domingo, 10 de junho de 2012

Relembrando... Combinação de cadeias produtivas define quadro socioambiental (esta matéria é de 29/11/2007 ). Pergunto o que mudou?

Relendo esta matéria fiz questão de postá-la aqui e perguntar, o que mudou?

 
Modelo instalado na região de Carajás não cumpre promessas de inclusão e sustentabilidade, incentiva a estrutura do latifúndio e se aproveita de relações sociais como a peonagem de dívida, base da escravidão contemporânea.

Por Maurício Hashizume
O Retrato
Parte 2 - As Cadeias (Ferro-gusa, Carvão, Gado e Madeira)
Criança brinca com caminhão de brinquedo carregado de mini-toras em Gurupi (Foto: CDVDH)

Região de Carajás - "Quando chegamos, havia apenas quatro casas aqui". Antônio Honorato de Souza, de 80 anos, lembra bem quando se mudou com a família inteira para o bairro do Pequiá, em Açailândia (MA), em 1986. Naquela época, a Estrada de Ferro Carajás (EFC) ainda estava sendo construída. Incontáveis serrarias disputavam avidamente as árvores nativas da região. 
 
O lavrador Antônio e sua esposa, Rita Ferreira de Souza, de 73, dividem o bairro com cinco siderúrgicas do Pólo Carajás. Um dos nove filhos do casal trabalha numa das guseiras há mais de 15 anos. "Onde tem siderúrgica, tem poluição. Não tem jeito. Mas pelo menos tem trabalho", resume Rita. A poeira das ruas de chão batido por onde circulam os moradores se mistura com a constante fuligem preta expelida dos altos-fornos das siderúrgicas. É notória a incidência de doenças respiratórias, em especial entre as crianças. 

"Precisamos de um hospital", solicita a esposa de Antônio. Apenas uma ambulância atende o bairro. "Às vezes, quando um doente chega, o carro já está atendendo outra pessoa", continua. O pioneiro casal pede a instalação de filtros em todos os altos-fornos. Eles sabem, entretanto, que as melhorias dependem principalmente da organização da comunidade local. "Tenho 80 anos, mas, se precisarem de mim, é só me chamar", anuncia Antônio.

Vizinha dos moradores do Pequiá, a Viena - Siderúrgica do Maranhão S/A desenvolve um programa de "despoeiramento", que engloba a descarga de carvão de um dos fornos (são cinco no total), o plantio de árvores em volta da unidade industrial como cortina protetora e o calçamento de algumas vias principais e internas do bairro. Por intermédio do Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa do Estado do Maranhão (Sifema), a Viena doou ao município de Açailândia uma ambulância e declara ter construído uma caixa d`água de 300 mil litros para o abastecimento. A siderúrgica, que produziu 960 mil toneladas no período 2006/2007, alega ainda que investiu R$ 600 mil no projeto de alfabetização de jovens e adultos direcionado aos moradores do Pequiá e que mantém um programa de educação ambiental.

Os impactos da atividade em sua fase industrial que incomodam Antônio e Rita, contudo, não se comparam às conseqüências da produção de carvão vegetal, essencial para a cadeia. O carvão é utilizado não só para aquecer os altos-fornos. É também matéria-prima que se funde ao ferro e compõe o produto final. O processo agrega até seis vezes o valor do minério bruto. Com base nesse argumento, a Justiça do Trabalho do Pará reafirmou em decisão unânime o vínculo entre a Siderúrgica do Maranhão S. A. (Simasa) e uma carvoaria que foi flagrada explorando trabalho escravo.
Estudo mostra que o carvão é a principal conexão entre a siderurgia com a socioeconomia (Foto: Ibama)
Secretário de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia (Sedect) do Pará e ex-membro do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (Naea/UFPA), Maurílio Monteiro sublinha que o número de empregos gerados pelo setor siderúrgico é pequeno se comparado à população local. No estudo "Siderurgia na Amazônia oriental brasileira e a pressão sobre a floresta primária", de 2004, ele chama a atenção para a diferença entre os 2,4 mil empregos criados e a perspectiva de surgimento de 21,6 mil empregos no ano 2000, presente no Plano Diretor da EFC. Os salários médios de US$ 200 também não são suficientes para provocar alterações no perfil de renda da região. 
 
"Outro aspecto que poderia ser significativo na relação entre as produtoras de ferro-gusa e a economia regional seria a receita tributária oriunda desta atividade. Contudo, as isenções fiscais sobre os lucros dos empreendimentos e sobre a comercialização de seus produtos reduzem significativamente o volume de tributos pagos por estas indústrias", adiciona Maurílio, para quem a principal articulação entre as siderúrgicas e a socioeconomia real da região, portanto, é a demanda por carvão vegetal.

Guseiras instaladas na região ainda não cumpriram os Planos Integrados Floresta/Indústria (Pifis), que estabeleceram diretrizes e metas em relação à origem do carvão. De acordo com o pesquisador, a produção de uma tonelada de ferro-gusa requer 875 kg de carvão vegetal. Para se chegar a essa quantidade, são necessários 2,6 mil kg de madeira seca (que, em média, tem uma densidade de 360 kg/m³ em matas nativas). Ou seja, essa matéria-prima exige o desmatamento de uma área de pelo menos 600 m². 

Regra de três"Antes, a fiscalização do Ibama ficava correndo atrás dos caminhões de carvão. Mudamos a forma de atuar, utilizando uma simples regra de três", conta Antônio Carlos Hummel, diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O instituto passou a recolher informações que as próprias empresas apresentavam sobre a produção de gusa, a demanda e o consumo declarado de carvão vegetal. Verificou-se então a ocorrência de um déficit significativo sem comprovação legal nas averiguações de 13 siderúrgicas (seis no Pará e sete no Maranhão). "Se as guseiras tivessem cumprido desde o início a reposição florestal, de acordo com o Art. 20 do Código Florestal, a produção de carvão vegetal já estaria estabilizada", analisa.
Maurílio Monteiro: Setor siderúrgico não cumpriu planos de reflorestamento (Foto:Carlos Sodré/Ag Pa)
As irregularidades resultaram na emissão de R$ 598 milhões em multas no ano de 2005. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que transfere a responsabilidade da gestão florestal e do licenciamento ambiental ao estado foi firmado. Depois de negociações, a Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Sema) deve concluir um cronograma final para o TAC. O Ibama mantém uma força-tarefa do setor jurídico para a cobrança dos autos de infração. Há recursos na esfera administrativa apresentados pelas companhias autuadas.
 
Nos idos de 1987, Aziz Ab`Saber já criticava o "evidente atropelo nas iniciativas de implantação de núcleos industriais para a produção de ferro-gusa" no artigo "Gênese de uma nova região siderúrgica: acentos e distorções de origem na faixa Carajás/São Luís". 

"Definiu-se que a siderurgia regional somente poderia ser rentável se fosse baseada no carvão vegetal, a ser obtido de florestas regionais. Não se tomou nenhuma medida mais séria para experimentar uma silvicultura ao longo das faixas das terras degradadas estabelecidas às margens das rodovias e ferrovias. Optou-se deliberadamente pela queima dos recursos da natureza vegetal amazônica copiando o modelo catastrófico ocorrido nas terras de mata atlântica em Minas Gerais e Espírito Santo", destrincha.

Relações escravocratasA implantação do setor na Amazônia Oriental se apoiou também, na avaliação de Maurílio Monteiro, em estruturas e relações sociais já existentes - como o latifúndio e a peonagem da dívida, uma das condições do trabalho escravo contemporâneo. Para o pesquisador, a siderurgia incentiva a concentração fundiária por duas vias distintas: reduz significativamente os custos da "limpeza da área" por causa da demanda de carvão vegetal, facilitando a ampliação de pastagens [leia-se pecuária]; e exige a compra de grandes áreas para projetos de manejo florestal ou de reflorestamento. 

Em levantamento realizado pela Repórter Brasil, a produção do carvão aparece como atividade principal de 12% das propriedades relacionadas na "lista suja" do trabalho escravo - que compila os empregadores flagrados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) utilizando esse tipo de mão-de-obra.
Fiscais do governo identificaram déficit entre demanda e consumo declarado de carvão vegetal (Foto:Ibama)

"Muitas das aquisições de terras por parte dos empreendimentos metalúrgicos são sustentadas por mecanismos como a grilagem e a violência contra posseiros, o que contribui de forma decisiva para aprofundar o quadro de tensão social presente em diversas áreas", completa, na pesquisa, o secretário estadual.
 
Auto-suprimento
O balanço até aqui não deixa dúvidas sobre a necessidade de mudanças na base da produção. Algumas guseiras apostam no carvão mineral (coque) importado, mas a maioria das companhias investe mesmo é na expansão do monocultivo de eucalipto. Além da previsão do corte rápido de sete anos, a espécie estrangeira é valorizada como matéria-prima da indústria galopante de papel e celulose. 

A meta da Viena, por exemplo, é atingir 80% da produção de carvão vegetal oriunda de reflorestamentos próprios em 2010. Com o término do plantio da safra 2007/2008, a guseira terá plantados quase 25 mil hectares. As providências para a sustentabilidade estão consubstanciadas no Plano de Auto-Suprimento (PAS), aprovado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Maranhão. 

No início deste ano, a Associação das Siderúrgicas de Carajás (Asica) lançou um fundo com US$ 6 milhões em caixa para financiar a expansão da monocultura de eucalipto na região. De cada tonelada de ferro-gusa destinada à exportação, US$ 3 estão sendo destinados ao fundo.

Pertencente à Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), a siderúrgica Ferro Gusa Carajás tem 150 mil hectares de eucaliptos plantados para a produção de 400 mil de toneladas de ferro-gusa em 2007. A Vale mantém ainda o projeto Vale Florestar, que prevê recuperar outros 150 mil hectares de proteção e recomposição de áreas degradadas no Arco do Desmatamento.

Olho nas carvoariasQuanto à questão trabalhista, as siderúrgicas da região de Carajás destacam que os fornecedores de carvão que descumprirem as normas legais pertinentes podem ser descredenciados. São cerca de 25 mil carvoarias na região, apenas 5 mil delas legalizadas. O monitoramento é feito pelo Instituto Carvão Cidadão (ICC), iniciativa da Associação das Siderúrgicas de Carajás (Asica). 

Signatário do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, o instituto apresenta relatórios às 14 siderúrgicas associadas com detalhes sobre a situação trabalhista em cada carvoaria, que inclusive são divulgados para conhecimento público pelo site da entidade na internet.
12% das propriedades da "lista suja" do trabalho escravo produziam carvão vegetal (Antônio Cruz/Abr)
Em resposta encaminhada à Repórter Brasil, a Vale do Rio Doce ressalta que "está fazendo a sua parte" também com relação ao fornecimento de minério de ferro (confira a primeira parte da reportagem Especial - Carajás). Em novembro passado, suspendeu o fornecimento de minério para quatro guseiras - Companhia Siderúrgica do Pará S/A (Cosipar), Ferro Gusa do Maranhão Ltda (Fergumar), Siderúrgica do Maranhão S/A (Simasa) e Usina Siderúrgica de Marabá Ltda (Usimar) - "por não comprovarem que estão operando dentro das leis trabalhistas e ambientais". 
 
A Fergumar obteve liminar impedindo que o fornecimento de minério fosse interrompido. A CVRD recorreu e espera decisão da Justiça e ainda está conferindo as informações enviadas por outras quatro guseiras: a Viena Siderúrgica do Maranhão S/A, Itasider Usina Siderúrgica Itaminas S/A, Siderúrgica Ibérica do Pará S/A e Siderúrgica Marabá S/A (Simara). 
 
"Cabe ressaltar, porém, que não cabe à CVRD o poder fiscalizador, que é uma função pública de responsabilidade do Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis], do Ministério do Trabalho e das secretarias estaduais de Trabalho e de Meio Ambiente do Pará. A decisão de pedir informações às oito guseiras só ocorreu depois que o Ibama entrou com ação judicial contra as empresas por crime ambiental", frisa a empresa. Da extração prevista de 300 milhões de toneladas de minério de ferro em 2007 - a intenção da Vale é superar a meta de 450 milhões de toneladas por ano em 2012 -, apenas 2% (6 milhões de toneladas) estão sendo destinadas às siderúrgicas do Pará e do Maranhão.

"Modelo" Açailândia
Muito em função do aquecimento econômico das siderúrgicas, o município de Açailândia (MA) experimentou um crescimento surpreendente de 175% entre 2001 e 2004. O Produto Interno Bruto (PIB) municipal atingiu R$ 973 milhões em 2004, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Assim, Açailândia ocupou o posto de segunda maior economia do Maranhão, atrás apenas da capital São Luís. O PIB per capita de Açailândia chega a R$ 9.649,00, muito próximo da média nacional (R$ 9.729,00). 

O mesmo indicador na cidade vizinha de Imperatriz, segunda mairo cidade do Maranhão, não supera R$ 2.945,00. As projeções por conta da expansão da Ferrovia Norte-Sul (planejada como corredor de escoamento de grãos do Centro-Oeste), que cruza Açailândia e foi arrematada em leilão pela Vale, prometem jogar mais água neste moinho.

Com 5,8 mil km² (e mais de 90% de área desmatada), Açailândia tem uma população de pouco mais de 100 mil habitantes. A porcentagem de casas abastecidas com água não chega, porém, a 25% (no Maranhão, a média é 74,6% e no Brasil, 81,2%) e a rede de esgoto abrange míseros 13,5% (diante dos 35% no estado e 69,5% no país). Os dejetos que demarcam o traçado das ruas de parte da Vila Ildemar, bairro que concentra quase metade da população do município, deixa evidente as conseqüências da falta de um planejamento mais sério para a ocupação da região. 

Fábrica de brinquedos educativosda Vila Ildemar possibilita geração de emprego e renda (Foto: CDVDH)
Não por acaso, a Vila Ildemar foi escolhida como sede da fábrica de brinquedos e do núcleo de produção de carvão ecológico da Cooperativa para Dignidade do Maranhão (Codigma). Criada em maio de 2006 pelo Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH), a Codigma mantém iniciativas locais de geração de renda que possam ser alternativas ao aliciamento ao trabalho escravo.

O mesmo ciclo econômico desligado de inclusão social que assola Açailândia está se expandido para outras cidades do Tocantins, realça o agrônomo João Palmeira Jr., da organização Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO). Situada às margens do Rio Araguaia, Araguatins (TO), sede de 18 projetos de assentamento da reforma agrária, também já comporta grandes áreas ocupadas por eucaliptos de uma das guseiras do Pólo Carajás. "Já há eucalipto também em São Miguel e em Axixá. A monocultura ameaça os pequenos produtores, acirra os conflitos e traz o risco de contaminação dos rios e de surgimento de doenças [principalmente por causa da aplicação de agrotóxicos]", coloca. 
 
Segundo Edmilson Pinheiro, do Fórum Carajás, o eucalipto já se espalha também por outras regiões do Maranhão como o Mearim e o Baixo Parnaíba. Sobre Carajás, Edmilson é categórico: "As políticas públicas na região beneficiam sempre as guseiras, madeireiras e pecuaristas".

Mais gado
Para além da ajuda estatal, a pecuária da região de Carajás (veja o mapa dos frigoríficos instalados na Amazônia) recebeu um incentivo extra em maio deste ano, quando Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) reconheceu o Sul do Pará como área livre de febre aftosa com vacinação, ou seja, mediante apresentação de certificado de imunização do rebanho.

Paralelamente, o grupo Bertin, um dos maiores do ramo, recebeu financiamento do International Finance Corporation (IFC), tentáculo do Banco Mundial para o setor privado, a fim de ampliar a sua produção de carne bovina. Segundo o IFC, o contrato do empréstimo estabelece critérios inovadores de sustentabilidade socioambiental para o segmento da pecuária.

Organizações não-governamentais (ONGs) ambientalistas, no entanto, criticam a operação, já que a criação extensiva de gado tem sido apontada freqüentemente como uma das atividades mais diretamente ligadas aos insistentes índices de desmatamento. O receio dos ambientalistas também pode ser espraiado para outra grave e preocupante seara. 

A pecuária bovina é a principal atividade econômica que utiliza escravos no Brasil. Representa cerca de 62% dos ramos de atividades das fazendas da "lista suja" do trabalho escravo, considerando-se a lista disponível no site do Ministério do Trabalho e Emprego em janeiro deste ano.
Protesto contra opeação comandada pelo Ibama na Rebio de Gurupi bloqueia rodovia      (Foto: Diego Janatã)
  
Gurupi
Outra atividade que continua intensa e avança para as últimas áreas remanescentes de floresta da região de Carajás é a das madeireiras. Para tentar proteger a Reserva Biológica (Rebio) de Gurupi, na divisa entre o Pará e o Maranhão, o Ibama, juntamente com outros órgãos federais e estaduais, têm realizado uma série de operações nas imediações da Unidade de Conservação (UC) que compreende 341,6 mil hectares.

Em agosto deste ano, a Operação Entorno vistoriou 30 empresas no município de Buriticupu (MA). Resultado: sete madeireiras sem licença foram fechadas, multas de R$ 1 milhão foram aplicadas e centenas de milhares de metros cúbicos de madeira foram apreendidas. A ação institucional despertou a revolta local. Sob o incentivo de madeireiros, uma multidão se aglomerou, queimou pneus e utilizou espessas toras para interromper a circulação de veículos na altura do km 515 da BR-222, próximo ao povoado Sagrima. Uma das pá-carregadeiras utilizadas na operação foi queimada. Houve até troca de tiros (e feridos) em meio à confusão e a estrada só foi liberada no dia seguinte, depois de negociações e ameaças às autoridades presentes.
 
"Esse tipo de reação mostra a ousadia e o abuso de poder nas relações sociais de determinados segmentos", comenta Manoel Pinto Santos, coordenador da Associação Nacional de Apoio à Reforma Agrária (Anara), que presta assessoria a assentados. "O Estado liberal que vemos hoje está muito distante da democracia de fato. Em ações como essa transparece o poder de ação das armas, da violência e da legitimidade clandestina. Quem incomoda precisa ser afastado. A ordem é desobstruir".

Incentivada por madeireiros, população de Buriticupu ateou fogo em pá-carregadeira     (Foto: Diego Janatã)

Auto-explicação
Denúncias do CDVDH de Açailândia (MA) revelam que o descumprimento da legislação ambiental é apenas mais uma das práticas ilegais na Rebio de Gurupi, Unidade de Conservação (UC) que abriga um dos poucos refúgios que restam de floresta nativa na região. A exploração de trabalho escravo - na derrubada da mata, no roço de "juquira" para a limpeza da pastagem que alimenta o gado e nas carvoarias - já foi flagrada em pelo menos seis fazendas dentro da reserva. 
 
A relação dos donos das propriedades é auto-explicativa. A Fazenda do Coronel é do prefeito de Davinópolis (MA), Chico do Rádio; e a Fazenda Vitória, de Shydney Jorge Rosa, suplente do senador Mário Couto (PSDB-PA) e ex-prefeito de Paragominas (PA). Houve reincidência nas fazendas Boa Fé/Caru, de Gilberto Andrade, e Zonga, de Miguel de Souza Rezende, dono de outra propriedade - a Rezende, em Senador La Rocque (MA) - em que houve trabalho análogo à escravidão. As Fazendas Santa Bárbara e Bom Jesus, também flagradas, pertencem a um empresário do setor imobiliário de Imperatriz (MA), José Escórcio de Cerqueira. 

Desde 1986, o CDVDH acompanha os casos de trabalho escravo na região. Depois de incursões de campo e solicitações junto a órgãos oficiais, o centro conseguiu identificar 200 propriedades privadas instaladas dentro da reseva (80 delas com mais de 1 mil hectares) que ocupam cerca de 80% do seu território. Muitas estradas foram abertas por saqueadores da natureza no interior da Rebio Gurupi, palco de outros crimes como cultivo de maconha e desmanche de automóveis furtados. 

"As crianças de lá brincam com caminhões de brinquedo carregados de pequenas toras", relata Milton Teixeira, do CDVDH. A rica biodiversidade da área inclui a ave ararajuba (Aratinga guarouba). Nas proximidades de Gurupi, existem ainda três Terras Indígenas (TIs): Caru, Awá e Alto Turiaçu.

Terras Indígenas (TIs) e Unidades de Conservação (UCs) estão sob pressão (Foto: Antônio Cruz/Abr)
Deslocamento
Por meio do acompanhamento de dados da Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura-2005, do IBGE, o pesquisador e assessor da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima), Emerson Rubens Almeida, identificou um deslocamento da produção de carvão vegetal no interior do Maranhão nos últimos dez anos. 
 
Dos 10 municípios que mais produziram carvão em 2005, seis ficam nas cercanias de TIs e UCs. O município de Bom Jardim, na área da Rebio de Gurupi, ocupa com larga vantagem a primeira posição neste ranking. A produção de carvão no município deu um salto impressionante de 3.554%, de 2.849 para 101.262 toneladas, entre 2002 e 2003. O crescimento coincide com denúncias de invasões dos territórios tradicionais de povos indígenas do entorno. Buriticupu, Centro Novo do Maranhão e Santa Luzia, próximos à região, também fazem parte da lista dos dez maiores produtores. 

O processo em curso segue à risca o prenúncio de Aziz Ab´Saber. "No desenrolar caótico desses processos de desmatamento mal fiscalizados, paira uma grande ameaça para os núcleos de florestas pertencentes às reservas indígenas", anunciava há 20 anos. No mesmo profético artigo, o professor consegue captar a essência da mentalidade que insiste em determinar a ocupação humana na região de Carajás: "já que a Amazônia vai ser destruída mesmo, que seja a nosso favor".

Especial - Carajás:

O Retrato
Parte 1 - O Ferro
Parte 2 - As Cadeias (Ferro-gusa, Carvão, Gado e Madeira)As Propostas
Os Desafios


FONTE: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1238

UFMA. Greve das Universidades Federais... Expansão ignorou o professor.

Estudo e avaliação de quem vive o ensino mostram realidade de sucateamento e que a propalada melhoria no setor não passa de propaganda oficial.


Fernando Leite/Jornal Opção
Kátia Lima, professora da UFF: “A política perversa da expansão precarizada e da intensificação do trabalho docente se aprofundou no governo Lula”.
 
Andréia Bahia
Não é apenas a re­composição salarial que está motivando professores das universidades federais a entrar em greve em todo País. Por trás do movimento grevista está um processo de precarização da carreira dos docentes, decorrente da expansão das universidades, política adotada ainda no governo Fernando Henrique Cardoso e que foi aprofundada nos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff. No último ano de seu governo, Lula se vangloriava de ter levado “as universidades federais e as escolas de educação profissional das capitais para o interior do país”. O que significava a inauguração de 30 escolas federais de educação profissional e 25 câmpus de 15 universidades federais.

Significou também a precarização das condições de trabalho do professor universitário, aspecto para o qual o ex-presidente não atentou. Lula sempre esteve mais atento aos números que às pessoas. A precarização da profissão do professor universitário federal está demonstrada em estudo realizado por pesquisadores das Universidades Federais Fluminense (UFF), do Rio de Janeiro (UFRJ), de São Carlos (UFSCar) e do Maranhão (UF­MA) e é resultado de uma política que visa o aumento de vagas nas unidades de ensino superior federais, mas não se preocupa em preparar a universidade para receber esses novos estudantes.


Segundo o estudo, a partir de 2007, com o lançamento do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), instituído por decreto presidencial, as universidades federais dobraram a oferta de vagas. Eram 109,2 mil em 2003 e chegaram a 222,4 mil no final de 2010. Nesse mesmo período, o corpo docente passou de 40.823 professores para 63.112. O crescimento do número de técnicos administrativos foi ainda menor: subiu de 85 mil para 105 mil. “A nossa crítica não é sobre a entrada dos estudantes, não é voltada à expansão do ensino superior porque essa é uma bandeira histórica dos professores. A crítica é da forma como ela tem sido feita”, afirma a professora Kátia Lima, coordenadora da pesquisa em Educação Superior referida acima.


A expansão proposta pelo Reuni é feita por meio de um contrato de gestão, no qual toda universidade tem metas a atingir em relação à expansão do número de estudantes em cada sala da graduação, no número de turmas, na relação professor e alu­no, e no número de cursos, especialmente no período noturno. De acordo com o programa, o financiamento para obras e a abertura de vagas para concurso público para professor estão condicionados à ampliação do número das vagas de discentes. Essa condição levou várias universidades a aumentar muito as vagas para alunos e, segundo Kátia Lima, as unidades não receberam a contrapartida do número de vagas de docentes.


Isso porque o Reuni não con­siderou o passivo de professores, resultado da histórica expansão das universidadese nem levou em conta o número de aposentadorias, especialmente a partir de 1995, e as demissões de professores ocorridas no período anterior ao programa. “Na medida em que se tem um quadro de docentes com dificuldades por causa de uma expansão que foi realizada na década de 90 e no início do novo século, quando as universidades federais recebem mais estudantes, o resultado tem sido a intensificação do trabalho docente”, explica a pesquisadora, que é da Escola de Serviço Social da UFF.


Os professores que ingressaram a partir do Reuni não co­brem nem a expansão anterior ao programa nem a que está em curso.  É o que concluiu a tese de dissertação de José Renato Bez De Gregório, que trata da “Política de Pessoal Docente no Governo Lula:Uma Análise do Reuni na UFF e seus Des­do­bramentos” e analisou o impacto dessa política de expansão nascondições de trabalho docente no âmbito da Universidade Federal Flumi-nense. A pesquisa mapeou o quadro de pessoal da instituição entre os anos de 1995 e 2010 e comprovou que a reposição do número de professores na UFF não foi “suficiente sequer para repor as perdas acumuladas entre 1995 e 2005, gerando um crescimento no número de vagas discentes muito superior à sua capacidade”. 

O estudo verificou “um aumento indiscriminado” no número de vagas discentes — 137,5% de 1995 a 2010 —-, além de uma grande expansão no númerode cursos de graduação — 95,56% no mesmo período. Das 517 novas vagas de docentes, apenas 194 foram para distribuídas às unidades de Niterói para atender esse processo de expansão de 1995 a 2010. “O que se verifica é um crescimento no número de vagas discente bastante superior ao incremento no número de docentes, mesmo nos polos universitários, caracterizando a intensificação do trabalho docente na UFF, resultando num número cada vez maior de alunos em sala de aula, colaborando para a precarização do trabalho docente”, conclui a dissertação.

Mas não é apenas o professor que sofre com essa expansão sem planejamento promovida pelo governo federal. Os alunos também têm sua cota de sacrifício. A maioria dos prédios que começaram a ser construídos para receber os novos estudantes federais não ficou pronta. E nem deve ficar. Em agosto de 2009, durante a inauguração do novo prédio do Instituto de Ciências Biológicas da Uni­versidade de Brasília (UnB), o então ministro da Educação, Fernando Haddad, declarou que os R$ 2,5 bilhões destinados a financiar os quatro anos de implementação do Reuni foram comprometidos nos dois primeiros anos do projeto. Na época, Haddad acrescentou: “Isso significa que o meu sucessor terá que buscar mais alguns bilhões para atender os reitores das universidades federais.” Em 2011, Dilma Rousseff fez um corte no Orçamento Geral da União, em decorrência da cri­se econômica mundial, o que incide diretamente na área da Educação. “Na UFF, são vários prédios esqueletos, sem conclusão das obras”, relata a professora.


Em junho do ano passado, eram 53 o número de obras paradas em 20 universidades federais, de acordo com dados do MEC: moradias estudantis, laboratórios e salas de aula que não ficaram prontos para receber os novos alunos, que assistem às aulas em espaços improvisados, não contam com laboratórios nem bibliotecas. O MEC sustenta que as construtoras e empreiteiras abandonaram as construções porque faliram e ficaram sem recursos para cumprir seus compromissos. “Os professores estão sendo obrigados a dar aulas em contâineres, fechados, sem janela, com ar-condicionado”, conta Kátia Lima. A situação pode ser comprovada na UFF em Rio das Ostras. Na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), no Rio Grande do Sul, os laboratórios de pesquisas foram montados dentro de banheiros e o material da pesquisa fica ao lado do vaso sanitário. A falta de estrutura leva as universidades a abrigarem em salas de aula, próprias para atender 40 alunos, cerca de 60, 70 até 80 estudantes. Mas essa improvisação é, no futuro, a meta do governo. As salas que vêm sendo construídas a partir do Reuni estão sendo preparadas para receber de 100 a 150 estudantes.  “É uma situação de precarização que está chegando ao limite”, avalia a pesquisadora. A greve, segundo ela, aponta para essa situação limite que as universidades estão vivendo.


Pesquisa e extensão em segundo plano


O governo federal foca um único objetivo em seu programa de expansão da universidade: o aumento do número de alunos e a construção de prédios para abrigá-los. No vestibular 2011 houve um aumento de 16,33% no número de vagas oferecidas em relação a 2010. A pesquisa, a extensão e a valorização do professor não foram apenas relegadas a segundo plano. Foram esquecidas. A política de pós-graduação e pesquisa vem sendo implementada desde a década de 90 e que foi aprofundada nos governos Lula da Silva e Dilma tem uma lógica ordenada pelos editais. 
Desde então, a universidade deixou de oferecer as condições para o professor realizar pesquisa: de fornecer computador, papel, recursos para observação em campo, para a apresentação de trabalhos. Os professores, para fazerem pesquisa dentro da universidade, precisam concorrer a editais das fundações de amparo à pesquisa ou do CNPq. Se os projetos forem aprovados, eles recebem os recursos para a pesquisa. Mas não há verba para todos os pesquisadores. “A lógica dos editais é bastante complicada e perversa porque estimula a concorrência entre professores. Se um recebe, outro deixou de receber”, analisa Kátia Lima. O que faz com que a intensificação do trabalho também ocorre na pós-graduação.

Por outro lado, avalia a pesquisadora, as pesquisas acabam sendo empurradas para uma lógica de privatização. O pesquisador que tem seu projeto aprovado e recebe um laboratório de pesquisa, ele não compartilha essa estrutura com os demais pesquisadores da universidade. “Privatiza-se o espaço público porque nem todos vão poder ter acesso aquele laboratório.”


Ao mesmo tempo em que a universidade não oferece condições para pesquisa, ela cobra dos professores uma determinada quantidade de artigos publicados em veículos específicos, definidos pelo MEC, para se manterem no programa de pós-graduação. Trata-se, mais uma vez, de uma lógica que não se aplica ao ensino publico, pois prioriza a quantidade, é produtivista, observa a professora. “O professor tem metas por ano para se manter no programa, o que novamente estimula a competição entre professores, os mais produtivos, os improdutivos, entre os programas de pós-graduação e entre as universidades.”


Na extensão, essa política também tem resultado privatista. O programa de extensão se tornou dentro da universidade venda de serviços educacionais. Os professores montam cursos de extensão para oferecer para o público, mas como a universidade não garante condições de trabalho para eles ministrarem o curso, computador, impressora, papel, energia e até papel higiênico, coisa básicas, os professores são obrigados a cobrar pela extensão, que é um dos pilares da universidade pública. Há cursos nas universidades que chegam a custar R$ 3 mil. “O que é inconstitucional, mas eles funcionam”, observa Kátia Lima. Funcionam sus­tentados por um decreto do ex-presidente Lula da Silva que regulamentou as relações das fundações de direito privado que atuam dentro das universidades federais. “Os cursos de extensão passam por dentro das fundações de direito privado, um espaço que se apresenta como um espaço que não é engessado como a universidade e em nome dessa flexibilidade se privatiza por dentro a universidade pública”, critica a pesquisadora. Na UFG operam a Fundação Rádio e Televisão E­ducativa e Cultural (Fundação RTVE), a Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (FundaHC) e a Fundação de Apoio a Pesquisa (Funape), que podem captar verbas públicas e privadas.


Essa política produz dentro da universidade pública ilhas de excelência. Ao mesmo tempo em que estimula a certificação em larga escala e salas de aula com 130 alunos, permite que a iniciativa privada financie a pesquisa em determinadas faculdades. É o caso da UFRJ, da Ilha do Fundão, tomada pelos prédios da Petrobrás. “Quem ordena boa parte da pesquisa na UFRJ é a Petrobrás porque é ela que financia. Constrói os prédios, seleciona os professores empreendedores, que vão vender o seus serviços para a Petrobrás”, relata Kátia Lima.


Essa dualidade ocorre entre as universidades e dentro delas. Ela conta que dentro da UFRJ também há uma hierarquia, que ficou clara quando um professor de Medicina disse ser a favor da expansão das vagas dos discentes para cursos como Serviço Social, Pedagogia, Comunicação Social. Esses cursos poderiam ser ministrados para 150 alunos, mas Medicina não. “Isso estimula o subcurso. As áreas de humanas e ciências sociais passam a ser subcursos porque têm financiamento e tratamentos diferenciados.”


A pesquisadora considera a política para as universidades federais “muito perversas”. E não é aleatória. Dá-se dentro de um processo que está em curso no Brasil, mas é ditada por organismos internacionais e baseada em uma concepção de universidade voltada especialmente para os países da periferia do capitalismo. O que eles chamam de educação terciária e considera qualquer curso pós-ensino médio de universitário. “Essa lógica de ex­pansão presente na política do governo federal no Brasil tem aproximação com essa concepção da educação terciária, que é vista como compra e adaptação de conhecimento.” Ou seja, os países centrais produzem o conhecimento e a tecnologia e os periféricos apenas compram e adaptam.


O segundo ponto da pauta dos grevistas é a carreira do docente. Na proposta do governo, para o professor passar de um nível para outro — ele ingressa na classe de auxiliar, assistente ou adjunto e pode ascender até a de associado — é exigido desse professor que ele se vincule a um programa de pós-graduação. Hoje, na universidade federal, há um número grande de professores que estão concluindo o doutorado, mas o título não os credenciam a ascender na carreira porque essa ascensão está condicionada à publicação de artigos e trabalhos. “O que os professores identificam como uma política bibliométrica, que avaliam o número de artigos publicados.”


Kátia Lima, com base em estudos realizados, afirma que a política “perversa” da expansão precarizada e da intensificação do trabalho docente se aprofundou no governo Lula. Ela cita como exemplos dessa precarização as medidas adotadas de 2003 para cá: o decreto que regulamenta a atuação das fundações de direito privado, uma face da privatização interna, o ProUne, que amplia a isenção fiscal para os empresários da educação, o Reuni, protagonista da expansão universitária, o aumento dos cursos à distancia no setor público e privado. Segundo ela, Lula não foi menos pior que Fernando Henrique Cardoso para o ensino superior. Os governos petistas pioraram as condições de trabalho dos professores universitários.


Em Goiás, precárias condições de trabalho impedem ensino de qualidade


Em Goiás, a situação dos professores é a mesma, afirma o professor Alexandre Aguiar dos Santos, do câmpus da cidade de Goiás. Segundo ele, a partir da expansão do número e alunos promovida pelo Reuni, a proporção professor – aluno foi ampliada. O câmpus da cidade de Goiás tem cerca de 630 alunos e 48 professores. “A relação entre cursos e número de professores alterou de forma bastante drástica.” Cursos que tinham 40 e até 60 professores passaram a ter um limite máximo de 20 docentes. “Essa é a base da mudança”, critica. Mudança que intensificou as atividade de ensino do professor, provocou uma sobrecarga em funções administrativas e reduziu o tempo disponível para a pesquisa e extensão. “As condições de trabalho impedem o ensino de qualidade, que concilia ensino, pesquisa e extensão”, observa o professor.

Na cidade de Goiás, faltam professores e mesmo assim a estrutura é insuficiente para eles desenvolverem um bom trabalho. Segundo Alexandre dos Santos, cinco professores dividem uma sala de 12 metros quadrados. “Se todos estiverem na sala no mesmo momento vai faltar ar.” Esse é o espaço que os professores têm para atender os alunos. “Na maioria das vezes o atendimento é feito nas salas de aula livres ou até mesmo nos corredores”, relata o professor. O curso de Filosofia é ministrado em galpão da antiga cooperativa de professores. As salas são pequenas e abafadas.


Os três cursos do câmpus da cidade de Goiás (Direito, Serviço Social e Filosofia) têm uma mesma secretaria, que também funciona como sala de professores. No espaço de 15 metros quadrados faltam mesas e cadeiras para os servidores. “Sempre tem um em pé.” O câmpus também não tem laboratório e nem núcleo para a prática do estágio. A biblioteca está com sua capacidade esgotada e não tem como receber os livros adquiridos. O câmpus também não conta com internet de alta velocidade, apenas uma de 32 megas. “Sem a mínima estrutura física e tecnológica, as pesquisas são feitas de forma individual na casa dos professores”, conta Santos. Para ele, a UFG da cidade de Goiás funciona como um colégio de 3° grau precário. “Sem pesquisa e sem extensão.” A assessoria de imprensa da UFG, devido ao recesso, não atendeu às ligações da reportagem.


Professores deflagram greve na UFG à revelia da Adufg


No País, 51 universidades federais estão em greve. A UFG está dividida em relação ao movimento. A Associação dos Docentes da UFG (Adufg) é contra a paralisação, mas os professores reunidos no Fórum de Mobilização dos Professores da UFG deflagraram a greve na quarta-feira, 6, depois que a assembleia convocada pela Adufg para tratar do assunto acabou em confusão.


Em nota de agravo, a diretoria da Adufg afirmou que a assembleia foi “frustrada em virtude da presença de professores da UFG não filiados e de pessoas de outros segmentos que não fazem parte do corpo deliberativo do Sindicato, muitos deles do Campus de Goiás, Catalão e até mesmo de outros estados”. Segundo a nota, antes de declarar aberta a assembleia, Rosana Borges, presidente da entidade, pediu que os lugares fossem cedidos aos sindicalizados e que “após reiteradas tentativas de estabelecer a ordem para o início da sessão, o clima acirrou-se”. A nota dá conta que diversas pessoas invadiram a mesa da assembleia tentando tomar o microfone e que, “diante do risco à integridade física dos presentes, a presidente do sindicato declarou cancelada a assembleia”. Ainda segundo a nota, a presidente da Adufg e o professor João de Deus, ex-presidente da entidade, foram agredidos. A Adufg não reconhece a validade legal do movimento grevista deflagrado pelos professores que deram continuidade à assembleia depois da retirada da presidente da entidade.


As versões sobre o que ocorreu na assembleia são divergentes. Também em nota, o Comando Local de Greve chama atenção para o fato de assembleia ter reunido o maior número de professores nos 50 anos da instituição. “Os professores decidiram pela deflagração da greve no dia 11 de junho”, afirma a nota. O documento relata que o conflito ocorreu porque a presidente do sindicato decidiu cancelar a assembleia, alegando o fato de que alguns professores filiados estavam de pé e não filiados sentados. “A decisão arbitrária de cancelar a assembleia sem realizar uma votação, enquanto o plenário clamava pela sua continuidade, gerou comportamentos agressivos entre diretoria e plenário, mas nada que justificasse a retirada da diretoria da Adufg Sin­dicato, já que a situação foi rapidamente controlada e não restava nenhuma ameaça contra qualquer um dos presentes”, afirma a nota.


Após a saída da diretoria, os professores que permaneceram, inclusive um integrante do Grupo de Apoio da Adufg e do Conselho Deliberativo do Proifes, deflagraram a greve. O professor Fernando Lacerda, que participou da assembleia, afirma que não havia clareza sobre a pauta da Adufg, uma vez que no dia anterior, terça-feira, 5, a entidade havia participado de uma reunião com o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, e que o ministro teria atendido a algumas reivindicações da categoria. “Fomos para a assembleia sem saber se a pauta era a proposta de plebiscito, defendida dias antes pela Adufg, ou a não realização da greve”, afirma Lacerda. Segundo o professor, a maioria dos docentes que deixaram o trabalho para participar da assembleia era a favor da paralisação. “Na assembleia, a presidente não tem peso maior que os demais professores e, portanto, ela não poderia ter suspendido a reunião.”
Ele explica também, que, uma vez aberta, a assembleia não poderia ter sido suspensa unilateralmente pela direção. Apenas a partir da votação dos integrantes. “Sendo assim, a deliberação da greve é legal”, afirma.

O tumulto na Assembleia da Adufg


Relato de um professor da UFG no dia da confusão ocorrida na reunião dos professores
Jamesson Buarque de Souza
Em movimento flagrante de des­mobilização política, a Adufg tentou, desde ontem [terça-feira, 5], confundir os docentes da UFG em Goiânia com mudança de local de sua assembleia. Em torno de 21 horas, a diretoria do sindicato mudou o local de realização da assembleia, acordado para ocorrer hoje [quarta-feira, 6], no prédio do IME [Instituto de Matemática e Estatística], no Câmpus 2, para o da Emac [Escola de Música e Artes Cênicas], no mesmo câmpus. No entanto, ainda hoje vários professores receberam mensagens via celular confirmando assembleia no IME, embora ela já tivesse sido alterada para a EMAC.

A desmobilização não logrou êxito e lá estivemos em um gesto histórico para a UFG, com mais de 400 docentes e também mais de 400 discentes. Contudo, a Adufg não se deu por vencida e, vendo o auditório da Emac lotado e com o ânimo diferenciado de suas intenções, tentou impedir a realização da assembleia.


A mesa diretora da Adufg, em pretexto de solicitação, pediu que discentes, e pior, que docentes não filiados ao sindicato, se levantassem das cadeiras. A despeito de a totalidade dos filiados terem erguido sua ficha de votação exigindo o início da assembleia, a presidente do sindicato se recusou a atender os próprios filiados que diz representar. Eu estava lá entre tantos, e assim como meus pares, não estava preocupado em estar sentado ou em pé. Logo, todos nós queríamos a assembleia. Mas a diretoria da Adufg se recusou a realizá-la. Como se isso fosse pouco, por um instante, indo para a área externa ao auditório, vi, lamentavelmente, a mesa de entrada da assembleia, dirigida pela representação da Adufg, com discurso de proibição da entrada de professores não filiados ao sindicato no auditório. 

A mesma mesa gritava contra os discentes que apoiavam a maioria docente, ameaçando-os com a polícia, como se o gesto político estudantil fosse um crime. De modo tão desrespeitoso quanto ridículo, a mesa de entrada do auditório da Emac, dirigida pela Adufg, disse a vários docentes não filiados: “Vocês não podem entrar porque o que ocorrerá lá dentro não tem nada a ver com vocês”. Isso como se o cenário de crise nacional da educação pública federal fosse problema apenas de filiados da Adufg, e não de toda a comunidade acadêmica brasileira, bem como de toda a sociedade. A diretoria da Adufg, irresponsavelmente — ou seja, demonstrando-se incapaz de representar a classe docente da universidade — discriminou vários docentes, tão professores quanto todos nós filiados, quando criminalizou a movimentação estudantil, que, além de legítima, exercia seu indicativo de apoio à greve docente. Esse apoio foi aprovado ontem à tarde, em assembleia estudantil ocorrida no IME.

De resto, também lamentavelmente, armou-se uma confusão com agressão física no interior do auditório. Sobre isso, principalmente para quem compra as falsas declarações da Adufg, pode-se flagrar em vídeo amplamente divulgado em redes sociais quem realmente agrediu quem. Inclusive, abafando a voz dos filiados do sindicato, a diretoria da Adufg postou o vídeo em seu site sem o áudio. E como, em total desrespeito não somente a todos os filiados do sindicato que lá se encontravam, mas principalmente a toda comunidade acadêmica da UFG, e diga-se, também, à sociedade em geral, a presidente da Adufg simplesmente — sem ser tocada por ninguém, como pode se observar no vídeo — recolhe seus papéis e bolsa e se retira do recinto sem dar a menor satisfação aos presentes. Acrescente-se a isso que ela já havia ignorado a manifestação dos filiados para que a assembleia fosse iniciada independentemente de quem estava sentado ou em pé.


Ainda assim, em um ato político próprio da democracia, a assembleia, que deveria ser dirigida pela representação sindical, foi assumida pelos docentes com apoio dos discentes. E com base nesse ato, alijado na convocação realizada, foi deflagrada greve dos docentes da UFG em Goiânia. A meu ver, o cenário ganhou um corpo ainda mais apropriado, pois a greve foi deflagrada não pelo sindicato, mas por uma assembleia de docentes, com mais de 400 de nós lá presentes, os quais se somam aos demais campi da UFG (Catalão, Jataí e Goiás), já em greve.

Jamesson Buarque de Souza é professor doutor da Faculdade de Letras da UFG.

FONTE: www.jornalopcao.com.br/posts/reportagens/expansao-ignorou-o-professor

JORNALISMO E BARBÁRIE. A imprensa que estupra, por Eliane Brum.

– Não estuprou, mas queria estuprar! 

A frase foidita pela repórter Mirella Cunha, no programa Brasil Urgente, da Band da Bahia, a um jovem de 18 anos, preso em uma delegacia desde 31 de março. Algemado, ele diz que arrancou o celular e a corrente de ouro de uma mulher, mas repete que não a estuprou. 

Na reportagem, a jornalista o chama de “estuprador”. Pergunta se a marca que ele tem no rosto é resultado de um tiro. Ele responde que foi espancado. A repórter não estranha que um homem detido, sob responsabilidade do Estado, tenha marcas de tortura. O suspeito diz que fará todos os exames necessários para que seja provado que ele não estuprou a mulher. Ele não sabe o nome do exame, não sabe o que é “corpo de delito” e pronuncia uma palavra inexistente. Ela debocha e repete a pergunta para expô-lo ao ridículo. Ele então pronuncia uma palavra semelhante à “próstata”. A jornalista o faz repetir várias vezes o nome do exame para que ela e os telespectadores possam rir. Depois, pergunta se ele gosta de fazer exame de próstata. No estúdio, o apresentador Uziel Bueno diz: “Tá chorando? Você não fez o exame de próstata. Senão, meu irmão, você ia chorar. É metido a estuprador, é? É metido a estuprador? É o seguinte. Nas horas vagas eu sou urologista...”.

A chamada da reportagem era: “Chororô na delegacia: acusado de estupro alega inocência”. A certa altura, a jornalista olha para a câmera e diz ao apresentador, rindo:

– Depois, Uziel, você não quer que o vídeo vá pro YouTube...

Ela tinha razão: o vídeo foi postado no YouTube. A versão mais curta dele já foi vista por quase 1 milhão de pessoas. Aqui neste link, se quiser, você pode assistir a uma versão um pouco mais longa, de quase cinco minutos.

O vídeo foi divulgado nas redes sociais, na semana passada, com grande repercussão e forte pressão por providências. Um grupo de jornalistas fez uma carta aberta:
“A reportagem de Mirella Cunha, no interior da 12ª Delegacia de Itapoã, e os comentários do apresentador Uziel Bueno, no estúdio da Band, afrontam o artigo 5º da Constituição Federal: ‘É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral’. E não faz mal reafirmar que a República Federativa do Brasil tem entre seus fundamentos ‘a dignidade da pessoa humana’. Apesar do clima de barbárie num conjunto apodrecido de programas policialescos, na Bahia e no Brasil, os direitos constitucionais são aplicáveis, inclusive aos suspeitos de crimes tipificados pelo Código Penal”.

E, mais adiante:
“É importante ressaltar que a responsabilidade dos abusos não é apenas dos repórteres, mas também dos produtores do programa, da direção da emissora e de seus anunciantes – e nesta última categoria se encontra o governo do Estado que, desta maneira, se torna patrocinador das arbitrariedades praticadas nestes programas”. Em 23/5, o Ministério Público Federal abriu representação contra a jornalista. Em nota, a Band afirmou que tomaria “todas as medidas disciplinares necessárias” e que “a postura da repórter fere o código de ética do jornalismo da emissora”.

Em visita ao suspeito, a Defensoria Pública assim o descreveu:
“É réu primário, vive nas ruas desde criança, apesar de ter residência em Cajazeiras 11. Tem seis irmãos, é analfabeto e já vendeu doces e balas dentro de ônibus. Ao ser questionado sobre como se sentiu durante a entrevista, ele diz: ‘Eu me senti humilhado, porque ela ficou rindo de mim o tempo todo. Eu chorei porque sabia que eu iria pagar por algo que não fiz, e que minha mãe, meus parentes e amigos iriam me ver na TV como estuprador, e eu sou inocente’”.

Assistência jurídica
A reportagem é um exemplo de mau jornalismo do começo ao fim. E, para completar, ainda presta um desserviço à saúde pública, ao reforçar todos os clichês e preconceitos relacionados ao exame de próstata. Por causa dessa mistura de ignorância e machismo, homens demais morrem de câncer de próstata no país. Os abusos cometidos pela repórter e pelo apresentador foram tantos, porém, que esse prejuízo passou quase despercebido. 

Por que vale a pena refletir sobre esse episódio? Primeiro, porque ele está longe de ser uma exceção. Se fosse, estaríamos vivendo em um país muito melhor. O microfone (e a caneta) tem sido usado no Brasil, assim como em outros países, também para cometer violências. Nestas imagens, se observarmos bem, a repórter manipula o microfone como uma arma. (Outras interpretações, vou reservar para os psicanalistas.)

Muitos passam mal ao assistir ao vídeo porque o que se assiste é uma violência sem contato físico, sem marcas visíveis. Uma violação cometida com o microfone e uma câmera, exibida para milhões de pessoas, contra um homem algemado (e, portanto, indefeso), sob a responsabilidade do Estado, que, em vez de garantir os direitos do suspeito, o expõe à violência.

O suspeito é humilhado por algo que deveria ser uma vergonha para o Estado e para todos nós: a péssima qualidade da educação. E, no caso dele, o analfabetismo de um jovem de 18 anos no ano de 2012, na “sexta economia do mundo”. Ao afirmar que o rapaz era um estuprador, a repórter colocou em risco também a vida do suspeito, já que todos sabem – e muitos toleram – o que acontece dentro das cadeias e prisões com quem comete um estupro. 

A repórter e o apresentador, porém, são apenas a parte mais visível da rede de violações. Estão longe de serem os únicos responsáveis. Para que esse caso se torne emblemático e para que a Justiça valha é preciso que todas as responsabilidades sejam apuradas, a começar pela do Estado. Tanto em permitir que alguém sob sua custódia fosse exibido dessa maneira, e possivelmente contra a sua vontade, numa rede de TV, quanto nas marcas de tortura no seu rosto. As marcas e o relato de espancamento, aliás, seriam objeto da apuração de qualquer bom jornalista. No caso, não suscitaram nenhuma surpresa. 

Basta ligar a televisão para ter certeza de que nem essa jornalista, nem esse apresentador, nem essa rede de TV são os únicos a violar direitos previstos em lei, especialmente contra presos e contra favelados e moradores das periferias do Brasil. Especialmente, portanto, contra os mais frágeis e com menos acesso à Justiça. Vale a pena lembrar que o número de defensores públicos no Brasil é insuficiente – em São Paulo, por exemplo, segundo relatório feito pela Pastoral Carcerária Nacional e pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, há apenas 500 defensores públicos para prestar assistência jurídica à população carente. E quase 60 mil presos que nunca foram julgados. 

Como também sabemos, nenhum jornalista publica ou veicula o que quer. Para que reportagens como esta tenham espaço é preciso que exista antes uma estrutura disposta a permitir que os maus profissionais violem as leis. Em última instância, também quem anuncia seus produtos em programas que exibem esse tipo de reportagem está sendo conivente e estimulando a violação de direitos.

Relação promíscua
A responsabilidade não acaba aí. Nos blogs, onde o vídeo foi denunciado como uma violação de Direitos Humanos, parte dos comentários dos leitores pode ser assim resumida: “Ah, mas ele não é nenhum inocente”. Ou: “Queria ver se fosse você que ele tivesse assaltado”. São afirmações estúpidas, mas elas ajudam a explicar por que esse tipo de abordagem tem audiência. Persiste ainda no Brasil uma ideia de condenação sem julgamento – e o linchamento público, via TV, é uma das formas mais apreciadas de exercer a barbárie. Até porque, dessa forma, ninguém precisa sujar as mãos de sangue. 

É preciso, porém, lembrar o óbvio: até ser julgado, um suspeito é um suspeito. E só o ritual da Justiça poderá dizer se ele é culpado ou inocente. E, mesmo culpado, ele vai cumprir a pena determinada pela lei, mas continuará a ter direitos. E esta é uma conquista da civilização – contra a barbárie.

É também por causa da vontade de fazer “justiça” com as próprias mãos de parte da população que o mau jornalista se sente “autorizado” a se colocar no lugar de juiz e condenar um suspeito no tribunal midiático. Quem o legitima não são as leis tão duramente conquistadas no processo democrático, mas a audiência. Quem legitima o mau jornalismo é justamente esse tipo de comentário: “Ah, mas ele não é nenhum inocente” ou “Queria ver se fosse você que ele tivesse assaltado”.

Para esse tipo de raciocínio valer e o mau jornalismo continuar tendo espaço é preciso que a sociedade decida que não existem leis no Brasil e que os suspeitos perdem todos os direitos e devem ser linchados sem julgamento, nas ruas ou na TV. E isso vale para todos – e também para aqueles que gostam de expressar sua sanha porque pensam estar a salvo da sanha alheia. 

Por sorte, não chegamos a esse ponto. Mas, para que violências como a que assistimos não se repitam, não basta punir quem as comete, é preciso que cada um saiba que, ao dar audiência para o mau jornalismo, está escolhendo a barbárie. O telespectador também tem responsabilidade. Cada um de nós tem responsabilidade. É assim numa democracia: a responsabilidade é compartilhada. Quem escolhe, se posiciona e se responsabiliza. E quem se omite também escolhe e se responsabiliza. 

Este episódio, que, repito, está longe de ser exceção, poderia ser usado para iluminar capítulos não contados, ou pouco contados, ou ainda mal contados da imprensa. É importante compreender que, historicamente, parte do jornalismo policial tem uma relação promíscua com a polícia. Desde sempre. Parte porque há grandes e decentes repórteres na história da crônica policial brasileira. Mas, arrisco-me a dizer, não representam a maioria.

Tapa na cara
Na ditadura, parte dos jornalistas policiais foi conivente com a tortura dos presos políticos, da mesma maneira que já era conivente, antes, com a tortura dos presos comuns. E que, depois do fim da ditadura, continuou a ser conivente com a tortura largamente praticada até hoje nas cadeias e presídios do país. Há histórias escabrosas e ainda não bem contadas de repórteres que, inclusive, assistiam às sessões de tortura e até ajudavam a torturar. Estas só tomei conhecimento pela narrativa de colegas mais velhos – obviamente, nunca presenciei.

Na transição democrática, nos anos 80, eu cheguei a conviver com jornalistas da editoria de polícia que andavam armados e achavam não só natural, mas desejável, a tortura de presos. Outros se limitavam a não denunciá-las. Era comum o repórter chegar à delegacia e ouvir a seguinte frase: “Espera um pouquinho, que estamos maquiando o elemento”.

“Maquiar” o preso significava que estavam apagando as marcas de tortura, para que ele pudesse ser fotografado ou filmado. Algumas marcas, claro, restavam. E ninguém – nem repórter, nem fotógrafo, nem mesmo os leitores – achava estranho.

É por causa dessa mentalidade, ainda hoje largamente disseminada entre a população brasileira, que as denúncias das torturas praticadas nas cadeias e prisões não causam revolta – para além das organizações de direitos humanos e alguns segmentos restritos da sociedade. Como se, ao ser condenado ou apenas suspeito de um crime, as pessoas perdessem todos os seus direitos, inclusive os fundamentais.

Se a tortura de presos políticos durante a ditadura tem grande repercussão na classe média, a tortura contumaz dos presos comuns, praticada antes, durante e depois do regime militar, é tolerada por parte da população – até hoje. Sobre a tortura disseminada nas cadeias e prisões brasileiras, aliás, aguarda-se a divulgação do relatório da ONU, cujos resultados e recomendações estão nas mãos do governo federal desde fevereiro.

Se no passado alguém estranhasse as marcas dos presos, bastava alegar “resistência à prisão” – “explicação” até hoje amplamente usada pelas polícias para justificar a morte de suspeitos. É assim que a pena de morte – punição inexistente na legislação brasileira – tem vigorado na prática no país. Suspeitos são executados pela polícia – e a justificativa é “morto ao resistir à prisão” ou “morto em confronto” ou “morto durante troca de tiros”.

Ontem – como hoje –, na prática, o preso não tinha nenhum direito a não querer dar entrevista ou ser fotografado ou filmado. Estava implícito que, se tentasse protestar, seria agredido. Era comum os policiais levantarem a cabeça do preso para as câmeras. Tanto daqueles que não queriam ter seu rosto exposto quanto daqueles que tinham sido tão torturados que não conseguiam manter a cabeça ereta sobre o pescoço.

Esta era a cultura que imperava – e em geral as redações não estranhavam, ou quem estranhava preferia deixar por isso mesmo para não ter de se confrontar com a “naturalidade” reinante. Não me parece – pelo que assistimos nesse vídeo – que hoje a situação seja muito diferente.

No início dos anos 90, um colega de jornal, Solano Nascimento (hoje professor do curso de jornalismo da UnB), que raramente cobria a área policial, presenciou um agente dar um tapa em um preso. Vários jornalistas, de outros veículos, testemunharam a cena. Mas só ele estranhou e denunciou a violência na sua matéria. O fato – o de um jornalista ter denunciado algo que para muitos era corriqueiro – causou espanto nas redações. Ainda assim, a polícia foi obrigada a abrir uma sindicância. 

Cultura da violência
Uma pesquisa realizada em 2009 por Marcos Rolim, Luiz Eduardo Soares e Silvia Ramos com profissionais de segurança pública mostrou que 20,5% dos quase 65 mil policiais que responderam ao questionário – 1 em cada 5 – afirmaram ter sofrido torturas em seu processo de formação. O curioso é que a cultura de violência também se fazia presente na formação dos repórteres de polícia, ainda que em proporções mais amenas. Uma espécie de “batismo de sangue” (no caso, sangue alheio) era motivo de orgulho e até de certa superioridade diante dos “frouxos” de outras editorias. Posso afirmar que isso persistiu até pelo menos a década de 90 – mas há motivos para supor que ainda exista em algumas regiões do país. 

Entre os jornalistas, a iniciação era feita de várias maneiras. Uma repórter contou que, em seu primeiro dia de trabalho, foi escoltada das 7h às 21h por um jornalista veterano, com um revólver calibre 38 na cintura (era a década de 80 e o “três-oitão” ainda vivia momentos de glória). Nestas 14 horas ininterruptas, eles acompanharam todas as mortes ocorridas na cidade – não só os assassinatos, mas também os suicídios. O veterano obrigou a “foca” a examinar os cadáveres, verificar o que havia nos bolsos, apalpar os “presuntos”, como ele chamava. Ao final do processo de violação dos corpos, ela tinha de relatar o número de buracos de bala e de perfurações de faca, sob os olhos cúmplices dos policiais responsáveis pela investigação. 

Nos deslocamentos entre um morto e outro, o veterano contava sobre como gostava de torturar “vagabundos” e lamentava o fim da ditadura. Quando a noite chegou, ele a levou ao plantão de polícia do pronto-socorro público. Lá ela viu uma mulher chegar gritando e chorando, com o corpo todo esfaqueado e o sangue saindo por todos os furos. Pela mão, a mulher levava um menino com cerca de cinco ou seis anos. Quando a jovem repórter viu os olhos do menino, deu alguns passos e desmaiou no corredor do hospital. Quando acordou, descobriu que tinha urinado na roupa durante o desmaio. 

O veterano a levou para casa no carro do jornal e, ao descobrir que ela morava sozinha, impôs sua autoridade para deixá-lo entrar, com a justificativa de que era sua responsabilidade profissional ter certeza de que ela, uma subordinada, ficaria bem. Enquanto a jornalista tomava banho, ele revistou a sua casa. Nada pior aconteceu porque ela arranjou um jeito de dizer que o sogro era professor universitário e a família do namorado deveria estar preocupada com o seu atraso. Por muitos meses ela sentiu-se violentada e não conseguia dormir sozinha em casa. Trocou as fechaduras da porta, lavou todas as suas roupas, porque o veterano repórter de polícia as tinha tocado, e botou fora tudo aquilo que não era documento, inclusive seus bichos de pelúcia.

Assim eram as coisas há não tanto tempo atrás. E acredito que ainda sejam em algumas redações do país. A reportagem que gerou a polêmica não é um episódio isolado. Assim como a teia de responsáveis é ampla e não se restringe à repórter e ao apresentador. E, por fim, a realidade a que assistimos hoje é parte de um processo histórico da imprensa brasileira, com capítulos ainda obscuros. Basta lembrar que conhecemos os nomes dos torturadores e dos legistas que assinavam os laudos falsos da ditadura, mas desconhecemos o nome dos jornalistas que foram cúmplices do regime também nos porões da repressão.

Uma linha de investigação interessante para um livro ou uma pesquisa acadêmica seria entender como a cultura da violência e a relação de promiscuidade de parte dos jornalistas de polícia com os aparatos de repressão da ditadura manteve-se e encontrou novas expressões a partir da retomada da democracia. Uma dessas expressões são os programas considerados sensacionalistas, mas com grande audiência, com reportagens como a que agora discutimos. 

Boa notícia
Estabelece-se no país a tolerância à violação dos direitos dos presos e dos pobres, mesmo na democracia – bastando apenas fazer uma careta e dizer que os programas são “sensacionalistas”. Os “esclarecidos” dizem que não assistem “a esse lixo” – e isso seria suficiente. O “jornalismo sério” considera-se separado da ralé – e isso seria suficiente. Na prática, sabemos que, na guerra pela audiência, cada vez mais acirrada, a contaminação entre o jornalismo “sério” e o “sensacionalista” é crescente e estimulada. E, mesmo na imprensa considerada séria, parte dos jornalistas que cobrem a área, como se diz no jargão, continua “comendo na mão da polícia”. E não é uma parte tão pequena assim. 

Qual é a novidade? A grande – e boa – novidade é a capacidade de mobilização e de pressão pelas redes sociais. Até não muito tempo atrás, duvido que a apuração da responsabilidade de jornalistas como os do vídeo fosse sequer cogitada. Alertado por Fabrício Ramos, pelo Facebook, o vídeo foi postado em 21/5 no blog de Renato Roval. Em menos de 24 horas foi replicado em centenas de blogs e disseminado pelo Twitter, ganhando repercussão nacional.

Se estamos discutindo esse episódio aqui é porque as pessoas estão usando a internet para exercer sua cidadania e se responsabilizar pela democracia, que vai muito além do voto. Usando os instrumentos da internet para exercer pressão legítima, forçando a quebra do corporativismo, o funcionamento das instituições e o cumprimento das leis. 

Não me parece que nos faltem leis – o que nos falta é justiça. E, para a parte mais frágil da população, acesso à Justiça. 

Os responsáveis pela condenação e humilhação públicas de um suspeito negro, pobre e analfabeto descobriram que os jornalistas não estão acima da lei. Enfim, uma boa notícia. 
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[Eliane Brum é jornalista]

FONTE:http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed697_a_imprensa_que_estupra

Política Elvino Gass: Gilmar Mendes, Veja e o conluio dos desesperados.

publicado em 10 de junho de 2012 às 6:21

por Elvino Bohn Gass, em  Carta Maior, sugestão de MVM.

Aos petistas interessa que os episódios do que se convencionou chamar, retoricamente (conforme o próprio inventor do termo), de mensalão, sejam julgados. A permanência do falatório acerca deste assunto só serve aos adversários do PT que, confrontados com os governos muito bem sucedidos de Lula e Dilma, há anos perderam a linha. E a compostura.

Eles sabem. O que se chamou de mensalão foi uma prática inaugurada por um dos seus (o tucano Azeredo, em Minas). Mas sabem, também, que em caso de condenação de um petista, a foto deste é que estampará a capa da revista Veja. Provavelmente ilustrado com chifres e fumaça nas ventas.

A ideia que preside a tática antipetista é simples: é preciso diminuir a força do PT. Porque o PT tem Dilma e o governo federal mais bem avaliado da história, a maior e uma das mais qualificadas bancadas do Congresso e é o partido preferido dos brasileiros. Como se isso não bastasse, às vésperas de mais uma eleição municipal, investigações da Polícia Federal provam que alguns dos maiores acusadores do PT fazem parte de um esquema criminoso que reúne corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e outros malfeitos. 

Encurralados, PSDB, DEM, PPS e outros ainda menores, precisam arranjar um jeito de tentar jogar o PT no vento – e o julgamento do dito mensalão parece ser o sopro da hora.

As investigações da PF já prenderam Carlos Cachoeira, o bicheiro a quem o líder do Democratas, senador Demóstenes, servia como um office-boy. Demóstenes era apontado pela revista Veja como um dos ícones éticos do Senado e mais forte acusador do PT. Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça também comprometem seriamente o governador tucano Marconi Perillo, com quem Cachoeira negociou uma mansão e cuja Chefia de Gabinete utilizava um telefone “à prova de grampos”, presenteado pelo bicheiro. Demóstenes, Perillo, o desespero só aumenta. Até porque, há uma CPI em andamento no Congresso com potencial para estabelecer a responsabilidades políticas, cassar mandatos e desmontar de um esquema criminoso do, qual se beneficiaram os oposicionistas do PT. E quem conhece, sabe: o PT irá até o fim nesta investigação.

É neste contexto de desespero oposicionista que se insere um episódio tardio, a conversa entre o ex-presidente Lula e o ministro Gilmar Mendes presenciada pelo ex-ministro Nelson Jobim. Dos três personagens do encontro, dois – Lula e Jobim – dizem a mesma coisa: não houve qualquer pressão para que se adiasse o julgamento do mensalão. O terceiro, Mendes, insinua que foi pressionado. Não por acaso, a insinuação vira manchete da revista Veja.

Logo Veja, que centenas de vezes moldou fatos, inventou dossiês, usou fontes suspeitas, sempre contra o PT.

Mas quem é Mendes e qual o papel de Veja em tudo isso? Mendes é o homem para quem um outro ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, disse: "-Vossa Excelência não está nas ruas, está na mídia destruindo a Justiça desse país. Me respeite porque o senhor não está falando com seus capangas do Mato Grosso”.

Capangas? Um ministro do Supremo com capangas? Reportagem da revista Carta Capital explica a afirmação do ministro Barbosa: “Nas campanhas de 2000 e 2004, Gilmar (Mendes), primeiro como advogado–geral da União do governo Fernando Henrique Cardoso e depois como juiz da Corte, não poupou esforços para eleger o caçula da família (Chico) prefeito de Diamantino, município a 208 km de Cuiabá/Mato Grosso… circulou pelos bairros da cidade, cercado de seguranças, para intimidar a oposição…”

Para registro: o irmão do ministro é do PPS.
Sobre Mendes, vale lembrar que viajou várias vezes com Demóstenes, de quem era um dos interlocutores prediletos. A relação entre ambos é forte. E vem de longe.

Tome-se, por exemplo, o ano de 2008, quando Mendes presidia o Supremo. Naquele ano, a Polícia Federal já estava chegando perto de Cachoeira. De repente, vem a revista Veja (Veja, sempre Veja) e traz uma notícia “bombástica”: o Supremo está sendo espionado. As fontes? Demóstenes e Gilmar Mendes. Nunca houve um áudio sequer que desse crédito ao grampo. Entretanto, Veja fez manchete. Mas justificado pelas suspeitas nunca provadas de que estaria sendo espionado, Mendes contrata para ser seu consultor de contra-espionagem, um ex-agente da ABIN chamado Jairo Martins.

Sabem que é Jairo Martins? Ele mesmo, o homem apontado pela Polícia como um dos principais operadores do esquema de… Cachoeira, o araponga do bicheiro. Não por acaso, em Brasília, já se diz que entre Cachoeira e Mendes há pelo menos um dado comum incontestável: ambos utilizavam o mesmo personal-araponga. Seria risível se não fosse tão revelador. Há mais: Mendes foi o ministro que concedeu o discutível habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas num inesperado final de semana. Dantas… sim, a fonte a quem a revista Veja (olha a Veja aí de novo) deu crédito na história do estapafúrdio dossiê que revelaria contas de figurões da República no exterior, Lula entre eles. Jamais comprovado porque absolutamente forjado, o dossiê desapareceu das páginas da revista.

Pois é, esta é a Veja. Uma publicação que manteve relações tão estreitas com Cachoeira que este determinava até em qual espaço da revista suas “informações” deveriam ser publicadas. É diretor de Veja o jornalista que manteve centenas de telefonemas com Cachoeira e que das informações dele se servia para atacar o governo do PT. Veja é, portanto, o veículo de imprensa que melhor conhecia o modus operandi de Cachoeira. No entanto, jamais o denunciou. Repito: jamais o denunciou! Muito se poderia dizer ainda sobre Veja, mas fique-se com a fala de Ciro Gomes, um aliado de Dilma mas um crítico do PT: “Todo mundo sabe que a revista Veja tem lado. Todo mundo sabe que a revista Veja é a folha da canalhocracia brasileira. É ali que o baronato brasileiro explora o moralismo a serviço da imoralidade”.

Veja, a revista que mais ataca o PT, perdeu sua principal fonte oficial – Demóstenes – e sua principal fonte não-oficial – Cachoeira. Restou-lhe tentar um último golpe: atacar Lula, o maior símbolo petista. E a escolha de Gilmar Mendes para o serviço faz todo o sentido neste verdadeiro conluio de desesperados.

Elvino Bohn Gass éDeputado Federal PT/RS, Secretário Nacional Agrário e vice-líder da bancada do PT na Câmara.

FONTE: http://www.viomundo.com.br/politica/elvino-bohn-gass-gilmar-mendes-veja-e-o-conluio-dos-desesperado.html

Europa em estado de alerta com crise bancária na Espanha.

À crise financeira de 2008 seguiu-se uma crise da dívida e para evitar uma crise bancária, a Europa está em estado de alerta.

Madrid implementou medidas de austeridade para reduzir a dívida pública, mas os bancos afetados pela bolha imobiliária ameaçam fazer explodir as contas públicas do país. 

As condições de financiamento de Madrid deterioraram-se e a zona euro vê-se de novo à beira do abismo, tendo em conta o grande peso económico de Espanha.

Em termos de exposição dos bancos à divida espanhola quem lidera são os alemães com 117 mil milhões de euros. Seguem-se instituições financeiras francesas (92 mil milhões), britânicas (67 mil milhões) e americanas, com 37 mil milhões. Portugal surge em sexta posição, com 18,5 mil milhões de euros. 

Para salvar a quarta maior economia da zona euro, há cada vez mais países favoráveis à alteração das regras para o acesso ao dinheiro dos mecanismos europeus de resgate. 

Espanha ainda espera os resultados das auditorias pedidas, mas alguns economistas estimam que o setor bancário vai precisar até cem mil milhões de euros de recapitalização.



FONTE: http://pt.euronews.com/2012/06/08/europa-em-estado-de-alerta-com-crise-bancaria-em-espanha/

Antropologia. Tese sobre quilombolas é eleita a melhor do país.

Estudo desenvolvido pelo professor Carlos Alexandre dos Santos mostra como aspirações camponesas ainda organizam as comunidades quilombolas do Mato Grosso do Sul

Luciana Barreto
Da Secretaria de Comunicação da UnB.
A melhor tese de doutorado do país em Antropologia foi produzida na Universidade de Brasília. A história dos quilombolas no Mato Grosso do Sul, sob a perspectiva do campesinato e da memória de seus idosos, além da luta política pelo direito à terra dessas comunidades, resultou em mérito e reconhecimento à pesquisa desenvolvida pelo professor-substituto do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, Carlos Alexandre Plínio dos Santos. O estudo foi selecionado pelo Prêmio Capes de Tese Edição 2011, divulgado nesta semana. Foram eleitas as 45 melhores teses de doutorado, defendidas em 2010, em diferentes áreas do conhecimento.

Sob a orientação da professora Ellen Fensterseifer Woortmann, Carlos Alexandre demonstrou em sua tese que as aspirações camponesas que orientaram a formação dos primeiros quilombolas são as mesmas que até hoje mantêm as 17 comunidades rurais negras que investigou, no Mato Grosso do Sul. São ideais como acesso à terra, formação de famílias e controle do processo de trabalho.

Para o pesquisador, as interações ocorridas entre ex-escravos da região pesquisada e das fazendas escravocratas do Triângulo Mineiro e do sul de Goiás ocasionaram o que ele chamou de “irmandade”, ou seja, “uma união que tem como principal objetivo a preservação de um projeto camponês”. A partir desse processo, novos núcleos se fortalecem e se organizam, “interligando, até mesmo, territorialidades espacialmente descontínuas”.

O professor explica que “a terra, como núcleo organizador, continua a orientar as comunidades negras rurais, embora, agora, essa luta esteja ressignificada, já que antes era baseada no parentesco e no compadrio, e atualmente está conformada a um campo político representado pelo Movimento Quilombola e pelo Movimento Negro”.

Para o professor, a premiação é mais que um reconhecimento pessoal, mas também das comunidades investigadas em seu estudo. “Esse prêmio é interessante por dar visibilidade a uma luta histórica legítima, especialmente agora, em um momento político conflituoso, onde de um lado estão comunidades negras rurais quilombolas e os movimentos de resistência e de outro, governos estaduais, prefeituras e entidades de interesses agropecuaristas”. O pesquisador cita o julgamento da constitucionalidade do Decreto 4.887/2003, o qual confere direito aos quilombolas quanto à titularidade das terras ocupadas, a partir de ação impetrada pelo Partido Democratas.

IDOSOS - Entre 2006 e 2010, Carlos Alexandre dedicou ao todo doze meses a um trabalho de campo etnográfico e documental. Foram quase cem entrevistas, principalmente com pessoas idosas e nas comunidades quilombolas Dezidério Felippe de Oliveira e Tia Eva. “Como percebi no trabalho de campo, houve uma grande preocupação dos idosos no sentido de que suas memórias não se perdessem, por isso a pesquisa sobre o passado deles e dos seus ascendentes foi central para minha pesquisa”, relata. “Somada à luta pela terra, resgatar essa memória significa recompor uma história que a História Oficial se negou a contar”.

Carlos Alexandre destaca que sua preocupação foi a de não deixar cair no esquecimento os parentes já falecidos, a luta de homens, mulheres e famílias que atravessou gerações por um pedaço de terra, os parentes assassinados, suas tradições e memórias pessoais. “Reconstituir essa outra história é reafirmar a identidade dessas comunidades, de nossos negros, de nosso Brasil”, comentou. “Não fosse o apoio do Departamento de Antropologia da UnB, fórum de excelência da universidade, essa pesquisa não teria alcançado tamanho êxito e alcance”, elogiou. O curso de Antropologia da UnB é avaliado pela Capes com nota máxima: 7. As avaliações são feitas a cada três anos. A última foi em 2010.

A cerimônia de entrega dos prêmios aos autores e da distinção aos respectivos orientadores e programas de pós-graduação ocorrerá no edifício-sede da Capes, em Brasília, no dia 11 de julho.

FONTE:http://www.unbciencia.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=474%3Atese-sobre-quilombolas-e-eleita-a-melhor-do-pais&catid=25%3Aantropologia

sábado, 9 de junho de 2012

Africa. Filme "Paradies: Liebe" retrata solidão do turismo sexual.

Quem explora e quem é explorado na indústria do turismo sexual é a questão que aparece no filme "Paradies: Liebe" (Paraíso: Amor, na tradução), do diretor Ulrich Seidl, um retrato forte e inquietante sobre a solidão feminina e o desequilíbrio econômico na África. 

O longa falado em alemão está em competição no Festival de Cannes 2012 e teve sua estreia mundial na semana passada.

O diretor austríaco escolheu como tema mulheres brancas europeias na faixa dos 50 anos que passam férias no Quênia, onde conhecem os chamados "Beach Boys", homens jovens que viram seus amantes.
Foto: Divulgação "Paradies: Liebe": turismo sexual na África

 
Decepcionadas por relacionamentos antigos em seu país e longe de seu auge físico, as mulheres buscam satisfação sexual e a sensação de serem amadas.

Os homens, com poucas perspectivas de trabalho além da opção de vender bugigangas na praia, esperam em troca dinheiro, presentes ou até mesmo a promessa de uma vida melhor na Europa.

As mulheres sonham em encontrar alguém que as aceitem como são e seus amantes sonham em progredir. O conflito de intenções permite que o filme trace uma imagem desoladora sobre a capacidade das pessoas de se comunicar.

"Hakuna matata" ou "sem problema" pode ser a frase que os "beach boys" gostam de repetir, mas a relação de senhor e escravo cria uma atmosfera tensa na praia paradisíaca. Uma forma de colonialismo está viva ali, à medida que os jovens homens negros tentam agradar e serem pagos.

Uma imagem marcante é a de um grupo de jovens rodeando uma fileira de cadeiras de praia nas quais as mulheres tomam sol. Os homens observam atentamente a alguns metros de distância, esperando ser notados, mas eles estão separados por uma barreira de corda.

"Paradies: Liebe" é o primeiro filme de uma trilogia que Seidl demorou quatro anos para filmar. Os três longas contam histórias diferentes sobre três mulheres da mesma família.

Seidl filmou o longa sem um roteiro, confiando na capacidade de os atores improvisarem as cenas definidas de antemão.

Ele ficou um ano e meio na sala de edição antes de perceber que as três linhas do enredo não se manteriam juntas, o que o levou a optar por uma trilogia.

FONTEhttp://ultimosegundo.ig.com.br/cannes/2012-05-23/paradies-liebe-retrata-solidao-do-turismo-sexual.html