclusive, uma das boas opções de
desenvolvimento para a Região Amazônica, apresentando elevado potencial
de gerar riqueza. Em Mato Grosso, por exemplo, cria-se pirarucu em
cativeiro.
Existem grandes possibilidades na
produção de artigos de decoração, de cosméticos, de medicamentos, na
indústria química, etc. Exemplos:
• Anticoagulantes podem ser obtidos a
partir de esponjas marinhas, de forma muito mais barata que nos
processos atualmente empregados.
• A partir de uma substância isolada da
alga Dictyota pfaffii, existente no litoral brasileiro, pesquisadores do
Instituto Oswaldo Cruz, da Universidade Federal Fluminense e da
Fundação Ataulfo de Paiva estão desenvolvendo um gel microbicida, com o
propósito de ser empregado na prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis, inclusive o vírus HIV.
Síntese
Pelo que foi descrito até aqui, as potencialidades desta extensa “Amazônia Azul” são imensas:
• Existem inúmeras atividades ligadas ao
mar -Turismo; esporte, lazer, portos, transporte, aqüicultura,
processamento e distribuição de alimentos, etc;
• Há uma ampla diversidade de recursos
não-vivos – São recursos minerais de vários tipos, além do petróleo e do
gás. Afinal, as mesmas formações geológicas presentes em terra firme
estendem-se para o fundo mar. Na Namíbia e na África do Sul, por
exemplo, extraem-se diamantes do fundo do mar. Na plataforma continental
brasileira, na bacia de Pelotas e na da Foz do Amazonas, existem
depósitos de hidratos de gás (trata-se de gás, normalmente metano,
aprisionado sob pressão em cristais especiais de gelo, que possuem uma
molécula gasosa em sua estrutura cristalina). A exploração de hidratos
de gás ainda demanda tecnologia apropriada, mas apresenta boas
perspectivas como fonte de energia. Neste tópico, faltou mencionar os
recursos não-vivos mais óbvios: o sal e a água potável, que podem ser
produzidos a partir da água salgada.
• Existe uma grande biodiversidade –As
possibilidades neste campo são imensas: pesca, produção de fármacos,
etc. Todos os argumentos relacionados à biodiversidade amazônica também
se aplicam à biodiversidade marinha.
• Há inúmeras possibilidades para a
geração de energia – O mar viabiliza a geração de energia a partir da:
Variação de amplitude das marés -Aproveitando-se o desnível provocado
pelas marés e a existência de reentrâncias, como rios, golfos ou baías,
que permitam o represamento das águas.
- No Brasil, encontramos variações de maré da ordem de 9,6 m, no Amapá, e de 7,3 no Maranhão. Infelizmente, a topografia não permite grandes acumulações de água nessas regiões. -Energia das ondas – Trata-se do aproveitamento da energia gerada pelas oscilações da superfície do mar por meio de mecanismos pneumáticos. -Energia do gradiente térmico – Aproveitar a diferença de temperatura da água da superfície e a profunda para a instalação de máquinas térmicas.
• Por fim, por todos os fatores mencionados neste tópico, têm-se uma enorme capacidade de geração de empregos.
Responsabilidades do Brasil no Atlântico Sul.
Ao contrário do que muitos imaginam, as
Forças Armadas não são empregadas apenas se houver guerra. Isto é uma
visão muito limitada. As Forças Armadas brasileiras têm inúmeras
responsabilidades em tempo de paz. Por vezes, responsabilidades que o
Brasil assumiu no cenário internacional.
A área marítima de responsabilidade
SAR (“search and rescue” – sigla internacional para busca e socorro)
atribuída ao Brasil. Ela equivale a uma vez e meia o nosso território; o
seu ponto mais distante de terra fica a 1.850 milhas náuticas, ou seja,
quase 3500 quilômetros. É uma área em que a Marinha do Brasil e Força
Aérea Brasileira têm que atuar no socorro de pessoas acidentadas ou
enfermas, em obediência a compromissos internacionais assinados pelo
Brasil.
Os Centros de Coordenação SAR que atuam
na área marítima são conhecidos internacionalmente pela sigla MRCC, que
significa Maritime Rescue Coordination Centre, acrescido do nome do país
ou da cidade onde está localizado o Centro.
Salvamento da Marinha (SALVAMAR BRASIL), a
cargo do Comando de Operações Navais. A área de responsabilidade é
dividida em cinco regiões marítimas, atribuídas aos Comandos de
Distritos Navais.
Adicionalmente, existem Centros responsáveis pela
coordenação SAR em vias navegáveis interiores da Bacia Amazônica e do
Rio Paraguai: O SALVAMAR NOROESTE, com sede em Manaus (AM) (Comando do
9o Distrito Naval) e o SALVAMAR OESTE, com sede em Ladário (MS) (Comando
do 6º Distrito Naval).
Materias Copiadas de:
-
http://energia-securanza.blogspot.com/2010_01_01_archive.html
http://diariodopresal.wordpress.com/2010/02/01/a-amazonia-azul-o-mar-que-nos-pertence/